Sabe quando alguém pergunta qual é o teu tipo de história? Qual é o teu cenário favorito para uma história? Particularmente, eu nunca soube responder essa pergunta com exatidão. Nunca gostei de histórias ambientadas na idade média, o futurismo de um sci-fi pouco me prendia (apesar de gostar de como tanto sci-fi quanto terror são gêneros ótimos para fazer críticas mais diretas) e magia para mim é apenas uma forma de recontextualização da tecnologia em histórias em que a usam.
Tudo me parecia demais. Mesmo que em algum nível isso possa ser usado para fugir da monotonia da rotina, eu não me identificava com nada daquilo; meus anseios eram muito mais mundanos, até pouco tempo eu vivia trancafiado em um quarto com medo de tudo e receoso em ser um peso aos outros. Acho que foi quando li Boa noite, Punpun que eu pude perceber isso. Eu gosto de histórias que me falem sobre o hoje, sobre nossas relações completamente comuns. Acho que o que me pegou de jeito desde que descobri Afterlove EP foi justamente a necessidade de se conectar com o próximo em um momento tão vulnerável.
Por mais que eu estivesse ansioso para o lançamento do jogo, admito que fui pego de surpresa ao ver que ele estava listado para o mês de fevereiro. Digo isso pois eu parei de acompanhar noticias e atualizações do projeto após o falecimento do diretor, Mohammad Fahmi Hasni, o que deixou o jogo com um desenvolvimento conturbado desde então e me fez acreditar que ele talvez nunca saísse no fim das contas. Mas aqui está, saindo após quatro anos desde seu anúncio, Afterlove EP é um projeto muito sincero sobre a busca pela superação do luto.
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O protagonista Rama faz parte de uma banda e, quando tudo parece ir bem, sua namorada vem a falecer. Engolfado pelo luto, ele some, deixando seus amigos e colegas de banda de lado. Após um ano do ocorrido, o personagem retorna pedindo que a banda volte a ativa, mas agora com agravante que ele escuta sua namorada em sua cabeça. Se você ouvir isso de surpresa, até parece a trama central do mangá Solenin, de Inio Asano, né? E meio que vai nesse caminho, mas esses são apenas os 20 minutos iniciais do jogo.
A arte despretensiosa e sua paleta de cores frias denotam o tom do jogo; a música da banda, Sigmund Feud, com o tempo se torna melancólica. Rama retorna para a banda com a vontade de cantar cada vez mais sobre sua namorada, e isso acaba sendo sufocante para Tasya e Adit, os amigos/baixista e baterista da banda, respectivamente.
Assim, o jogo desenrola seguindo essa premissa. Não tem muito segredo, visto que ele segue a estrutura de adventure, visual novel e pitadas de jogos de ritmo. Existe também uma similaridade com (e eu não acredito que direi esse nome) a série Persona, por um sistema de calendário acoplado a uma deadline. A não ser que você tenha algo marcado num dia, você está livre para ir e vir. Com o tempo, isso se torna maçante, visto que o jogo não te deixa trocar ideia com os amigos da banda ao menos que seja um momento definido da história. Existem poucos personagens interagíveis e poucas coisas para fazer, principalmente sozinho. Certo, tem como caçar as memórias com a sua namorada por aí, tocar musica em algum lugar da cidade, mas nada que deixa Rama aproveitar sua solidão, o que me dá a sensação que a busca pela superação do luto do personagem está ligada principalmente ao sucesso da banda ou até na busca de um outro possível relacionamento. Tenho para mim que Rama é muito mais do que essas coisas.
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É certo que todas as pessoas têm uma maneira diferente de lidar com seus sentimentos e perrengues da vida. Todavia, acredito que devida a situação narrada pelo jogo, seria de grande importância para Rama se encontrar antes de tudo. Mesmo que ele ainda escute a sua namorada e comece a fazer terapia (que no jogo, parece não ser dada a devida importância, apesar de ser ligeiramente mencionada no núcleo principal), o jogo ainda faz que Rama precise de outras pessoas para preencher o vazio que ele tem.
Além disso, ele precisa da música e aqui entram algumas questões. Mesmo que não seja o grande foco do jogo, a parte menos interessante da obra é definitivamente a de ritmo. Mesmo que narrativamente a música seja o centro de tudo, ela também fica de lado enquanto jogamos. Seria benéfico ao jogo se ele usasse mais os momentos de ritmo e incluíssem mais musicas da banda L’Alphalpha. Tempuh, Suaka e Temu Hiliang são músicas que vão aparecer ao decorrer do jogo em momentos de viradas narrativas. São ótimas músicas inclusive — o cenário asiático de Rock Alternativo/Folk tem sido muito prolífico e aparecido bastante em produções contemporâneas da região.
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Nota: Fica a menção aqui para uma das minhas queridinhas, No Party For Cao Dong, de Taiwan, que aparece no renegado jogo Devotion.
No fim, Afterlove EP é um jogo desajeitado. Mesmo que ainda tenha o seu brilho, todas as decisões tomadas por ele são recheadas de ressalvas. Com o tempo, eu aprendi a ignorá-las, mas ainda estão lá. As relações construídas em Afterlove são sinceras quando bem amarradas, por mais que eu não goste do quão passivo-agressivos todos os personagens desse jogo podem ser. Quando mencionei isso para um amigo (salve, Max) parece que é uma coisa comum soar meio agressivo no geral hoje em dia? Não sei, não posso afirmar nada categoricamente, mas posso dizer que quando as conversas não giram em torno de algum anseio muito mesquinho de algum personagem, elas funcionam muito bem.
A exceção da amargura está no dono da cafeteria, Coffee and Conversation, que parece ser uma pessoa que compartilhou de muitos dos ardores que o protagonista viveu, mas que ainda tem uma visão muito positiva sobre a vida e suas escolhas, mesmo que eles tenham o levado para um lugar diferente do que ele havia imaginado.
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É impossível deixar de se relacionar pessoalmente com um jogo tão singelo quanto Afterlove EP, pois eu vejo um pouco de mim em cada pedaço dele. Para mim, ele foi uma forma de revisitar anseios passados: os bloqueios criativos em relação a minha escrita, o medo do futuro incerto que esse começo da vida adulta nos trás, o tempo que eu me isolei de tudo por causa do luto ou pela pura angústia e ressentimento que enchiam o meu peito naquele momento, e como a soma dessas situações me levaram a uma posição muito diferente daquele pouco que almejei para minha vida. Mas não de um jeito ruim, acho que revisitar as memórias de um determinado tempo sem se prender à ele é o que nos faz seguir o árduo caminho da vida sem perder a ternura e aprender a viver sem arrependimentos.
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Não consigo deixar de pensar o quão simbólico Afterlove EP pode ser para o estúdio ao fechar um ciclo e ainda homenagear o diretor do jogo, assim como foi especial para mim olhar para o passado com uma perspectiva diferente por causa de seus temas. Independente dos problemas que o jogo possa ter, eu me liguei diretamente com ele. E algo que fica evidente no fim é que a gente nunca supera o luto, mas se acostuma com ele. As pessoas que amamos ainda fazem falta e, mesmo que a efemeridade das memórias façam que nós esqueçamos algum detalhe, essas mesmas pessoas ainda vivem dentro de cada um, mesmo que não tão diretamente como uma voz em sua cabeça.
Uma cópia gratuita de Afterlove EP para PC foi concedida pela Fellow Traveller para análise no Recanto do Dragão.