The Cruel King and the Great Hero é um JRPG tradicional originalmente lançado em 2021 no mercado japonês, localizado para a língua inglesa em 15 de março de 2022. O jogo foi desenvolvido pela Nippon Ichi Software e publicado pela NIS America para Nintendo Switch e Playstation 4.
Desde seu título até as nuances de seu roteiro, The Cruel King and the Great Hero busca ser uma fábula jogável. Sua história é contada por meio de apenas duas vozes: a da narradora e da protagonista Yuu. Tudo que não é dito por Yuu é apresentado pela narradora, e vice versa.
Os visuais são desenhados a mão, laboriosamente detalhados, e brilham com animações expressivas. Suas cutscenes são apresentadas de maneira similar a um livro infantil, onde cada parede de texto é auxiliada por uma ilustração, e cada palavra é escolhida com o cuidado para não quebrar a sensação de magia.
Yuu é uma garotinha humana órfã criada desde pequena pelo Rei Dragão, que reina o pé da montanha, onde uma grande quantia de monstros vivem. Os humanos passam longe de lá para não correrem risco de ataques, e o mesmo vale para os monstros. Yuu quer ser uma heroína. Desde que ela achou um graveto particularmente duradouro explorando a floresta, o bondoso Rei Dragão deixou ela sair para iniciar seu treinamento de heroína, mas isso não significa que ele a deixou ir sozinha. Em diversos dos capítulos introdutórios do jogo, o Rei Dragão acompanha Yuu enquanto se esconde, ajudando com alguns ataques e obstáculos em seu caminho.
Em todas as noites, quando Yuu está prestes a dormir, ele conta uma história de ninar que envolve o pai biológico dela, um grande herói que lutou contra, venceu, e eventualmente poupou o Rei Demônio, que, segundo o Rei Dragão, era cruel e violento. Ele ainda está por aí, então Yuu deve se preparar para enfrentá-lo um dia.
Uh… Você provavelmente já sabe onde isso vai chegar, não é?
The Cruel King and the Great Hero não conta a história mais sutil do mundo. Afinal, ela deve seguir o formato de uma fábula. Mesmo assim, os truques narrativos usados para comunicar estes pontos-chave do roteiro são a maior força dele. Yuu ainda é uma criança, então ela provavelmente só não ligou os pontos, enquanto você já está preparando suas lágrimas desde o início da aventura. Além disso, ainda existe o mistério do porquê o Rei Dragão estaria preparando a garota para matá-lo, e qual era sua verdadeira relação com o pai dela.
É um formato perfeito para contar uma história dessas e, vendo tudo pela perspectiva da Yuu, a tensão só aumenta. Ao treinar, ela usa um pote na cabeça, armada com espadas progressivamente mais perigosas e muita persistência. Você navega o mundo com ela por uma perspectiva bidimensional, e viaja pelos locais tomando cuidado com encontros aleatórios, obstáculos contextuais e objetivos de suas diversas missões durante a maior parte dos sete capítulos da aventura.
Como vários outros jogos do gênero, a estrutura é simples. Você usualmente começa o capítulo já sabendo seu objetivo principal e, perto da vila dos monstros, pode aceitar missões secundárias, reestocar seus itens e dar um rolê despreocupado. Após chegar na dungeon relevante, a história vai se desenvolver um pouco, você explora, mata um boss, a história avança mais um pouquinho, repete. O clássico e testado loop de um JRPG linear episódico. As missões secundárias buscam te levar de volta às áreas anteriores, onde você pode escolher completar várias delas de uma vez só, para economizar tempo. Isso vai ficando cada vez mais complexo com o tempo, mas no geral funciona dessa forma.
Tanto na história quanto na estrutura de gameplay, o jogo segue clichês do gênero sem medo algum. A hereditariedade da protagonista como “filha de um grande herói do passado” é algo que existe desde os primórdios dos JRPGs, como em Dragon Quest, mas aqui sua aderência às tradições não ferem a experiência, já que a forma na qual são apresentadas dão significado à presença delas.
Isso não significa que ele é de todo tradicional, pois conta com a presença de um mapa que detalha tudo que é importante para você, como a localização exata de objetivos, baús, obstáculos, entradas e saídas.
Isso também vale para as missões secundárias. Eu recomendo que se você for jogar, escolha entre fazer todas ou não começar nenhuma, pois a maneira que elas funcionam incentiva você a ir por um dos dois caminhos. Todas elas envolvem ajudar alguém da vila de monstros a resolver um problema que necessita que você ache um ou mais itens, inimigos ou pessoas, simples assim.
A parte divertida de fazê-las se encontra totalmente nas interações entre Yuu e os monstros, além das histórias que acabam se desenrolando na vila como um todo. A Yuu é bondosa e altruísta, então ela só sai se oferecendo para ajudar todo mundo que precisa (mesmo tendo coisas muito mais urgentes para fazer), e mesmo quando alguém está claramente tirando proveito da coitada, ela ainda completa os pedidos entusiasmadamente.
Como jogador, isso significa que você vai ter que ouvir todos os longos (mas divertidos) pedidos dos aldeões por inteiro antes de saber onde ficam os objetivos, que são muitas vezes espalhados em dungeons completamente diferentes. Eu sou do tipo de jogador que costuma fazer apenas as missões opcionais das quais estou mais interessado, e só faço tudo quando estou absolutamente amando a experiência ou sinto que estou perdendo muito. Esse estilo de jogo não é muito bem suportado por The Cruel King.
Para completar a porção de missões opcionais que eu realmente queria fazer, tive que ouvir os pedidos de todo mundo já sabendo que eu não ia continuar boa parte daquelas sequências de missões, só para me certificar que eu não estaria desperdiçando meu tempo viajando para um lugar que eu já havia visitado (e que é extremamente longe da vila, mesmo considerando o limitado sistema de viagem rápida) para terminar uma só missão.
Isso não seria um grande incômodo se não fosse por dois motivos principais. Vamos falar um pouco deles agora.
O primeiro e maior deles é que as dungeons não são muito interessantes de serem navegadas, e são longas demais. Você não exatamente “explora” elas como em um JRPG comum, mas sim navega por elas. O mapa faz o trabalho de contar para você se tem algum item ou não naquela sala, então você quase sempre sabe exatamente o que fazer. A única instância em que fica fácil de se confundir é na dungeon do último capítulo, puramente por seu tamanho.
Infelizmente, para os desenvolvedores conseguirem passar o estilo de traços desenhados à mão do jogo, tiveram de deixar a perspectiva de profundidade de lado. Todo local que você explora é lindo, mas muito cru. Não existem passagens secretas, layouts interessantes, ou qualquer coisa além de encontros aleatórios e um baú a cada cinco ou seis salas que você visita. É uma viagem de ponto A até B que usa a mesma estrutura de jogos que focam na exploração.
O segundo problema reside na forma que The Cruel King tenta compensar pela falta de coisas em suas dungeons espaçosas com os encontros aleatórios, que são volumosos. Eu vou ser bem honesto com você, eu não ligo para a frequência de encontros desse jogo (que é bem grande). Já vi piores, inclusive no Final Fantasy II, que foi o último jogo que falei sobre no site. O que machuca aqui é a natureza do sistema de combate, que não possui nenhuma ideia do que ele quer ser.
Por um lado, o combate desse jogo esbanja um sistema em turnos simples, com uma ausência de classes, apenas dois personagens na sua equipe e ataques especiais simplificados. Por outro, um combate cheio de inimigos com milhares de pontos de vida, uma base estratégica que requer mais paciência que qualquer outra coisa, e grind.
Olha, nenhuma dessas coisas que eu falei constituem algo ruim. Sim, nem o grind. O negócio é que uma base tão simples não se mistura tão bem com as nuances mais complexas enfiadas ali no meio. Como por exemplo : os personagens não possuem mana, mas sim uma barra de energia que restaura um ponto automaticamente todo turno e dois quando você defende. Ok, simples. Agora os chefões e encontros mais pesados requerem um balanço perfeito entre habilidades e itens parte para serem derrotados, mas você só tem dois personagens, e muitas vezes eles querem que você repita esse loop de fraqueza múltiplas vezes. Ok, continua simples. E se eu te disser que já que o jogo não tem sistema de classes, não existem habilidades de cura, então você deve sempre usar itens custosos para sobreviver?
Tá, ainda preciso explicar um pouco mais, e voltar atrás também. Em The Cruel King, as batalhas são decididas antes mesmo de começarem. Elas podem até parecer “estratégicas”, mas são baseadas puramente nas estatísticas mais sem graça e previsíveis possível. Se você for como eu e estocar ao menos cinquenta unidades de cada item sempre que conseguir, nenhum encontro aleatório vai verdadeiramente te ferrar. Pior ainda, eles não vão nem te surpreender. Eles são apenas incômodos, frequentes, e inevitáveis.
Então, meu ponto aqui é que todas as mecânicas mais profundas que ele tenta trazer à mesa acabam não funcionando com um design tão simples. Para você ter uma ideia, o jogo tem um sistema de agilidade assim como qualquer outro do tipo, onde ataca primeiro em um turno quem tem a maior rapidez. Em um jogo como Final Fantasy III, por exemplo, isso resulta em você estrategizando seu uso de itens para ficar para as classes mais rápidas (como o Ladrão). Em The Cruel King, quando você usa um item de cura, sua agilidade deixa de importar e seu personagem de escolha só usa o item antes de qualquer outra coisa na luta.
Você sempre pode se curar sem restrições até suas poções acabarem. Isso faz com que até batalhas realmente desafiadoras como o chefão final fiquem apenas triviais. Mesmo assim, a luta dura quase 20 minutos. Acho que deu pra entender o problema, não?
O pior é que os visuais são tão lindos, e a escrita tão charmosa, que eu realmente só queria que The Cruel King ou fosse um jogo de plataforma fácil, desprovido de combate, ou um JRPG hardcore com uma party completa de quatro personagens (inclusive, o jogo já tem quatro personagens distintos programados! mas ele só te deixa usar dois de cada vez. Novamente, a simplicidade não bate com a ambição).
Os sistemas são sólidos, mas o jogo não tira proveito deles. Eu pessoalmente amaria a segunda dessas duas ideias, já que o amadurecimento como heroína de Yuu é um aspecto essencial da identidade do jogo, e combina perfeitamente com os sistemas clássicos de combate em turno.
A medida que ela se ajusta após não receber mais ajuda do Rei Dragão em combate, seus equipamentos vão melhorando com o tempo e toda a jornada dela depende disso. Infelizmente, com a maneira desatenta que os elementos do gênero foram simplificados, eu não consigo nem ver ele sendo uma boa introdução para crianças ao mundo dos JRPGs por causa de sua monotonia.
Isso sem contar seus últimos dois capítulos, que são compostos quase que completamente por repetição e reciclagem de conteúdo, de maneira similar à Crystar. Olha, eu não ligo muito para reuso de elementos. Eu nem citei a gama de inimigos recoloridos aqui, pois eles só melhoram a experiência, já que deixam os encontros mais variados. Mas reusar áreas inteiras com os mesmos mapas para os últimos capítulos do jogo, que poderiam servir como o ápice climático da jornada de Yuu? Isso é um pouco demais.
Eu ainda conseguiria recomendar The Cruel King and the Great Hero para os jogadores mais pacientes que realmente estão interessados no estilo de arte e na história do jogo (como eu!), mas não vou além disso. Sei que é difícil montar um jogo tão ambicioso artisticamente como esse com um orçamento pequeno sem fazer diversas concessões, e sei que existem inúmeras partes boas e até ótimas escondidas aqui. Mas, no fim das contas, ele é um ótimo jogo de 6 horas preso dentro de um medíocre de 14.
Uma cópia gratuita de The Cruel King and the Great Hero para a plataforma Nintendo Switch foi concedida pela NIS America para análise no Recanto do Dragão.