Ser fã de shoot ’em Ups não é fácil. Mesmo após jogar dezenas ou até centenas de títulos, alguns ainda me pegam de surpresa na maneira que moldam seus desafios e estrutura. É um pouco incomum que alguém diga isso da franquia Raiden, uma das que mais definiram o gênero desde os anos 90 e inspiraram inúmeros títulos até hoje, mas essa foi minha primeira experiência completa com a franquia. Joguei o 1 por algumas horas, mas não cheguei nem perto de zerar com um crédito (1cc). Por isso, com o lançamento mais recente do último remaster de Raiden IV, um dos mais aclamados da franquia, resolvi pular nesse abismo sem fundo.
Uma versão de Switch de Raiden IV X Mikado Remix idêntica já havia sido lançada em 2021, mas foi só em 31 de janeiro desse ano que ele saiu para Steam e Playstation 4. Raiden IV foi desenvolvido pela MOSS e publicado pela NIS America no ocidente.
Mesmo sendo o quarto jogo da franquia, Raiden IV é apenas o segundo da MOSS. A empresa foi formada em parte pelos desenvolvedores originais da franquia após a falência da original, Seibu Kaihatsu. Entre o lançamento da versão DX o segundo jogo e o terceiro, anos se passaram. E o pior é que Raiden III foi recebido de maneira morna, então o IV tinha muito para provar. Felizmente, ele foi um hit inesperado e deve parte de seu sucesso
à loja do Xbox Live Arcade para 360 que o permitiu ser vendido digitalmente por um preço muito mais baixo que em lojas físicas. Essa época foi a mesma que incentivou diversos indies a ganharem proeminência manistream e, no caso de Raiden, reviver a franquia (e o gênero!) de uma vez só.
Ou seja, estamos falando de um dos, se não o título mais bem lembrado de Raiden. Desde seu lançamento em 2007, ele recebeu diversas versões novas, das quais só irei mencionar duas: A de Xbox 360 e a Overkill de PC, na qual Mikado Remix é baseada. A Overkill adicionou um modo alternativo que mudava o sistema de pontuação e continha algumas missões extras. Missões, não fases completas. A que adicionou fases extras foi a de Xbox 360 mesmo.
Ao menos você pode ignorar tudo isso ao jogar Mikado Remix, pois ela contém tudo que qualquer outra versão já tinha, mas agora o “360 Mode” chama “Additional Mode” e… tem uma trilha sonora completamente nova selecionável. Essa é a adição principal dessa versão; as músicas foram rearranjadas e remixadas ao ponto de ficarem quase irreconhecíveis. A trilha nova foi organizada pelo fliperama japonês Game Center Mikado. O que vou falar agora talvez seja forte demais, mas não costumo ligar tanto para soundtrack de shoot ’em ups. Mesmo assim, não posso negar o quão marcante é a trilha do Raiden IV original, e o quanto demorou para eu me acostumar com os remixes. A nova versão da música da primeira fase principalmente não encaixa e deixa um gosto amargo logo no início que é indispensável para definir a energia do jogo.
Mesmo assim, entendo o porque da única diferença ser essa. Afinal, a NIS America recentemente adquiriu a licença da franquia e quer republicar os jogos que estavam previamente nas mãos da H2 Interactive com ao menos alguma mudança ou adição. Por uma trilha nova ser algo inofensivo, não vejo tanto problema. Ah, eles também arrumaram o problema que a versão antiga de PC tinha onde você só podia jogar online. Agora você é livre pra jogar quando tiver sem internet!
Só mais uma coisinha antes de falarmos de Raiden IV propriamente: quero deixar claro que após jogar todos os modos dele incessantemente, o meu favorito foi o Arcade Mode. Ele inclui as cinco fases da versão original e te permite jogar os dois loops ou apenas um. É, tem esse negócio de ter que zerar duas vezes seguidas com o segundo loop bem mais difícil, mas só se você quiser. Pessoalmente, já acho a dificuldade alta o suficiente com apenas um loop, então boa parte das minhas runs foram no modo “Light”, que o exclui.
Pronto! Tem muita ficha técnica pra passar ao falar de um jogo desse gênero, mas espero que tenha conseguido manter a primeira seção do texto informativa e não maçante. Pulei muita coisa pra focar no que acredito ser mais interessante e necessário. Agora, como funciona Raiden IV?
Basicamente da mesma maneira dos dois primeiros jogos em primeiro olhar, porém com muito mais balas na tela e polimento vindo da modernidade do título. Raiden III fez as coisas de maneira meio diferente e foi relativamente mal recebido por fãs, então o IV volta à formula de sucesso passada mas em uma era com polígonos e ciente de outros shmups influentes. Se bem que ainda não joguei o III, então não posso dizer minha própria opinião sobre ele. Mas de qualquer forma, Raiden IV não economiza nada na questão de dificuldade.
Esse jogo é balanceado para desafiar até quem já tem experiência de anos com a franquia nos arcades; agora imagina eu que nunca consegui terminar o primeiro sem lotar créditos? Passei por um período de adaptação que ainda está em andamento onde tive que me acostumar com a movimentação lenta da nave, as balas inimigas super velozes e o quão para baixo da tela costumam aparecer naves para te pegar de surpresa.
Não é nada cruel, ao menos. Por mais que alguns padrões das últimas duas fases me assustem mais que um jogo de survival horror quando aparecem, dá pra você se achar no meio de tanto gerenciamento de espaço e a barragem de inimigos. As balas podem cortar o céu quase instantaneamente, mas se você prestar atenção e tomar o máximo de cuidado possível, você sobrevive.
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De certa forma, o sistema de pontuação padrão de Raiden IV é perfeito para si mesmo. O jogo recompensa cuidado e pequeninos movimentos ainda mais que seus colegas de gênero, mas para pontuar alto você deve tomar muitos, mas muitos riscos. O Flash Shot funciona de maneira simples: quanto mais rápido você mata um inimigo, maior o multiplicador de pontuação dele, que vai de 5x se for morto rapidamente até 1x se você demorar demais.
Já que atirar à queima roupa (principalmente com o estilo de tiro vermelho, que é o wide) te faz dar muito mais dano, você é encorajado a ficar lá em cima para matar os inimigos mais duradouros, o que, bem, é receita pra desgraça de qualquer novato. Você não ganha vidas extras ao bater altas pontuações, então não existe nenhum motivo para buscar pontuar em suas primeiras runs. Só fui bem de verdade e aprendi os padrões quando ignorei os grandes multiplicadores e fiquei na quietude lá no fundo da tela.
Além de tudo, ainda é necessário saber a importância das bombas antes de você se deparar com uma bala na sua cara. Isso não é Touhou, você não tem um tempo extra para negar sua morte com uma bomba se for rápido o suficiente. A bomba é uma presença física que tem um pequenino delay para ser usada com a nave padrão e um grande quando você joga com a Fada, que é uma das selecionáveis. A bomba dela é um ataque de múltiplas fadas que atacam tudo que vem à frente, mas pra isso elas têm que fisicamente chegar onde devem. Se você estiver lá em cima quando ativá-las, vai ter que esperar mais de um segundo para elas subirem até o topo e te defenderem. Ser proativo é indispensável para se manter de pé.
Tanto isso quanto o sistema de pontuação tornam Raiden IV um jogo completamente diferente para novatos e veteranos, algo relativamente comum no gênero mas que aqui torna runs irreconhecíveis dependendo do nível de habilidade do jogador.
Bem, tudo que citei como virtude aqui é parte dos grandes pilares de qualquer shoot ’em up, mas assim… não seria esse o real apelo da franquia Raiden? Jogos que cristalizam os elementos mais essenciais do gênero e os destilam com o intuito de formar uma experiência longínqua. Raiden não precisa das setpieces mais exageradas ou mecânicas base complexas. Tudo que precisa são os essenciais executados com a maior consideração possível.
Uma grande parte dessa virtude reside no ritmo, ou pacing, de Raiden IV. É bem complicado e muitas vezes inútil definir e usar o ritmo de algo como argumento, principalmente em jogos em que quem controla isso é o próprio jogador. Mas shoot ’em ups são diferentes, pois literalmente toda fase é um autoscroller. Sua única influência na duração de uma run é o quão rápido você mata os chefes. De resto, quem define o ritmo são os designers.
O ritmo de Raiden IV é hipnotizante. É exatamente por isso que prefiro as cinco fases originais ao invés das sete do modo Additional, inclusive. Sua jornada começa fácil e relaxante na primeira fase, ganha tensão na segunda, vira um desafio real na terceira, é definida pela quarta, e vira uma corrida pela sobrevivência na quinta. O interessante é que, dependendo do seu nível de expertise com as mecânicas, você pode jogar de maneira arriscada em busca de pontuação quando tiver acostumado o suficiente e daí trocar para o estilo cuidadoso que eu havia citado antes para as partes difíceis, o que torna a repetição das primeiras fases algo realmente divertido e não apenas um empecilho em comparação com o resto.
O chefe simples com vários estilos diferente de munição na primeira fase, as múltiplas fases com formas diferentes do da segunda, o navio duradouro da terceira; tem muita variedade em todos os cantos. Além disso, o jogo nunca deixa de te surpreender até com os inimigos pipoca, que te interceptam de maneiras sorrateiras até a última fase e vão ficando cada vez mais rápidos. Acredito que a mais fraca das cinco fases originais é a terceira, que é só… muito longa. Ela é bem variada, mas a última seção no porto é lenta demais e não apresenta formações complexas o suficientes para justificarem sua existência logo antes do chefe. São apenas inimigos que morrem rápido demais organizados simetricamente por mais de um minuto. Isso sem contar a introdução longa e sem muita interação do próprio chefe.
De qualquer forma, um vale em meio a tantas montanhas não tira as virtudes das considerações impressionantes feitas pela MOSS para tornar runs numerosas algo tão prazeroso. Pra mim rivaliza até o ritmo de DoDonPachi da Cave.
Raiden IV, por mais que seja bem lembrado ainda hoje, não deixou um impacto tão notável no gênero mecanicamente. Não que isso seja necessário para provar seu valor, mas é interessante pensar no quão mais importante ele foi filosoficamente. Ele ajudou a firmar o gênero numa nova geração. Depois de seu lançamento no Xbox 360, uma nova leva de fãs do gênero surgiu, e com isso interesse em jogos como Eschatos, Radirgy Noa, Crimzon Clover e RefleX. Eventualmente isso se transformou em uma teia de inspirações irreconhecível de tão vasta.
Não existe maneira alguma de atingir os picos impressionantes de Raiden. Acredito que por isso que, ao invés de inspirar imitadores em sua época contemporânea, ele inspirou um renascimento no lugar. A relativa popularidade e força de permanência desse gênero tão conectado aos arcades e tão nichado ainda se mantém, mas isso não veio de graça. Precisamos antes de jogos como Raiden IV para apontar suas ambições.
Uma cópia gratuita de Raiden IV x MIKADO remix para PC foi concedida pela NISamerica para análise no Recanto do Dragão.