Assassin’s Creed Shadows — pela guerra e por nós | Análise

Assassin's Creed Shadows - pela guerra e por nós análise - print por @tamala_tamami

Assassin’s Creed Shadows é exatamente a ficção histórica que você esperaria se nunca tivesse tocado em um jogo da franquia. Ela, que era anteriormente baseada em criar situações perfeitas para justificar assassinatos políticos em série no meio de cidades grandes o suficiente para exibir sinais de alastramento urbano nos anos 1100, agora te posiciona como uma força militar.

O primeiro Assassin’s Creed, como diversos outros da franquia, se passa em uma guerra ativa  —  mais especificamente a Terceira Cruzada — mas os campos de batalha contém alvos de sua visita, não de sua lâmina. Seus alvos andam pelas ruas de Jerusalém, Damasco, Acre, ou Massiafe. O conceito real da Ordem dos Assassinos sírios servia como uma forma de ficcionalizar os conflitos da época com os toques de ficção científica mais kitsch que 2007 podia oferecer. Não existem lá muitos detalhes sobre eles na vida real, então os assassinos foram caracterizados como uma seita radical e ortodoxa; eles cortavam o dedo de maneira ritualística, utilizavam parkour contemporâneo para navegar cidades em meio à Idade Média; eram maleáveis o suficiente para serem dominados por um conspirador, mas simultaneamente tão influentes que estão na ativa até hoje lutando uma guerra por meio de simulações que se assemelham à videogames da sétima geração de consoles. A perfeita desculpa para remoldar Prince of Persia para a nova geração. 

Assassin's Creed Shadows Análise

Assassin’s Creed 1 ainda é muito videogame em suas mecânicas e estrutura, então o conceito do simulador Animus está lá para te fazer aceitar as estranhezas causadas por jogar um videogame desta época. Se o protagonista Altaïr sair correndo na rua, as pessoas o chamarão de louco. Se você morrer e renascer, você apenas “dessincronizou”. Matou um civil? Dessincronizou. Tomou dano? Dessincronizou. 

Sua barra de vida não representa sua vida, mas sim sua… sincronização! Você não está jogando a vida do Altaïr, mas sim uma abstração regrada dos momentos chave que o levaram à ver um Pedaço do Éden, algo que ambos Assassinos e seus inimigos Templares buscam. A mecânica de sistematicamente salvar cidadãos para receber ajuda do povo ao ser avistado por guardas é uma abstração — você assume que Altaïr conquistou a confiança deles em situações menos cartunescas. O mesmo vale para os pontos altos de sincronização que você atinge para desbloquear o mapa — você assume que está recebendo o conhecimento da cidade já contido pelo experiente assassino, e não memorizando a planta da cidade à olho em tempo real.

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Há quem diz que os segmentos que se passam na contemporaneidade e o Animus são apenas uma desculpa barata para deixar o jogo mais palatável para os gamer bros não-nerds de história. Eu discordo! Mesmo sendo definitivamente uma decisão bem 2007, acredito que o Animus deixa esses jogos mais estranhos e ainda oferece uma maneira de explorar a conexão entre a realidade inferida de um jogo e a sua mecanização por meio da gameplay. Para conseguir o privilégio de um ângulo cinematográfico em uma cutscene, você tem que fazer um quick time event pra criar um bug no Animus. Parabéns galera, amei.

Menciono todas essas peculiaridades do primeiro jogo para tentar distanciá-lo um pouco de Shadows. Em quase 18 anos, esta franquia recebeu 15 jogos principais, cada um com suas divergências e guinadas de direção. Logo depois do primeiro AC, Assassin’s Creed 2 resolveu matar muitas das abstrações do Animus e se estruturar em volta de missões estilo Grand Theft Auto. Black Flag virou um simulador de pirata. Origins virou um pseudo-RPG, Odyssey virou um RPG. Isso tudo sem contar as narrativas cada vez mais sem noção.

A prequel Origins concedeu uma boa repaginada de mão beijada para estes jogos. Agora, a Ubisoft busca explorar alguns dos temas mais internalizados no imaginário popular. Medjais do Egito antigo, guerreiros espartanos, guerreiros Vikings, e agora samurais e ninjas. Uma fórmula perfeita pra imprimir dinheiro e justificar os gastos monumentais gerados pelo estilo moderno de design da empresa.

Por mais que as decisões que levaram a Ubisoft aos seus enormes jogos de mundo aberto sejam ligadas à engajamento e retenção de público, elas também dão aos artistas da empresa uma oportunidade de recriar terrenos e paisagens reais com uma dedicação de um historiador e as viajadas de um artista. A Bolívia de Ghost Recon Wildlands, Montana de Far Cry 5, São Francisco de Watch Dogs 2 e, claro, as recém-recriadas regiões dos Assassin’s Creed da era RPG formam o prato principal de seus jogos. Não me sinto confortável chamando estas franquias de reskins umas das outras, pois o lugar onde cada uma se passa confere uma textura completamente diferente de exploração, não? Vamos falar de Shadows.

Assassin's Creed Shadows Análise

Assassin’s Creed Shadows foi lançado em 20 de março de 2025, desenvolvido pela Ubisoft Quebec e publicado pela Ubisoft para PC, Playstation 5 e Xbox Series X|S.

Nota: Assassin’s Creed Shadows foi jogado com o portátil ROG Ally X, que o rodou bem! Porém, pela natureza de sua portabilidade, a resolução selecionada foi 1280×720 com upscaling no modo “Qualidade” do AMD FSR de versão não especificada e os gráficos no baixo, o que incluiu a desabilitação de um de seus efeitos visuais mais impressionantes, a Ray-Traced Global Illumination. Pelo menos o sistema de fios de cabelo pôde ficar ligado. Perdoe a resolução e a compressão das screenshots tiradas pela Ubisoft Connect.

Shadows, por sua vez, não pode ser julgado em conjunto com os outros AC RPG recentes. Ele se passa em uma área seleta do oeste do Japão e mais ou menos em 1582, no finalzinho do período Sengoku, onde guerras civis corriam soltas no país. Tanto por representar um país em conflito quanto pela própria geografia local, explorar este mundo é algo muito mais desconcertante. Locais lendários estarão destruídos ou em processo de reconstrução devido às chamas da guerra. Os planaltos intermináveis recheados de montanhas e uma densidade absurda de vegetação vão te engolir por completo. Você mal consegue compreender a real escala da área explorável do jogo especificamente pela variação da elevação de terreno, e depende de estradas esguias para não sair trupicando e caindo por aí.

Exploramos o Japão com os dois novos protagonistas, Naoe Fujibayashi e Yasuke. Naoe carrega consigo o legado de protagonista de Assassin’s Creed traumatizada pela morte de algum familiar na mão dos Templares — ou, no caso, os Shinbakufu, que não são Templares na real… mas tem alguma semelhança. Seu pai, Nagato Fujibayashi, é uma figura histórica real! Um ninja de Iga, assim como sua filha fictícia. Isso torna Naoe análoga à uma Assassina, mesmo sem saber o que exatamente são eles por quase a duração inteira do jogo. Alguns dos métodos batem, a lâmina escondida está ali, e ela pula de prédio em prédio… então, mesmo sem a pesada mão simbólica da Ordem, ela te dá a fantasia de ninja habilidosa que você esperaria do tão aguardado “Assassin’s Creed no Japão”.

Yasuke é a primeira figura histórica a protagonizar a franquia. Sua conexão com os Assassinos é ainda mais indireta, mas ele tem uma ligação com os Templares por ter sido escravizado por um na Europa. Ele foi um homem negro que serviu e lutou ao lado de uma das figuras mais importantes da época (e que o tirou da escravidão), Oda Nobunaga. Por ser uma figura misteriosa da história, não se sabe o que aconteceu com Yasuke após a morte de Nobunaga em Honno-ji, apenas que Mitsuhide Akechi o deixou viver. Você começa a controlá-lo assim que chega no ponto onde não há mais evidências concretas de seu paradeiro na vida real. A fantasia de Yasuke é a de um samurai, o que o aproxima mais das tendências ao combate de AC Odyssey e Valhalla. A diferença é que Yasuke é ainda mais poderoso que nestes exemplos, mas bem menos versátil.

Após uma longa seção introdutória focada na Naoe onde você explora a primeira região do jogo, Izumi Settsu, Yasuke é desbloqueado e a habilidade de trocar entre os dois também. Agora, as nove regiões exploráveis se abrem por completo, e você pode caçar boa parte dos 12 alvos totais dos Shinbakufu na ordem que preferir.

Parece que falta algo, não? É, a Ubisoft novamente decidiu matar a narrativa contemporânea e contextualizar o Animus. Agora todo este lado foi afastado para o Animus Hub, que parece se limitar à um launcher com um monte de pedaços de lore e microtransações. Que fim triste. O último jogo da franquia (que voltou à base de stealth vista nos antigos), Mirage, já havia ignorado até o próprio Animus. Mas pelo menos em Mirage esta é uma escolha pensada especificamente para elevar sua narrativa bizonha que dispensa tal representação da contemporaneidade por causa de seus elementos fantásticos e, ouso dizer, psicológicos. A história de Shadows, por sua vez, fica desconectada de qualquer ponto de vista além da vasculha por memórias deste passado distante não contextualizadas. Parece que os resquícios do Animus só estão ali para o jogo realizar a transição entre este conceito como um em primeiro plano para um reservado à lore.

Agora, com Naoe e Yasuke, pelo menos conseguimos uma visão ampla e memorável de suas personalidades, perspectivas, e as partes do mundo com que interagem. A Naoe, que teve sua província natal de Iga destruída por Nobunaga, se conecta com pessoas que também sofreram com as guerras. Ela medita e perdoa pessoas fragilizadas facilmente. Yasuke, que perdeu o homem que o conferiu sua nova vida, se conecta com outros guerreiros de todos os lados. Ele treina kata e preza por sua recém-atingida independência.

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Estas são visões semi-contrastantes muito valiosas para este jogo. Enquanto protagonistas de outros Assassin’s Creed da era RPG exuberam aquela qualidade amigável constante de querer ajudar todos, Naoe e Yasuke possuem suas diferenças. Em algumas cutscenes importantes, as escolhas de diálogo são divididas entre falar o que você precisa com um ou com o outro. Você escolhe qual deles vai abrir a boca naquele momento, mas a caracterização da opinião de cada um já fica clara. Um exemplo disso é a missão de recrutamento da aliada Oni-Yuri, que pode mudar bastante se você deixar a Naoe pegar leve com ela ou o Yasuke dar bronca na menina por… ter envenenado um pessoal da cidade dela.

Exploramos os passados da dupla por meio de side quests (que talvez sejam obrigatórias? é confuso) de alto orçamento com direito à alguns dos momentos mais marcantes do jogo. A vida de Naoe em Iga é explorada com um carinho sem igual, e as side quests de sua tia Matsu que são introduzidas depois também brilham com esplendor em um dos cantos mais isolados do mapa. A construção dos protagonistas, suas convicções e vidas fora dos conflitos de Shadows são o que faz este jogo funcionar.

Sabe, é bom ter protagonistas com quais posso discordar até quando faço as escolhas por eles. O Yasuke passa muito, mas muito pano pro Nobunaga, o que é entendível pelo o que o daimyo fez por ele. Tá tudo bem! Entendo sua dívida. Falo mais disso em breve.

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Essas divergências entre personagens também se estendem às suas capacidades quando controlados por nós. Cada um tem suas atividades exclusivas: Naoe pode meditar e fazer trilhas com seu parkour ninja; Yasuke pode praticar kata e arquearia à cavalo; ambos tem catacumbas exclusivas para si. Ok, já posso dizer que as atividades são, em média, menos chatas que as comicamente repetitivas de Ghost of Tsushima (quem decidiu que seguir raposas seria uma boa atividade para repetir dezenas de vezes?). Meditação e kata são jogos de ritmo, arquearia à cavalo é um rail shooter, as catacumbas são puzzles AAA genéricos que foram implementados bem melhor no Assassin’s Creed Mirage.

Este é um mundo aberto baseado em atividades, onde a única sandbox está presente em situações de combate. Mesmo se você resolver limpar campos de inimigos à esmo, todas as consequências mecânicas e os sistemas de RPG são regidos por o que o jogo considera como algo importante. Matar inimigos aleatórios não vai te dar quase nada de XP. O bom é que estas atividades, em sua maioria, são ok! Por vezes daquele jeito meio AAA polido até não sobrar graça, e por vezes genuinamente bonito. A Naoe e Yasuke podem honrar (que acredito ser análogo à reza) santuários e templos, e isso é considerado uma atividade por este jogo. Woah! Existem, inclusive, diversas bases inimigas que não são consideradas atividades. As famosas “bases da Ubisoft” foram remolduradas como castelos à dominar, e eles mantém aquela filosofia de Assassin’s Creed RPG de continuar operando com inimigos mesmo após sua invasão. Você não está conquistando o Japão, só roubando um castelo mesmo. Mate os samurai daisho do local e roube o super ultra híper loot foda. O foco está em oferecer experiências sob medida que, ainda assim, são menos megalomaníacas que as intermináveis ligas de conteúdo de um AC Odyssey ou, especialmente, Valhalla. A maior parte dos outros campos apenas te oferecem algum loot, mas nunca serão considerados “completos”.

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A seção do Japão representada em Assassin’s Creed Shadows não está em escala real, mas a distância entre pontos é bem menos cômica que nos outros RPGs da franquia. Cada província consegue se distinguir por seu enorme tamanho e características próprias, como a presença de piratas em Wakasa, as peculiaridades e lendas urbanas de Yamato, a imensidão urbana da Kyoto de Yamashiro, e a relativa quietude de Tamba; trilhar estes locais me fez sentir como o elenco do filme 13 Assassins, de Takashi Miike, se perdendo na imensidão da flora local quando saio da estrada pra tomar um atalho. Isso é refletido na trilha sonora! A distinção tão marketada de Shadows como o “primeiro Assassin’s Creed exclusivo da nova geração de consoles” está lá por um motivo: os mundos abertos da Ubisoft costumam se beneficiar e transformar com um salto geracional destes. Olhar seus arredores num elevado ponto de sincronização te presenteará com amontoados de árvores que completamente engolem a grama que sombreiam — por vezes pontuadas pela iluminação noturna das cidades nos arredores — só posso dizer que eu queria muito poder ter ligado a Ray Traced Global Illumination desse jogo.

É reconfortante também saber que a Ubisoft Quebec expandiu o conceito do “modo exploração” que eles recomendam você ativar desde o Assassin’s Creed Odyssey. Em Shadows, você só vai se lotar de marcadores no mapa se resolver aceitar trocentos dos contratos procedurais ou se marcar os rumores desbloqueados ao fazer melhorias da sua base. Excluindo as exceções, a exploração é desinibida. Você recebe dicas generosas dos locais em que um objetivo pode estar, e então ou checa uma pequena área em volta ao usar seus Scouts limitados (o que já requer que você tenha uma boa ideia da localização) ou só vai lá e observa seus arredores. Não tem mais uma águia pra marcar de longe o que é avistado, então você depende melhor de sua noção de direção básica.

Tanto os Scouts quanto diversos outros aspectos do mundo são regidos por estações do ano. Enquanto AC Valhalla dividia seu mapa entre seções inspiradas por cada estação, Shadows apresenta um sistema dinâmico que completamente retraça os visuais e alguns elementos interativos do mapa. Este jogo pode até se passar mais ou menos num período de 13 dias se comparado com a deposição de Mitsuhide na vida real, mas você provavelmente vai ver inúmeras estações indo e vindo até lá. O mais engraçado é que o sistema é randomizado, então você pode passar por dois invernos seguidos se der azar/sorte (a depender de sua vontade de ficar no frio).

E claro, o inverno é o que mais apresenta diferenças. Nele, Naoe tem sua velocidade limitada em locais com neve alta por ser pequena demais, o que torna Yasuke bom para navegar nas florestas invernais! Você também tem menos matinhos pra se esconder e um horizonte completamente distinto. Eu fiz as missões de romance de Yasuke com a Oichi, a irmã de Nobunaga, no meio de uma tempestade de neve devastadora. Ela tava tremendo de frio o tempo todo. Eu provavelmente deveria ter esperado o inverno acabar, mas o momento comandava minha ação imediata, sabe…

Em meio à todos os tropeços de Shadows que menciono neste texto, quero deixar claro que a exploração não está no meio disso. Cada templo, castelo, cidade, cachoeira; cada ponto de sincronização (tirando os bem bestas em castelos), meditação e vista; cada derrapada que dei ao tentar subir uma montanha íngreme demais; estes momentos me marcaram ainda mais que as paisagens constantemente impressionantes do malvado videogame Ghost Recon Wildlands. Shadows vira seus olhos pra caracterização de seus personagens, mas seu coração bate pela natureza tanto quanto em outros jogos da Ubisoft.

O sistema de XP faz com que, só de chegar no nível 35, você já possa explorar qualquer área do mapa. E olha que é bem fácil chegar neste nível considerando o tempo que você vai passar em Izumi Settsu e Yamashiro no começo do jogo. É uma pena que o sistema seja meio Skyrim e fique subindo o nível de tudo permanentemente depois disso (eu cheguei no nível 54 e todas as áreas do jogo ficaram niveladas no 52! os números sempre estarão crescendo contigo em detrimento da progressão), mas é inegável a pura liberdade que isso te confere.

O maior enfoque das missões opcionais dos AC RPGs é o desmantelamento de organizações malvadas, que é reiterado neste jogo com uma assustadoramente enorme lista de alvos. No meio da minha jornada em Assassin’s Creed Shadows, além dos principais Shinbakufu, eu também limpei as organizações Kabukimono, Iron Hand Guild, Godai Shinobi, Yokai, Kurai Eikyou, Pirate Alliance, Twisted Tree, Corrupt Daikan, e claro, Templares. E olha que faltam muitas ainda para eu completar a lista.

Membros ficam espalhados entre regiões diferentes com estipulações por vezes bizarras de seus locais. As vezes o jogo te encarrega de matar um comerciante que está apenas vendendo seu produto, ou um cara tocando flauta… mas alguns podem ser salvos! Ele confia o suficiente que você não vai enfiar a lâmina escondida na goela de alguém só de bater o olho nele. O próprio ato de descobrir cada organização já é uma surpresa por si só. Meus favoritos de caçar foram os Yokai, Templares e Pirate Alliance!

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Porém, em meio ao mundo aberto tão multifacetado com atividades distintas, o que me incomoda é a maneira com que elas são entregues ao Yasuke. A Naoe é uma versão veloz dos assassinos do passado, mas muito mais fragilizada em combate, enquanto Yasuke simplesmente carece de quase toda a verticalidade de parkour de sua companheira. É até nostálgico ver como a Ubisoft Quebec lidou com a troca de protagonistas. Tu abre um menu, segura um botão, e daí está apenas à uma tela de carregamento de controlar o outro personagem. É menos gracioso que GTA V, um jogo de 7ª geração! Por este motivo, acho que eles já se sentiram confortáveis em diferenciar os dois significantemente, mas eu sinto que isso resulta em um protagonismo reduzido do Yasuke.

Por mais que as atividades de achar pergaminhos perdidos em templos não estejam limitadas à Naoe, quase todos requerem seu parkour expandido com seu gancho para serem completados. Se você quiser variar sua abordagem num castelo, o Yasuke nunca será sua opção. Ele pode pular alguns muros e se pendurar em uns cantos, mas sua verticalidade é quase nula. Pasmem, se você quiser ativar muitos dos pontos de sincronização, uma das mecânicas mais icônicas dessa franquia, você se vê obrigado a trocar pra Naoe. O corte do parkour do Yasuke e sua falta de gancho o fazem quase um Mickey do Kingdom Hearts II, seja lá o que eu quero dizer com isso.

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Eu amo explorar o mundo com os dois protagonistas, seja andando com o cavalo presenteado pela Oichi à Yasuke ou saltitando entre construções com a Naoe. O que complica é que, toda hora que você for fazer alguma coisa que envolva exploração, sua melhor escolha é a garota. Se você for de Yasuke, terá que passar pela interrupção bizarra de trocar pra Naoe, sincronizar um ponto que achou, e depois trocar de volta. Constantemente.

Ou seja, Yasuke é principalmente apropriado para missões onde, mesmo com o combate bem mais robusto de Shadows, ele só destrói todo mundo à ponto de não ter nem graça. O sistema se assemelha ao de Sekiro, onde você deve realizar diversos parries e desvios em seguida para quebrar a postura inimiga, mas existem diversas outras maneiras de burlar isso, como com skills ou ataques carregados. Até a Naoe consegue destruir todos se armada com um tantō, algumas skills, e um sonho. Chega até a ser um desperdício de tempo dar cinco parries seguidos para vulnerabilizar um cara sendo que dois ataques carregados fazem a mesma coisa mais rápido. 

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Será que a referência dessa pose foi a capa de Sonic Adventure?

Quando existe uma escolha entre protagonistas na hora de jogar uma das missões envolvendo os alvos principais, então, escolher o Yasuke também não parece ideal em muitas situações. A Naoe ganha uma fase inteira complexa de stealth (com a opção de combate) enquanto ele fica só em arenas umas seguidas das outras. Entendo a posição de representar a pura força magistral de um samurai, ainda mais em uma franquia que vem apresentando mais fantasias de combate ultimamente, mas o Yasuke ainda fica perdido na filosofia voltada ao stealth de Assassin’s Creed Shadows.

Essa é uma daquelas bizarrices que acontece em franquias enormes. Assassin’s Creed Shadows é o primeiro jogo da franquia a deixar você deitar para se esconder na grama. Ele te dá múltiplos novos estilos de assassinato, tem um sistema de alarmes que te ferra completamente, e deixa seus inimigos olharem pra cima (!) pra aumentar o risco de ficar toda hora em tetos. Até o assassinato duplo está de volta! Este é um jogo de stealth, mas também com um combate menos bestinha que os anteriores dos RPGs. Como a Naoe vai contra o ritmo de Origins, Odyssey e Valhalla, o Yasuke funciona como um substituto daquilo.

Ao engajar com fãs de uma franquia tão enorme e distinta como Assassin’s Creed, você vai ouvir muitas reclamações de mecânicas “cortadas”, como se elas fossem ser adicionadas no jogo caso a Ubisoft tivesse mais tempo e dinheiro. A empresa ama capitular para reclamações de fãs, como fizeram ao rebalancear Star Wars Outlaws após sua má recepção ou as inúmeras opções incompatíveis de Ghost Recon Breakpoint — então eles cultivaram essa audiência pra acabar pensando dessa maneira mesmo. Eles clamam por um sistema de parkour mais denso como no passado, o stealth social que era o foco dos primeiros jogos, o combate naval de Black Flag e Odyssey, e até o transplante das novas mecânicas mais densas (e, ouso dizer, meio Splinter Cell) de Mirage.

Assassin’s Creed Shadows não tem nadica disso. Que bom, não? Só de pensar na extrema diferença entre os locais retratados em cada jogo, já dá pra imaginar por que a densidade de NPCs não é a mesma em Bagdá do que em qualquer uma das dezenas de cidades japonesas de Shadows, não? As construções são menores em tamanho, e muitas requerem o gancho para serem escaladas. As áreas urbanas apresentam calçadas e estradas grandes o suficiente para permitir a navegação à cavalo de viajantes e, assim, boa parte desse mapa é mato!

Pra quem gosta de ver as bordas de um mundo aberto

O que é comumente visto como “falta” é, na prática, um sinal da nuance colocada nestes jogos. Shadows é um dos jogos recentes mais confiantes da Ubisoft. O misticismo é abandonado quase por completo, tal qual a imagem da Ordem dos Assassinos, que tomam uma forma distinta no Japão. Assim como o primeiro Assassin’s Creed faz de tudo pra te colocar nos pés de um assassino já experiente mas obrigado a recomeçar — uma introdução bem bizarra e específica à narrativa deste jogo — , Shadows quer te mostrar as falhas e acertos de dois assassinos que mal sabem como os assassinos sequer funcionam. Como muitos jogos de sua escala, Shadows se contradiz bastante mesmo nesses confins.

Seus inimigos são qualquer pessoa com um objeto pontudo ou pesado na mão. Guardas, ronin, piratas, e bandidos. Qualquer um desses pode ser assassinado, mesmo se eles não estiverem sendo agressivos à você. O motivo da Naoe estar assassinando pessoas é a morte de seu pai — a destruição de Iga já foi vingada pela morte de Nobunaga — e isso só não me convence a achar que os assassinatos em massa dela à pessoas meio aleatórias funciona… toda região tem seu próprio NPC que te dá uma missão tipo “mate 100 piratas” ou “mate 100 ronin”. Não bate com o conceito de assassino ditado pelos jogos anteriores e até com este. Você é livre pra matar serventes de castelos; civis por qualquer descrição possível. Eu te juro, por mais que a Naoe não saiba todos os mandamentos da Ordem, ela ouviu em alto e bom tom aquele “afaste sua lâmina da carne dos inocentes”. Essa desgraça parece Call of Duty moderno! Alguns dos alvos podem ser poupados, inclusive alguns bandidos e até uma templar… mas, como de costume em jogos AAA, essa discrepância só fica mais evidente quando Naoe poupa um ladrão ao ouvir sua história só pra matar dezenas sem contexto algum logo depois.

Assassin's Creed Shadows Análise

Até a caracterização das figuras históricas, que é geralmente ótima aqui, sofre de vez em quando. Não sou expert no período de Sengoku, mas este jogo vê o lado de Nobunaga até demais… pro Yasuke faz sentido, mas todas as cenas em que o daimyo está presente envolve algum tipo de bajulação narrativa maluca. Ele era notoriamente aberto a ver o potencial em um plebeu como Hideyoshi Toyotomi e um estrangeiro como Yasuke em um momento do Japão onde essas relações seriam bem diferentes nas mãos de qualquer outro. 

Mesmo assim, esse cara genocidou meio mundo, e até destruiu a província da outra protagonista do jogo! Quando o traidor Mitsuhide é questionado pelos protagonistas, ele chega a pontuar exatamente o que eu mencionei. Yasuke o rebate com papo de traição e lealdade de forma tão cega que esqueci que era para este ser um fim temático ao arco dele. Mitsuhide é (corretamente) retratado como um racista de merda — e também é um demônio nível Nobunaga —  mas é bizarro como seu desconforto em matar crianças, mulheres e monges inocentes é ignorado pelos protagonistas que supostamente lutam pela justiça (e vingança), ainda mais pra defender o Nobunaga.

De qualquer maneira, aprecio que Yasuke é retratado com esta nuance. Ele é completamente cego quando o assunto é justiça para o homem que o ajudou a sair das mãos de escravistas desumanos e ofereceu o caminho para ele virar um samurai respeitado. Por mais que lute do lado de uma vítima de seu mestre, sua lealdade à ele nunca se esvai por completo.

A visão do Japão feudal de Assassins Creed Shadows, um jogo canadense, é um playground de historiadores. Enquanto o retrato similarmente ocidental de Ghost of Tsushima quer criar uma romantização estéril de um filme de Akira Kurosawa, Shadows está feliz em ficcionalizar todo nome importante que consegue à todo momento. Além dos já mencionados, temos Hideyoshi Hashiba, Hanzō Hattori, Yoshiaka Ashikaga, Ieyasu Tokugawa, Sandayu Momochi, e diversos outros que não reconheci (mesmo tendo jogado um tanto de Samurai Warriors). 

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Pensando bem, essa representação pseudo-histórica de figuras reais que busca mais interpretar suas personalidades do que suas ações também é um tema da série Warriors da Omega Force. O apelo de jogar um videogame baseado, de alguma maneira, na história real de algum lugar do mundo como uma desculpa pra mortes ilimitadas na base da espadada ou lâmina escondida é universal. Até pessoas menos interessadas em jogos e mais em história se atraem à estas franquias.

Eu nem percebi que os créditos iam rolar quando fiz minha última missão nesse jogo. Talvez eles deveriam ter rolado quatro horas antes, ou pelo menos três horas depois. Assassin’s Creed Shadows, então, é uma linda execução do que você esperaria de um jogo da franquia se nunca tivesse jogado um deles. Limpar inimigos em campos de batalha de uma guerra ativa, muitas vezes sem um intuito além do sangue derramado e as conquistas materiais de um RPG. Isso não me deixa sentir o que torna Assassin’s Creed uma franquia tão consciente de seus temas. A ficção científica e examinação de uma simulação videogamica como alvo de uma organização secreta maléfica abriam questões e nuances à esmo, mesmo quando eram absurdamente estúpidas e escritas como uma série de TV B dos anos 2000. Assassin’s Creed não perdeu sua identidade; as traquinagens narrativas e mecânicas de Mirage deixam isso claro. Shadows, em sua mais nova mudança de direção, é o lógico em seu contexto: seu diorama do Japão é o personagem principal, Naoe e Yasuke são seus bonecos, e os assassinos foram guardados no outro lado do mundo por agora.

Assassin's Creed Shadows Análise

Uma cópia de Assassin’s Creed Shadows para PC foi concedida pela Ubisoft para análise no Recanto do Dragão.