As origens humildes de Spyro the Dragon

Muito bom dia! Espero que esteja tudo certo com vocês. Pra mim tá mais ou menos — além de super ocupada, estou passando por alguns problemas financeiros. Coisa que talvez ainda esteja acontecendo quando esse texto sair, mas alguma coisa já vai estar atrasada até lá… enfim, apesar de ocupada e com muita coisa pra jogar, decidi cair em tentação e abrir um antigo rival: Spyro The Dragon.

Eu tenho uma história de não gostar desse primeiro jogo e até tenho um texto antigo sobre ele. Hoje em dia eu discordo de algumas coisas naquele texto, mas apesar dos erros ortográficos, é uma boa análise. Zerei Spyro 1 em menos de dois dias, jogando toda a segunda metade em uma call com amigos. Eu tenho essa parada de rejogar a mesma coisa que eu já decidi que não gosto várias vezes até meu apreço subir, mas dessa vez juro que foi porque eu queria escrever sobre Spyro.

Spyro The Dragon, como franquia, é uma das coisas mais importantes pra minha vida. Eu não joguei tantos Spyros quanto eu gostaria, mas minha infância foi marcada de verdade por esse dragãozinho. Lembro de parar de chorar imediatamente sempre que ligavam Spyro 3 pra mim jogar, como na vez que minha mãe me levou para cortar meu cabelo contra minha vontade e ficou horroroso. Mesmo quando pequena eu queria ter cabelo longo, por que será? Enfim, Spyro me marcou muito. Tanto a vibe trazida pelos cenários e músicas como as noções de collectathon que tenho hoje em dia, solidificando esse como meu estilo de platformer favorito. Disputa com JRPGs o tempo todo pra ser meu gênero favorito, o que eles devem considerar uma grande honra considerando o quão inteligente e bonita eu sou…

Spyro sempre foi meu xodó, então é estranho que eu só tenha um texto sobre e ele nunca veio pro Recanto. Decidi reescrever então e, com isso, começar uma série a mais na minha lista de coberturas retrospectivas. Só que acho que só estou falando nada com nada agora, por isso vamos direto pro que trouxe todo mundo aqui.

Você sabia? Collectathons são difíceis de fazer! Esse é um discurso comum nos meus textos sobre o gênero. Um collectathon é um complexo balanceamento entre platforming, puzzles e combate lançados sobre uma forma chamada “exploração” e então moldados no forno. A questão é que além de ser bastante difícil dosar essa conexão de âmbitos com a exploração de base, ela própria já é bastante complexa. Exploração sempre vai ser difícil fazer, mas a maior parte dos jogos que a empregam não querem que você ache TUDO, apenas siga em frente com o que conseguir. Para collectathons, você não pode ser forçado a encontrar tudo, mas devidamente influenciado a fazer isso. Os jogos são desenhados com esse intuito, de sempre fazer com que cada descoberta seja intuitiva e dinâmica sem se tornar fácil demais ou muito óbvio. E isso fica mais difícil quando você joga as diferentes mentes e pensamentos humanos na balança. Precisa ser possível e intuitivo pro maior número de pessoas possível!

Eu sempre digo isso porque quero que todos reconheçam o quão bom um collectathon tem que ser pra funcionar. Wario Land Shake It é um dos que NÃO funciona, mas eu tenho diversos ótimos exemplos que funcionam para citar. Tais como Wario World, Banjo-Kazooie, Super Mario 64 e… Spyro! É, eu sempre menciono Spyro quando falo de bons jogos no gênero. Todos os três do PS1 são maravilhosos nesse aspecto, o que é bem impressionante considerando o tanto de conteúdo que cada jogo tem. Esse primeiro já estreia com mais de 30 níveis únicos! A cada jogo o número de fases se mantém acima de 30, o negócio é que as fases ficam maiores e mais bem trabalhadas, deixando o espetáculo da própria existência desse joguinho ainda maior. Super Mario 64 só tem 15 fases principais! Banjo tem só 10! Wario World só tem 8 níveis!

Spyro the Dragon análise

Alguns dos jogos citados tem mais ou menos detalhe em casa fase, mas em Spyro 3 os diferentes mundos já são mais detalhados que Mario 64 e bem perto de rivalizar Banjo-Kazooie. Essa franquia é bem absurda, ainda mais mantendo a qualidade da exploração bem consistente em cada uma. Tanto é que Spyro é meu padrão de qualidade quando se fala de coletar coisas, tanto por ser meu primeiro do gênero quanto pela absurda qualidade em manter a corda bamba desse intenso estilo de level design sempre reta.

Esse primeiro jogo já dispensa comentários. A estrutura mais Arcade dele, com pouquíssima história e quase nenhuma gimmick em cada nível, é uma boa maneira de introduzir jogadores a Spyro. Cada fase segue um padrão de gameplay simples, um loop bem fácil de compreender. Entre na fase, colete tudo que encontrar e saia quando bem entender. Isso pode ser quando encontrar tudo ou, caso não esteja buscando um 100%, quando achar que coletou o suficiente para progredir. Você nem sequer precisa achar a saída da fase, até porque em diversos cenários a saída está não muito longe da entrada. Se as fases fossem minimamente uma corrida até o portal, elas não valeriam de nada.

A exploração vem acompanhada de combate e platforming, dois pilares de design em Spyro. Com combate eu não me refiro a algo extremamente complexo! Cada inimigo precisa ser vencido de um jeito e possui padrões só um teco diferentes entre si. Um ângulo de ataque diferente, uma velocidade de reação diferente ao ver Spyro… mas de fato atacá-los é o importante. Inimigos blindados não podem ser vencidos com fogo, então pedem uma cabeçada. Inimigos grandes não podem ser vencidos com a cabeçada, mas podem ser tostados com fogo. Isso é o básico, quase todo inimigo cai em uma dessas duas categorias. No entanto, não são todos. Armaduras vazias, por exemplo, só podem ser vencidas com Super-Charges ou com o fogo mais forte concedido pelo beijo de uma linda dama… uma fada, no caso. Isso traz um ar de exploração e resolução de puzzles bem interessante.

Supercharges só podem ser feitos em rampas específicas, e você as perde assim que parar de correr, pedindo bastante controle da sua direção e reações rápidas. O fogo mais forte pede que você encontre uma fada e corra até seu inimigo o mais rápido que pode antes do fogo da paixão do Spyro se apagar. Em minha experiência, se eu for beijada por uma garota eu vou lançar chamas invencíveis por pelo menos uma semana e não trinta segundos. Busca jogo, Spyro.

Como os inimigos trazem consigo gemas, coletáveis essenciais na sua aventura, se torna imprescindível que você os derrote. Desvendar seu pequeno quebra cabeça é muito importante. Mas, é claro, vencer inimigos não é seu único desafio. Você deve achar que pelo Spyro poder planar, o platforming é fácil… achou certo, otário, mas tem mais nisso. Calcular seu pouso, manter o ângulo firme e saber quando usar usar um Headbutt aéreo pra conseguir um pouco mais de distância deixam o platforming um pouco mais complexo do que o esperado. Se você pensar e planejar bem não vai ter problemas, mas de fato é menos do que só pular e planar.

A movimentação desse primeiro jogo é espetacular, algo que deixa ele mais legal que seus sucessores nesse aspecto. A cabeçada aérea é de longe o maior motivo para tal, te dando um ótimo avanço horizontal quando mais precisa. É um favorito para speedrunners por conta da sua física e controles, e consigo entender bem o porquê. As coisas que me irritavam no jogo como as inclinações e paredes se tornam ferramentas maravilhosas pra quem sabe usar. Esse tipo de relação entre Quem Não Sabe e Quem Sabe é algo que me atrai muito em diversos jogos, perfeitamente mostrando o quanto um jogo como esse se torna mais divertido com conhecimento sobre ele.

Spyro the Dragon análise

Ainda assim, mesmo esses bons aspectos da gameplay precisam de mais cuidados futuros. O platforming, embora tenha seu grau de complexidade, ainda pode ser aprimorado, e o combate simples ainda deixa a desejar de tempos em tempos. Não me refiro tanto aos golpes do Spyro quando falo de combate, acho que os dois principais já são ótimos! Apesar de que um ground pound como foi introduzido nos jogos futuros seria legal. Falo mais isso por conta de certos inimigos.

Alguns adversários não são muito bem pensados. Diversos embates terminam em uma simples interação, o que não é ruim, apenas se torna pouco funcional quando enfrentamos inimigos praticamente invencíveis… tá, eu exagerei. A questão é que alguns inimigos, particularmente os sapos de Misty Bog, são rápidos demais para desviar. Assim que eles te veem, atacam com a língua diretamente onde você tá. Não adianta rolar (sim, o jogo tem roll), pular ou sei lá mais o que, eles vão acertar! A estratégia se torna ou super spacing, no caso, calmamente lançar fogo de forma que suas chamas acertem o sapo antes mesmo de você entrar no range dele… ou atacar antes de ser visto. Não com stealth, só rápido o suficiente pra matá-lo antes da programação funcionar.

Isso nem sempre funciona, sabe. Existe uma área em Misty Bog com diversos inimigos, três tipos diferentes, e fica quase impossível vencer todos sem tomar dano. Mas essa sala é um exemplo não muito bom porque um desses inimigos, o javali, é capaz de atropelar todos os outros na sua frente enquanto tenta te esmigalhar. Ele é um verdadeiro hater. Ainda assim acredito que faltam áreas no jogo que usam inimigos dessa maneira inteligente… tem algumas, sim, mas são poucas. Eu até gostaria de falar mais sobre, mas lembram da existência do meu texto de Spyro que nunca veio pro Recanto? Vou quotar uma grande parte dele em que eu analiso quatro inimigos diferentes. Por que eu seria preguiçosa a esse ponto? Olha, porque eu gosto bastante dessa parte do texto. Me deem uma trégua, tá?

Spyro the Dragon análise

Pois bem, daqui pra frente a Rosie do passado vai dar uma palhinha sobre design de inimigos bom e ruim em Spyro The Dragon:

“Pra começar, eu vou pegar exemplos dos últimos Homeworlds, porque os primeiros eram mais fáceis de propósito. Ainda acho que seria legal um desafio mesmo no começo do jogo, afinal é uma aventura bem grande e você passa bastante tempo no início. Porém, essas primeiras fases tem foco apenas em exploração, e são divertidas por isso. Então, vou trazer dois exemplos ruins de Beast Makers, o quarto homeworld, e dois exemplos bons de Dream Weavers, o último antes do mundo do final boss.

O nosso primeiro exemplo ruim é o dos macaquinhos de Tree Tops. Tree Tops é uma das fases mais complexas do jogo, baseada em velocidade, momentum e… bem, isso não importa. O que importa é que essa fase tem dois inimigos principais, macaquinhos e macacões. Os macacos pequenos tem um padrão muito simples. Se eles te veem, jogam banana, e podem ser vencidos com ambos charge e flame. Eu falo macacos porque quero acreditar que são mesmo animais, ao invés de estereótipos racistas de nativos americanos. Enfim… desviar das bananas é razoavelmente difícil, por serem um projétil bem grande e você não ter tanto espaço pra desviar na maioria das vezes. Então como mata? Olha, é bem ridículo mas, é só atacar primeiro. Ataque rápido uma vez e está feito. Não tem mistério e não tem dificuldade. Se você não atacar rápido o suficiente, leva um ponto de dano. A fase nunca coloca muitos macacos no mesmo lugar então eles nunca se tornam um problema, até porque isso não faria sentido já que não acrescentaria em nada na estratégia. Ainda ia ser atacar primeiro todos eles. Os macacos maiores são ainda piores, porque mesmo sendo imunes a Charge, eles nem sequer tem um ataque bom que os auxilie. São apenas o básico do básico: cara forte que morre pra fogo, e você queima o rabo dele ainda mais fácil por ser um alvo maior.

Spyro the Dragon análise

O nosso primeiro exemplo bom vem de Dark Passage — um demônio que atira flechas. Ele é um exemplo bom porque, embora seja um inimigo razoavelmente fácil, o padrão dele é bem livre e prático. Isso permite aos designers uma liberdade maior ao inseri-lo em conjunto com outros inimigos, desafios ou mais dele mesmo. O que acontece é que quando ele te vê, atira uma flecha. É uma flecha grande então é bem fácil te acertar, mas pra desviar você vai pro lado ou pula, nada demais. Isso fica mais divertido, no entanto, se tiver mais alguma coisa com ele, deixando sua atenção dividida entre a flecha e seu parceiro ou sei lá o que estiver ajudando ele, e fazendo dos encontros com ele muito mais dinâmicos e estratégicos.

O segundo exemplo ruim é de Misty Bog, e eu… não sei como descrever essas merdas. São pedaços de arbusto gigante, com olhos e uma boca enorme. Quando você chega perto eles te comem, então cospem fora. A gimmick deles é serem bem rápidos, quando começam a se mexer já te pegaram. Teoricamente deviam ser inimigos difíceis… mas não é assim na prática. O problema deles é na verdade o fogo do Spyro, que é muito forte. Flame cobre um espaço muito bom na frente dele, dura bastante tempo, e enquanto tá durando acompanha o dragão enquanto ele anda. Por isso, matar esses bichos não é nem sequer questão de timing, você aperta bolinha, anda pra zona que ele vai atacar e assiste o idiota se jogar na frente do fogo. Não é um bicho desafiador em nenhum momento da gameplay, embora a intenção é ele ser um inimigo mais forte.

Spyro the Dragon análise

Então o nosso último exemplo bom são os monstros, cachorros e jabutis de, também, Dark Passage. Como são dois inimigos, o comum seria separá-los, mas há algo que os une. Na luz eles são pequenos e (quase) inofensivos, mas, se não houver luz, os dois se tornam monstros até que bem assustadores. O cachorro é uma versão melhor do inimigo anterior do pântano, sendo bem rápido e, mesmo que facilmente derrotado, acaba vindo acompanhado e em espaços apertados. Já o jabuti é um inimigo realmente bom. Em ambas as formas ele te atira bolas de fogo, mas quando cresce também se torna invencível, já que é imune a charge e flame. Algo que une ambos os inimigos é a presença de pequenos bobos da corte — inimigos que não morrem mas podem ser atacados criando efeitos especiais. Os dessa fase deixam uma lanterna no chão que ilumina os inimigos, enfraquecendo-os para que possam ser abatidos. Por isso, as estratégias se tornam bem mais divertidas. Você precisa criar uma fonte de luz primeiro e só aí derrotar os inimigos. Ainda assim o jabuti continua cuspindo fogo, então não se torna inválido por ser menor que você.”

Obrigada, Rosie do passado. Além de tudo que já falei, a estrutura do jogo também é motivo de contenda entre as vozes da minha cabecinha maluca. Spyro The Dragon segue um fluxo bem simples de entrar na fase, pegar o que ver e se mandar. Isso eu já falei, e vejo bastante valor nessa aproximação. No entanto, os jogos seguintes me deram uma noção diferente sobre esse tipo de design em Spyro.

No segundo e terceiro jogo a história, além de existir de fato, é bem presente. Cada portal te leva a um mundo populado por habitantes completamente diferentes, de espécies diferentes e com sua própria historinha. É fato de que fica implícito no design das fases e em seus nomes o que cada estágio representa no mundo dos dragões em Spyro 1, mas muitas dessas noções cabem em apenas “teorias”. Nós sabemos que alguns dragões são guerreiros, outros são magos, e alguns não são nada, mas fica difícil dizer que cada fase se diferencia além do seu visual. Não que isso seja importante para o jogo, mas veja bem — é muito fácil lembrar de fases de Spyro 2 e 3.

Eu joguei Spyro 1 demais pra ESQUECER das fases dele, mas as memórias estão sempre associadas a uma parte ou outra que fiquei mais tempo, uma dificuldade que tive… enquanto para os outros jogos, eu consigo explicar bem cada nível. Isso é porque eles tem seus próprios habitantes, sua pequena história, seus problemas, seu papel no worldbuilding dos jogos e, na questão de gameplay, cada coletável vem com sua própria missão. Os jogos seguintes dão uma estrutura de Super Mario 64 aos seus cenários, que acabam por ser memoráveis até demais por conta disso. Os níveis de Spyro 1 saem da sua mente tão rápido quanto entraram, porque se equiparam mais a níveis de plataforma simples de um jogo como Super Mario Bros., ao invés dos jogos collectathon do encanador. O mundo é menos vivo por isso, e todo esse fator cai majoritariamente na apresentação. E, olha, eu ainda gosto da maneira arcade de lidar com as coisas, em que tudo é reduzido à gameplay, mas esse estilo dificulta minha aproximação emocional com esse primeiro jogo.

Spyro the Dragon análise

Dragões são coletáveis, logicamente, mas também representam 90% dos diálogos do jogo. Diálogos esses que se tornam meros tutoriais engraçadinhos para o jogador, os quais você pode pular bem rapidamente. A cutscene no início e final do jogo é curta e simples demais para chamar de “história”, e mesmo se eu tentasse resumi-las eu acabaria descrevendo-as inteiras de tão pequenas e superficiais que são… exatamente como um jogo Arcade, que ambienta seu jogador o mais rápido possível a fim de que você apenas comece a jogar. Acaba apenas machucando a experiência de quem busca se ligar em um estado mais profundo com a “aventura”, que falha em passar o sentimento de aventura em si e acaba parecendo mais um dever de casa. Bem, não é chato como dever de casa, apenas algo que você faz rapidamente e segue a vida. Isso é mais ou menos o que Spyro fez, passando por algumas áreas da vizinhança dos dragões e vencendo inimigos só pra queimar o rabo do Gnorc no final.

Os jogos seguintes tem personagens, tem ambientação bem trabalhada, mostram culturas diferentes, ainda que simplistas (algumas reais, outras fictícias), e fazem tudo isso te dando level design maravilhoso e exploração impecável. Spyro 1 é bom, mas entre o dragão CLEETUS e meu mano Hunter, realmente prefiro a onça de bermudinha.

Como um adendo, eu tenho quase certeza que salvei o Cleetus TRÊS vezes. A piada aparentemente é que você salva ele duas vezes, mas eu tenho memória viva de uma terceira. Eu joguei esses dias, a não ser que eu estivesse alucinando enquanto jogava, não faria sentido eu lembrar isso mal. Eu ainda estava em call, mais gente viu! Ainda assim, até na comunidade do Reddit de Spyro, me falaram que ele só aparece duas. Eu me sinto vendo uma assombração e ninguém acredita em mim.

Spyro the Dragon fanart by @rosiemymelody