A franquia Earth Defense Force, produzida pela Sandlot e publicada pela D3, existe desde o PS2. Ela faz parte de uma linha da D3 que era chamada de Simple Series, que eram basicamente jogos feitos com muito pouco dinheiro, sendo igualmente baratos. A Simple Series começou como uma forma de lançar jogos de esporte, jogos de tabuleiro, entre outros, mas depois se tornou uma forma de colocar ideias muito esquisitas que poderiam existir por serem jogos extremamente baratos. Qualquer lucro era válido. Dessa ideia, alguns se destacaram mais do que os outros, como OneeChanbara, e o dono do nosso texto, EDF.
Isso vale destacar quando se fala da franquia por se tratar de um dos maiores exemplares de um Kusoge. Esta palavra nasce da junção de dois termos em japonês, que seria o de kuso (porcaria) e gemu (jogo) que foi usado inicialmente como uma forma de xingamento para se referir a jogos de baixo orçamento, em sua maior parte japoneses, que eram extremamente quebrados, estranhos e falhos em suas ideias propostas. Mas, aos poucos, nasceu uma cultura de apreciação desses jogos, pessoas que conseguem tirar algo de jogos claramente quebrados. Quando observados com uma certa atenção, se acha uma sinceridade e ideias extremamente criativas (ou só estranhas).
Já EDF pode ser considerado o queridinho dos fans do estilo, por ter lançamentos até hoje. Agora vamos falar de Earth Defense Force 6. É curioso observar como muitas franquias, quando se alongam por tantos anos como EDF (tem um pouco mais de 20 anos de idade a esse ponto) aos poucos renegam parte de sua identidade inicial, querendo abraçar tendências mais modernas e se distanciar de algo que pode ser visto como “jank” ou camp. Se formos ver o primeiro jogo da franquia ele vai funcionar da mesma foram do 5 ou até o 6. Ainda se tratam de jogos com várias missões, que são apenas sobre atirar em vários inimigos (em sua maioria insetos), pegar armas novas e prosseguir até o seu fim. São jogos que seguem essa formula até hoje; de cabeça uma das poucas franquias que ainda pegam tanto essa estrutura é Armored Core, mas em seu último jogo, já é possível ver uma abordagem ainda diferente de EDF, por ter cutscenes entre as missões, diálogos e um maior capricho comparado com o que EDF faz até hoje (o que é impressionante, pois nem o Armored Core VI: Fires Of Rubicon se trata de um jogo muito narrativo). EDF, por sua vez, conta sua história apenas com que acontece na missão e por diálogos soltos. Já já destacarei o quão bem esse título se utiliza dessa fórmula para sua narrativa.
A evolução desta franquia se observa apenas por forma quase que puramente mecânica. Em EDF 1 só há uma classe, o Ranger, que é bem o padrão do que se espera de um TPS. Mas, ao decorrer dos jogos, novas classes foram adicionadas, e com elas, novas formas de jogar. Eventualmente chegamos no que por muitos fãs é considerado o ápice em gameplay da franquia, que seria EDF 5. Ele já inclui suas quatro classes que já eram consagradas a aquele ponto, foi a hora de pegar todas as 4 e aprimorá-las. Fizeram o melhor equilibro de todas as classes, todas com vantagens e desvantagens, e nenhuma considero pior ou melhor que a outra, sendo exclusivamente seu estilo de gameplay para a escolha de playstyle.
Já que o EDF 5 foi tão aclamado mecanicamente, o que poderia mudar no mais novo Earth Defense Force 6? Meio que nada. A base é quase a mesma, o foco foi mais em acrescentar à ela. Os desenvolvedores escolheram algumas abordagens que considero criativas, mas que podem com retrocesso deixar alguns com pulga atrás da orelha… Todas as classes receberam algumas armas novas, ou ao menos alguma mecânica nova em especial.
Todas as classes do jogo tiveram slots novos de arma e mudanças de armas já existentes. A classe que mais pode se observar que houve mudanças foi Air Raider, que é costumeiramente vista como suporte (muitas armas e itens dela são as únicas das quatro classes que podem ser usadas como suporte), porém ela não é presa só a essa forma de jogo. É possível dizer que é a classe com a maior fantasia de poder das quatro, podendo usar armas que lançam laser do céu, mísseis, e veículos, que variam entre um tanque de guerra, uma aranha robô, ou até um mecha, e agora com sua mecânica nova, que se trata de uma classe inteira de armas novas, os drones. Você pode escolher entre drones que usam suas metralhadoras contra um inimigo, um que lança fogo, ou um que chega próximo e explode o inimigo, expandindo uma classe que eu já achava completa.
E as outras classes não obtiveram algo tão alarmante, apenas mudanças de equilíbrio, o que não é exatamente ruim, ainda continuam classes extremamente únicas de se jogar que se destacam em seu gênero. Wing Diver é uma personagem feminina que se destaca por ser a classe mais rápida do jogo, pelo seu dash e por ser a única que sozinha tem a capacidade de voar, mas tudo isso utiliza sua barra de energia, que também é consumida pelas suas armas. Você então precisa usá-la de forma consciente, pois a junção de voar + atacar ao mesmo tempo + usar o dash exagerado poderá fazer você usar muito de sua energia e ter que esperar para carregar novamente, o que pode custar a sua vida. Fora que as armas da Wing Diver disparam feixes de energia que variam em distância e em como funcionam. Por exemplo, uma arma se trata de múltiplos raios atirados ao mesmo tempo, enquanto outra é uma bola teleguiada, entre outros.
Outra classe que nesse jogo possivelmente se trata da minha favorita, é a Fencer. De forma crua pode ser considerada a mais lenta de todo o jogo, mas com uma extrema capacidade de defesa e com armas de alto calibre, se tratando de armas pesadas, como uma sniper que te ricocheteia, lança foguetes, escopetas, Das quatro classes, Fencer é com o maior poder bruto. Ele também conta com um escudo que pode refletir os tiros inimigos, e é o único dos personagens a ter armas de corpo a corpo — como machados, lanças e espadas de energia. Como a com a cereja do bolo, Fencers podem fazer builds diferentes, por exemplo: se feito corretamente, o Fencer pode ir de uma das classes mais lentas pra talvez a mais rápida de todas utilizando seu dash que, com uma certa build, pode aumentar sua velocidade ou quantidade de dashes que podem ser feitos em seguida, ou também pode transformar o Fencer em uma total méquina de defesa extremamente lenta, ou trocar os seus dash por pulos longos, podendo se aproximar de um voo da Wing Diver. E por último temos o Ranger, que se trata de uma classe mais próxima de outros TPS, um soldado que tem sua habilidade de correr e armas mais convencionais. Uma classe pra quem quer um personagem mais neutro e bem equilibrado.
Pelo que foi dito, é possível ver que todas as classes de EDF são muito diferentes entre si, até comparada a muito do que se vê no gênero. Mesmo com arquétipos muito claros, nenhum deles se limita apenas aos seus estereótipos, podendo ser usados de formas completamente diferentes dependendo da estratégia do jogador. EDF também se destaca em sua variedade de armas, algo que sempre quis mais no gênero. Normalmente se limitavam para o mais próximo aos tipos de arma reais que existem, mas EDF, até por sua abordagem, se utiliza disso para criar todos os tipo estranhos de arma que se destacam por suas variedades e escalas de poder absurdo.
Agora vamos focar mais em sua narrativa. Earth Defense Force 6 se trata de uma continuação do quinto jogo, que pode ser recomendado para ter uma noção da narrativa; é crucial para entender parte das nuances do jogo. Mas então… depois do final de EDF 5, 90% de toda humanidade morreu. EDF 6 tem uma atmosfera muito diferente do 5, que, mesmo com uma boa parte da humanidade também tendo ido de vala, ainda existia uma esperança. Em contraste, no EDF 6 toda a esperança está morta. O que sobrou é apenas a pura vontade de sobreviver. Todo inicio do jogo é para estabelecer essa falta de esperança, e ele alcança isto pegando mapas semelhantes ao EDF 5 porém com a vegetação morta e ambientes dilapidados, aqueles prédios se tornando apenas escombros do que já foram. Parece que junto da morte da humanidade, o planeta está também em suas últimas.
Em suas fases iniciais existe uma clara progressão na falta de esperança; Nas primeiras o cenário está deserto e vazio, pouco depois de toda a cidade que ainda existia virar destroços. A vegetação que já estava morta, fica mais explícita, e algumas missões depois aparecem mais naves dos aliens, que criam um portal onde transforma pinta todo o céu de vermelho e o enche de naves. Uma invasão completa do planeta que distancia ele das origens do que era conhecido como o planeta terra.
Também vale dizer isso dos inimigos, como já na primeira fase existem sapos gigantes, que também estão com suas armaduras e roupas estragadas. Isso conversa com EDF 5 por esses se tratarem de inimigos fortes nele que são literalmente os primeiros a aparecer em Earth Defense Force 6. Este se trata de extremamente rápido para apresentar diversas coisas, enquanto EDF 5 tinha um ritmo mais lento. As fases avançam e os inimigos que começam como em sua maioria insetos, depois da invasão e o céu vermelho escarlate começam a se parecer com robôs com formas de seus corpo abstratas, totalmente diferentes dos inimigos iniciais que se parecem com animais que viveriam em nosso planeta; próximos do que já conhecemos. Os inimigos agora nem pareciam se tratar de seres vivos, e a única forma de sabermos que são é por sangrarem e por perderem parte de sua pele ao tomarem tiros. E com isso, o jogo mostra de forma genial em como as guerras têm uma constante procura para desumanizar seus inimigos, tentando tirar traços de consciência e os transformarem em seres que não pensam. Assim fica tudo mais fácil. Matar se torna uma tarefa natural e perde o peso moral que intrinsecamente tem.
Mas Earth Defense Force 6 sempre se lembra que a humanidade neles existem. Pegue os sapos, eles têm diálogos constantes de como lembram os humanos no jogo, por terem braços, pernas, e se locomoverem de forma semelhante. Se você for brutal com um sapo, por exemplo, e arrancar seu braço para desarmá-lo, ele só vai correr pela sua vida. Ele não tem mais forma de lutar. Só resta ter piedade do inimigo; algo que não existe aqui. Você é obrigado a seguir sua missão até o fim e matar todos, até se por acaso eles desistirem da luta.
Após algumas missões, do nada acontece uma explosão no grande portal dos aliens, e na missão seguinte você está refazendo uma seção do quinto jogo. Sim, tem viagem no tempo, e o jogo se transforma em outra coisa. O foco vira refazer curtas missões dos outros jogos em busca de redefinir o destino da humanidade e do planeta terra. A luta agora se torna temporal. Refazemos todos os EDF em busca de finalizar essas guerras e repetições. É um claro comentário também na forma que essa franquia funciona, como quase todos os jogos são reboot dos outros jogos e, por ter algumas missões claramente iguais aos outros jogos, se utiliza do claro pretexto que alguns fãs utilizam de que “todo EDF é a substituição do anterior”. EDF 6 se conscientiza de tudo isso para contar sua história, conversar com os jogos anteriores, e explorar todo o contexto sem fim e em ciclos que alimentam a guerra. Tudo como uma luta para uma garantir uma realidade melhor que parece não existir.
Então, Earth Defense Force 6 é um grande jogo que usa de tudo tratado neste texto como um grande exercício auto consciente. Todas suas temáticas e fórmulas se conversam. Alguns podem ver isso como algo negativo, que é uma visão válida. Sabe, “isso é só uma expansão do 5”, “é o mesmo jogo com alguns itens novos”. Mas EDF 6 se utiliza disso tão bem e de forma tão inteligente que transforma tudo em sua vantagem aos meus olhos. É por tudo isso que acredito que este tem que ser lembrado como um dos maiores jogos desse ano, como uma narrativa puramente contada com o ato de jogar. EDF 6 é um dos TPS mais criativos que já joguei.