Samurai Maiden — puros batimentos | Análise

Samurai Maiden Análise

Samurai Maiden parece o jogo mais previsível imaginável. O tipo de sonho Bishoujo que atrai olhares por seu espetáculo visual e outras partes não tão glamurosas, como o constante fanservice. Assim, não dá pra te culpar por achar que Samurai Maiden ia ser assim, pois ele meio que é. Talvez tenha dado essa impressão por ser publicado pela D3, que possui outros títulos como OneeChanbara e School Girl/Zombie Hunter, ou talvez por ser desenvolvido pela SHADE Inc., que também trabalhou em Bullet Girls, portou Kandagawa Jet Girls, e co desenvolveu Danganronpa: Another Episode — Ultra Despair Girls.

Os caras adoram meter “Girls” no nome de tudo que metem as suas patas, e isso é evidente em Samurai Maiden, que troca a palavra por um sinônimo mais apropriado para o período Sengoku do Japão Imperial. Desde seus primeiros trailers, ele já se destacou de seus contemporâneos por seus modelos 3D maravilhosamente estilizados, por ser um Isekai que também envolve viagem no tempo, e por parecer ter romance entre as garotas principais. Sim, um jogo com orçamento considerável com romances yuri (ou lésbicos)! Por mais que esse tipo de relacionamento seja comum em diversas obras vindas do japão, não é toda hora que vemos um grande lançamento usando disso como um ponto de venda honesto; no âmbito de jogos existe muita fetichização do conceito e o que a comunidade de mangá e anime chama de yuri bait, onde romances entre garotas são implicados e flertes são jogados por aí, mas nenhum relacionamento explícito acontece. O equivalente do “girls being pals”, Sappho e sua amiga.

Samurai Maiden Análise

É um problema real nesse tipo de mídia mais comercializada que busca ao mesmo tempo parecer conformista à normas conservadoras e aberta pra gerar especulação de fãs sobre a sexualidade das personagens. Não é um problema exclusivo de yuri, pois também acontece com yaoi (relacionamentos gays), mas por consequência da maior fetichização de lésbicas fica muito mais aparente no caso dele. Se achou que Samurai Maiden ia ser assim, você estava errado! Eu também errei! Tinha a esperança dele ser um jogo LGBTQ real, mas havia me preparado para possivelmente me desapontar. Bom, eu tô feliz, porque o jogo é sem dúvida yuri. Cada pequena animação de flerte, cada diálogo sugestivo, cada beijo, cada momento fofo, cada momento besta: tudo é 100% honesto aqui. Só por isso já vejo valor imenso na obra.

Mas além dessa perspectiva, Samurai Maiden também é um híbrido de visual novel e jogo de ação focado em character action, ou seja, combate focado nas habilidades específicas da protagonista. Nesse caso, a protagonista é Tsumugi, uma estudante do ensino médio que foi do nada transportada para o templo de Honnō-ji na era Sengoku do japão, bem no meio do real e histórico incidente onde a figura histórica Akechi Mitsuhide tenta assassinar Oda Nobunaga, que acabou cometendo suicídio. Estes dois samurai e daimyo (respectivamente) são representados em obras japonesas fictícias direto, então a inclusão aqui não é de se estranhar — mas torna algumas interações futuras muito engraçadas. Bom, em Samurai Maiden, Nobunaga não morre naquele dia, pois a Tsumugi imediatamente pega uma katana e sai matando todo o exército de Mitsuhide. É, ela não passou nem cinco minutos lá antes de começar a derramar sangue; mas é aí que chega a questão do isekai (outro mundo): O exército de Mitsuhide é composto de odokegai, o termo do jogo para demônios com almas que ainda pairam nosso plano. Basicamente, esqueletos e ogros.

Samurai Maiden Análise
O modo foto é bem legal

Acontece que ela é a Priestess of Harmony, escolhida para parar a ascensão do Lorde Demônio que está por vir. O incidente dela ter vindo para a era Sengoku também atraiu outras três garotas, cada uma de uma realidade diferente. Iyo é dalí mesmo, Hagane é de um universo steampunk onde pessoas são parcialmente mecânizadas, e Komimi vem de um mundo onde humanos descendem diretamente de Bestas Divinas, o que fazem-os possuírem características animais. Todas foram chamadas pelo destino da Priestess of Harmony para trazer ordem às diversas realidades conectadas à de Tsumugi. Olha, é um conceito bem legal, pensando bem. Dá diversas oportunidades de interações entre as garotas sobre as expêriencias de vida vastamente diferentes e cria múltiplos mistérios de uma vez só, e tudo isso com uma estrutura super fácil de entender. Dali pra frente Nobunaga se separa das meninas para ir ao templo do Lorde Demônio sozinho enquanto elas viajam para lá a pé e com grande dificuldade: aí vêm as fases.

Como o foco está em desenvolver o relacionamento da Tsumugi com as outras meninas, tudo encaixa bem. Ela começa insegura, mas vai cada vez mais confiando em suas novas amigas e possíveis paixões. Você acumula pontos de afeto ao usar as habilidades de cada uma nas fases e também apenas por deixar uma delas ao seu lado. Assim você lentamente adquire eventos amorosos ao aumentar o nível de relacionamento. Além de oferecerem muito, mas muito flerte, os eventos também te presenteiam com uma habilidade nova única e as vezes até side quests simples que resultam em mais interações fofas ainda; É um sistema inerentemente conectado ao combate, seu playstyle, e seu gosto específico por cada uma das três opções amorosas.

Eu fui de Komimi. Falando a real, não curti tanto a personalidade da Iyo que, por mais que tenha momentos fofinhos com a Tsumugi, é meio sem graça. Tipo, ela é só uma ninja dedicada. É isso. A Hagane é interessante, mas sua personalidade é um pouco inconsistente. Ela se contradiz bastante emocionalmente — o que talvez torne-a interessante pra alguns, mas eu fui pra maldita tsundere que é a Komimi. Ainda assim adquiri a maioria dos eventos das outras, só não fui até o final da rota delas. Komimi é extremamente segura por ser a herdeira perfeita de seu clã, descendendo diretamente da linhagem da raposa de nove caudas. Ela foi isolada de sua própria família por diversas preocupações de segurança e brigas pessoais, então é bem… uh… anti social. Seu arco me deixou feliz, sorri bastante no final. Não preciso de momentos perfeitos para ver valor em um jogo assim, então até fui pega de surpresa por ela.

Tsumigi e Komimi
Tsumugi e Komimi

Infelizmente, o mesmo não pode ser dito da história principal, que se desenvolve de maneira extremamente lenta e sem rumo. Pra começar — e isso se aplica à toda cutscene do jogo sem exceção — Os retratos para as cutscenes estilo visual novel não são artes estáticas em 2D, mas sim os modelos 3D caprichadíssimos das personagens interagindo com alguns presets de emoções para cada uma delas. São lindos, mas geram um problema prático extremamente irritante: toda hora que a posição das personagens na tela é mudada, tem um fade to black que demora mais ou menos meio segundo. A tela só escurece pra voltar na mesma cena, mas com outro posicionamento dos retratos.

O problema desse meio segundo de pausa é que por vezes ele acontece de duas em duas falas. É constante, e completamente mata o ritmo de qualquer conversa. Parece que cada frase dita por alguma personagem é uma cena diferente. Dói a alma, me faz perder tempo, e tirou a possível magia da escrita.

Mas isso é um problema técnico, e eu não me importo tanto assim com um desses na maioria dos casos (se bem que esse é uma exceção). O que mais me incomoda em Samurai Maiden é a própria progressão principal da narrativa. Antes de toda missão e por vezes no fim delas temos uma seção de diálogo. Não estou prestes a reclamar de “mucho texto”, eu amo visual novels e outros jogos que me obrigam a ler por mais tempo ainda que Samurai Maiden. Aqui acredito que os diálogos deveriam ter recebido uns bons cortes e edições especificamente por não adicionarem nada. Nem caracterização, nem momentos fofos ou engraçados, e muito menos importância narrativa ou para a lore.

As personagens falam pra caramba das mesmas duas coisas: o que vão fazer com todo o negócio do Lorde Demônio e o que acontecerá com cada realidade delas se ele ganhar. Só que imagina esse assunto repetido incessantemente durante quase toda missão, da maneira mais prolixa possível.

Os cenários onde as conversas ocorrem não importam. Elas quase nunca comentam sobre onde estão e, quando comentam, é só algo rápido que não ajuda a contextualizar a conversa. Isso tanto limita interações entre as meninas quanto o desenvolvimento da história. Além da ameaça do Lorde Demônio só temos três outros antagonistas, e duas delas são quase apenas alívio cômico. Kenshin e Shingen são versões waifu das almas dos daimyos reais Uesugi Kenshin e Takeda Shingen, respectivamente. Em morte, os seus espíritos foram revelados como garotas e, no caso de Shingen, uma criança travessa. Hell yeah, representação trans-espiritual no meu videogame yuri-isekai-characteraction-fanservice-sliceoflife-steampunk. Assim, respeito a ideia, mas lutas contra essas duas são repetidas tão incessantemente que eu enjoei de vê-las. Tipo, o arco delas podia ser contado com uma repetição de luta pra cada, mas elas são repetidas umas cinco vezes.

O arco das duas daimyos é esticado demais, de maneira proporcional ao resto da narrativa principal. Fico triste ver uma execução tão crua de uma premissa com tanto potencial. Não acho impossível tornar memorável uma história com pouca variedade de elenco e localizações — o primeiro Utawarerumono tá ai de exemplo. Provavelmente conflitos mais definidos entre as protagonistas ia cair bem, pois todos os que elas acabam se envolvendo ou são por mal entendido ou por flerte mesmo. No final os escritores tiveram até a coragem de implicar que as meninas que ajudaram a Tsumugi não gostavam dela no início. Cara, isso só não acontece. Elas imediatamente flertam e amam Tsumugi assim que à conhecem, até a Komimi faz isso até certo ponto.

Curiosamente, de maneira diferente de Crystar ou Gungrave G.O.R.E, não acho que Samurai Maiden dura demais. Ele tem a duração perfeita para desenvolver todas suas simples mecânicas e te dar tempo de conhecer as possíveis novas namoradas da Tsumugi sem se tornar maçante. Ainda assim, como já disse, não posso dizer o mesmo da história principal, que é bem esticadona, mas no caso do combate o ritmo fica bem mais aceitável.

O sistema é simples, relativamente satisfatório, e bem aberto. Suas habilidades avançadas dependem completamente da rota que você toma, e existem até armas diferentes para cada uma das meninas pra variar um pouco. Até os bosses tem alguns ataques interessantes, mesmo que o jogo tenha uma tendência estranha de reusá-los múltiplas vezes, cada vez com um pouquinho mais de complexidade. Só quando você chega na última batalha repetida com um certo chefe ele ganha o nível de complexidade que deveria ter desde o início. Isso é quase com certeza um problema de orçamento, então tanto faz.

Mas não posso dizer o mesmo das áreas e a maneira que Samurai Maiden lida com ondas de inimigos. Existem alguns temas diferentes para as fases que tornam as coisas variadas, mas dentro delas o level design é completamente amorfo. São pequenos corredores e áreas semi abstracionadas com arenas tacadas por aí. Pouquíssimos lugares são realmente distintos, e lembra aquilo que eu tinha dito das cutscenes não terem planos de fundo interessantes? É porque são apenas prints do mapa atual. Assim, eu sei que o foco disso aqui é character action então os mapas não precisam ser os mais geniais da história, mas seria bom alguma variação visual ao menos. Cada uma das meninas da party de Tsumugi tem habilidades especiais para interagir com o cenário, mas todas além das da Iyo são scriptadas. A maior ofensa vem da habilidade de Hagane, que é uma grappling hook que só pode ser usada de maneiras fixas em pontos fixos. Nada da movimentação possível em um Monster Hunter Rise da vida. Pelo menos ela segurando a Tsumugi no colo enquanto faz a animação é fofinho.

Samurai Maiden Análise
o-o

Por fim, temos os inimigos. Não tenho problema algum com eles por si sós, mas meu deus, as arenas. Existem dois tipos de encontros com inimigos em Samurai Maiden. O primeiro é um grupo de inimigos fracos. Esses costumam vir em 10 ou 15 sem nenhum respawn. Você os acha, os mata, e então segue em frente. Normal em qualquer hack and slash. Porém esse tipo de inimigo não é ameaça alguma, até considerando o que você espera quando joga algo do gênero. Eles não conseguem relar na Tsumugi. Ela é só forte demais pra eles. Então boa parte dos encontros são do segundo tipo: uma arena com diversos inimigos controlados minibosses ou bosses. Você entra em uma arena onde os demônios mais fracos desaparecem periodicamente à mando do boss. Eles estão sempre por aí, atrapalhando sua luta puramente por estarem em grandes números. Mais pro fim do jogo, a inclusão de múltiplos chefes e inimigos ao mesmo tempo torna as coisas caóticas; as vezes por bem, outras por mal.

Assim, Samurai Maiden tem um apelo interessante. Ele está bem longe de só ser mais um jogo fanservice e até impressiona em partes do desenvolvimento de personagem com os relacionamentos, mas o mesmo não pode ser dito da narrativa. Seu tempo jogando ele vai ser dividido na metade entre seções de leitura e combate hack and slash, e as duas tem problemas estranhos por si sós. Acredito que o problema principal seja da própria soma das partes, que não amontoa em tanto. Eu espero que a Shade Inc. utilize a fundação forte que eles construíram com este título no futuro, talvez para obras mais focadas. 

Pra mim, doujins e AA conseguem ser lotados de charme por diversos motivos, incluindo o jank que costuma vir junto da experiência. Adoro me adaptar à qualquer besteira que o jogo tacar na frente; infelizmente Samurai Maiden acaba por ser polido demais pra me agradar dessa forma e ainda longe demais de um hack and slash ou visual novel mais dedicada. Ele se perde nas entrelinhas de diferentes apelos, e por mais que inclua cada coisinha da checklist que um jogo do tipo “precisa” ter, não é o suficiente pra fazer ele se destacar.

Samurai Maiden Análise

Uma cópia gratuita de Samurai Maiden para a plataforma PC foi concedida pela D3 para análise no Recanto do Dragão.