The End of Gameplay — matou a gameplay e foi ao objetivo | Análise

The End of Gameplay — matou a gameplay e foi ao objetivo | Análise

The End of Gameplay é um jogo e uma coleção de jogos. Um poema e uma coleção de poemas. Segundo seu autor droqen, é uma tentativa desesperada de tentar explicar o que ele quer dizer com “mate a gameplay”, uma ideia que vem disseminando nos últimos tempos.

acompanhamento musical

“swamp”

Essa é uma ideia intrigante, ainda mais vinda de um designer que já fez jogos com um senso sistêmico aguçado, como Starseed Pilgrim de 2013 e Probability 0 de 2014. Suas obras recentes, em contraste, demonstram um olhar minimalista e diretamente potente. what is that outside, awake e a polaroid of space entregam suas narrativas de forma ainda diretamente interativa, mas com seus segredos resguardados no subtexto entre a interação explícita e o texto inerte. O que ele quer dizer está ali, e pouco sobra para a interpretação pela máquina que você usa para jogar.

Estes jogos ainda possuem “gameplay” — o ato de apontar e clicar em what is that outside, os pulos e rememorações de awake, e até a proximidade necessária aos diálogos indo e vindo de a polaroid of space — droqen descreve “mate a gameplay” como um feitiço, e não necessariamente um argumento ou um pedido. As interações nos jogos recentes de droqen são apontadas diretamente à emoção a ser expressa. Se uma camada misteriosa está ali, é por ser um segredo que pede um trabalho extra para ser descoberto. Afinal, uma troca de segredos é menos um “sistema” e mais uma quebra de sistemas, não?

The End of Gameplay - "open field"
“open field”

Os coelhinhos de The End of Gameplay, um dos quais é nosso protagonista (talvez sejam múltiplos?), são equipados de um pulo triplo com características únicas para cada um dos saltos. O primeiro pode ser segurado para te levar bem pro alto e possui boa força horizontal; o segundo é parecido, mas adiciona cambalhotas aéreas que te permitem escalar paredes caso anguladas corretamente; o terceiro é um extra que mata sua movimentação horizontal e o vira de cabeça para baixo.

Os coelhos também podem subir e descer quando entre paredes, se agachar e, se feito rapidamente enquanto correm, fazer um pequeno hop. Eles também quicam muito ao baterem em uma parede, o que me lembra a física de Sylvie Lime — uma designer citada no vlog de lançamento de The End of Gameplay. Estas ferramentas estão mais lá para brincar do que para testar suas habilidades. Caracterizações dos coelhinhos, não habilidades propriamente ditas.

The End of Gameplay análise - "gameplay (killing)"
“gameplay (killing)”

Assim, você explora cada um dos ~35 níveis-poemas-minigames-divagações-vinhetas — em algumas ocasiões jogando com outro ser que não um coelhinho. Este é um mundo de moedas, e de saudade/desejo, o tal do longing tão repetido durante os níveis. Eles buscam quebrar a realidade, desejam sair dos limites de conexão conferidos à suas existências como personagens de platformer. Ou seja: quebrar regras e convenções é parte da experiência, mas algo que deve vir da ação do jogador. Provocar o senso comum do que é possível nos confins desse jogo te leva a novos locais, mas principalmente novas palavras — ou a falta delas.

O tutorial pede apenas para você ler o texto escrito em cada tela, se assegurar de que entendeu o que leu, e ir embora. Ir embora, de qualquer forma que seja, ativa um efeito de travada violenta que borra a tela, trava a música e seus movimentos — você faz isso ao ir à outra sala por uma abertura, sair do nível por uma abertura, e até ao entrar em uma fase pelo menu ou escapar dela segurando esc. A borda pode ser uma saída para outra área ou outra fase, não ser uma borda, ou fazer você loopar para o outro lado. Você só vai saber ao tentar ultrapassá-la.

The End of Gameplay - "dream of withering"
“dream of withering”

A falta de nitidez da pixel art de The End of Gameplay é deliberada. Por vezes mais feroz, por vezes quase nítida. Feitos da mesma forma que os blocos que compõem os níveis, seus protagonistas também tem seus limites quadrados definidos, para além de seus sprites. Todos presos em um videogame, todos com um objetivo a seguir.

Começamos com a parábola acentuada por bloom: o nível “bunnies”. Os coelhos vivem entre moedas e paredes. Eles querem se livrar de ambos, mas sabem que além das paredes e moedas, existem mais paredes e moedas. As regras são definidas.

The End of Gameplay análise - "bunnies"
“bunnies”

Logo em seguida, a primeira das três borradas “oubliettes”, pequenas prisões que sequestram o ritmo com uma canção de ninar e um coelho completamente sem saída. Seu coelho e sua cela. Pelo menos aqui não têm moedas. Aqui, The End of Gameplay te pede para apertar esc ao ficar preso, te conferindo o peso do ponto final nesta e em qualquer história do jogo.

"final oubliette"
“final oubliette”

A casualidade com qual o jogo te deixa brincar com suas ideias é parte do que o torna pessoal. A gameplay pode estar te pedindo algo, mas você, como jogador, sempre tem a palavra final. Vejo isso como um cabo de guerra entre você e droqen — você tem o controle de ir embora a qualquer momento; isso não seria demais? droqen tem o controle de te conferir o “final” de seu jogo apenas sob sua ordem; isso não seria demais?

The End of Gameplay te entrega os créditos bem cedo. Depois das primeiras 15, “thanks world” é liberada, que te deixa ver os agradecimentos de droqen. Mas, ao mesmo tempo, mais 15 fases novas aparecem. É uma provocação.

“contribution”

Cada “oubliette”, então, é um alívio. A situação e seu controle estão em harmonia. Não existe nada a fazer além de aproveitar seu tempo enquanto está preso. Saia quando quer.

É por essas e outras que digo que The End of Gameplay não é um jogo ensaio. A camada metanarrativa anda junto de ti, mas é muitas vezes ultrapassada pelo poema por si só. Vejo isso como uma tentativa de se aproximar do jogador de forma direta. O jogo ainda brinca com a troca de toques que separam você do autor — a máquina. “machine lover” representa a máquina como um espelho. Um local onde suas ações ecoam em um interior apertado, mas preenchido apenas com seu toque. The End of Gameplay clama pela aproximação do autor ao jogador, mas ele não pode esquecer a máquina na hora de dar adeus.

“machine lover”

A série de quatro níveis “the tower” começa com o mais apropriado conceito a ser tradicionalmente tratado em um platformer. Dizem que no topo da torre existe uma criatura que vai conferir um desejo a quem alcançar seu cume. Também dizem que talvez não tenha nada. Você vai querer subir do mesmo jeito; afinal, é o objetivo. Você usa de todas suas habilidades de coelho para subi-la. O dito propósito amoroso de sua construção se esvaiu, e agora só resta o de ego. Um projeto de construção e destruição. A segunda parte de “the tower” corrói, se destrói até que a última gota de aproveitamento mecânico é espremida. A torre como objeto de escalada, e nada mais. Quanto mais você a sobe, mais dos sistemas avançados de movimentação de The End of Gameplay são requisitados, até o abandono dela por seus arquitetos abrir, novamente, espaço para respirar.

The End of Gameplay análise - "the tower"
“the tower (20)”

Os arquitetos nunca foram necessários; afinal, você é um coelho feito para escalar uma torre, e aqui ela retorna a existência como uma fase de videogame despida de contexto. ela deixa de existir. é claro que não tem nada ali: você ganhou.

“romantic” é sobre um casal. um coelho te segue, você o segue. você não espera por ele, mas ele vai. ele não espera por ti, mas você vai. talvez ele deveria ter mais consideração. talvez você deveria ter mais consideração.

The End of Gameplay análise - "romantic"
“romantic”

“crisis” é o fim da recontextualização. The End of Gameplay é levemente reminiscente de problem attic, um jogo da Liz Ryerson de 2013. ambos são levemente ensaísticos, ambos criam e descartam regras à rodo e, em “crisis”, The End of Gameplay se aproxima mais ainda da ideia do jogo de Ryerson. o mesmos locais são recontextualizados à esmo e devem ser navegados sempre de forma mais desobediente, mas a desobediência é o único sinal de progresso. este nível pode ser uma resposta direta à maneira que droqen utiliza mistérios e sistemas escondidos em Starseed Pilgrim, mas não posso dizer pois não tive tempo de jogá-lo para esta análise :<

"the end of gameplay"
“the end of gameplay”

uma pausa é gasta em vinhetas de sonhos onde você joga com um humano voador. estes não são bons sonhos.

tenho ideias para interpretar e desinterpretar cada um dos níveis de The End of Gameplay. é um jogo feito em um momento crucial na jornada artística de seu autor e, no fim, abre mais espaço para ideias do que as concretiza. é raro jogar um videogame tão faminto por uma cena diferente que acaba criando dezenas de vertentes à serem exploradas.

talvez eu não seja a pessoa certa para matar a gameplay. aprecio walking simulators e jogos de tiro da máquina militar americana; jogos de paz e de violência; jogos de 20 minutos e jogos de 100 horas. o cabo de guerra do vão entre mim, a máquina e o autor é uma brincadeira eternamente interessante da minha perspectiva. mesmo assim, para muitos autores de jogos, a máquina toma espaço demais. as abstrações e sistematizações calculáveis corroem o meio — o vão deve diminuir, e a máquina deve ficar para trás.

mas matar a gameplay é um feitiço. este feitiço clama por ti tanto, mas tanto, que te engole e cospe de volta. após uma última “oubliette”, você percebe que sempre pode escolher ir embora. não sei nem quando senti que vi o suficiente.

"oubliette"
“oubliette”

uma cópia gratuita de The End of Gameplay foi concedida por droqen para análise no Recanto do Dragão.