This Way Madness Lies é bem fácil de explicar, ao menos em premissa. Tá até na sinopse: Shakespeare + Sailor Moon + JRPG. Essa mistura é ao mesmo tempo chamativa e um pouco bizarra em primeiro olhar, mas não precisa se preocupar, pois você está nas mãos de veteranos. A sua desenvolvedora, Zeboyd Games, busca criar experiências de JRPG mais concisas com curta duração desde 2010 com jogos como Breath of Death VII, Cthulhu Saves the World e mais recentemente o ambicioso Cosmic Star Heroine.
Por mais que o último desses exemplos seja um tanto maior que os outros, todos eles têm algumas coisas em comum, que acabaram virando parte da marca d’água da Zeboyd. Exploração de JRPG simplificada com menos cenários interativos e até cidades, humor constante estilo internet dos anos 2000, e pixel art assustadoramente detalhada. Em seus títulos mais recentes, os backgrounds e arte em combate batem de frente com a qualidade de Final Fantasy Origins de Playstation 1, o que é bem raro considerando que a maioria dos indies que ainda mantém pixel art em homenagens ao gênero mantém suas inspirações mais para a era do Super Nintendo.
This Way Madness Lies estará disponível dia 10 de Novembro exclusivamente para PC na Steam.
Ou seja, pode esperar uma interpretação bem diferente do que é um JRPG em This Way Madness Lies, tanto no combate quanto na estrutura. Depois de uma breve intermissão vinda do próprio Shakespeare, a história começa in medias res, com as Guardiãs Teatrais (nome inventado inteiramente por mim) já aparecendo dentro de Romeu e Julieta para salvar os coitados de monstros. Elas funcionam de maneira bem parecida com sua inspiração direta, as guardiãs do Sailor Moon. Simples assim. Madness Lies não perde tempo para iniciar sua fórmula de “monstro da semana”, onde em cada capítulo as meninas vão salvar uma peça diferente do grande autor, com os ocasionais episódios filler que acabam sendo até mais interessantes que as histórias principais em ocasião. É, bem parecido com o anime de 1992 de Sailor Moon em questão de estrutura também (os fillers de SM antigo são legais!). Mas aqui não espere um grande arco cheio de drama ou até um vilão desenvolvido. Boa parte do seu tempo será gasto vendo interações entre as meninas e lutando contra monstros sem saber quem está por trás de mandar esses monstros pra lá ou porque que vocês estão salvando os mundos de Shakespeare.
De certa forma, é um mistério interessante ir de canto a canto matando monstros no meio das peças sem saber o porque que aquilo está acontecendo, e muito menos como que as protagonistas tem cópias de si mesmas vagando por aí. Mas assim, o jogo em si não reconhece tanto isso em questão de escrita, pois ele fica 100% do tempo tacando piadas incessantes no meio da história. Eu não tenho problema algum com isso, mas assim, dependendo do seu senso de humor, a história pode acabar enchendo seu saco. Aqui muitas das piadas são construídas em volta de referências à cultura pop e situações meta, que costumam ser receitas perfeitas pra desastre e escrita preguiçosa, mas são lidadas com cuidado o suficiente para não serem tão irritantes assim aqui. De vez em quando tem umas referências bem bestinhas à animes populares e clichês de JRPG, mas nada tão irritante quanto um Deadpool da vida.
Mesmo assim, as personagens acabam se prejudicando um pouco por causa disso. Para abrir espaço para piadas, elas seguem estereótipos simples e não evoluem nem sequer um pouquinho durante a trama. Assim que você ver a protagonista Imogen falar suas primeiras linhas de diálogo, saiba que ela vai continuar com a mesma atitude até o fim do jogo. Além disso, as meninas são (quase) todas feiticeiras, o que as torna um pouco similares demais em questão de uso em combate. Cada uma ainda tem suas características e funções, mas são todas variações do conceito de mago (com a parcial exceção de Viola).
Já que as áreas não te deixam interagir com o ambiente além de iniciar batalhas com inimigos, o jogo acaba ficando com um foco em hisória muito menor do que deixa a entender inicialmente. É uma pura questão de expectativa: o foco da Zeboyd era escrever situações lineares com setups e punchlines de piadas, então esses momentos ficam afastados da gameplay principal, algo que não costuma acontecer num JRPG. Parece mais uma série de TV, o que é apropriado considerando que o jogo é uma paródia de Sailor Moon.
Leia também: COPPER ODYSSEY é um RPG excêntrico que merece seu tempo
E essa paródia vai longe, até nas sequências de transformação super detalhadas e demoradas que você vai ver toda hora que elas entrarem num Ato novo da história. É, você advinhou: não dá pra pulá-las. Mas tudo bem, a repetição das animações por si só já funciona como uma piada recorrente. Pensando bem, exitem muitas piadas recorrentes em Madness Lies… e elas são um dos destaques do jogo!
Tudo que eu disse até agora pode ter parecido um pouco demais, mas é porque Madness Lies assume que você já tem um grau de familiaridade com a mistura de conceitos dele. Se você não tem, ele vai te ajustando pouco a pouco, mas não tem como evitar o começo repentino da história e ritmo rápido da história. O jogo se vende como um JRPG curto e direto ao ponto: sem side quests, sem gerenciamento de recursos fora de batalha (você recupera toda a vida e recursos quando uma batalha acaba), e dungeons simples. Ele corre com a introdução pra te levar pros sistemas de gameplay principais o mais rápido possível, e ao menos eles são bem legais de brincar.
Sabe os Phantasy Star clássicos? Então, é meio parecido na questão visual e até com os ataques de combo onde você junta as habilidades dos personagens da party. Mas assim, você já percebeu que This Way Madness Lies é um jogo absolutamente lotado de ideias, certo? Então, eu prefiro falar disso ao invés de dissecar o combate.
Existem muitas coisas aqui. Inspirações vindas de todos os lados, uma estrutura simplificada mas ainda assim lotada de mexidas no menu para mudar equipamento e muitos, mas muitos capítulos diferentes. Quando você termina uma das dungeons/peças do Shakespeare, o jogo dá uma pausa pra mostrar situações variadas do dia a dia das meninas, como eu havia citado antes. São pequenas vinhetas, como uma festa do pijama que acaba com uma boss fight contra a loira do banheiro (sério). De verdade, são bem impressionantes pela quantia de trabalho extra que deve ter sido fazer tantos inimigos e ambientes únicos para seções que duram no máximo dez minutos cada, mas mesmo assim elas exemplificam parte da falta de coesão na direção de This Way Madness Lies.
Por exemplo, as dungeons vão ficando cada vez mais despidas de história. Elas começam cheias de personagens de Shakespeare conversando com as protagonistas mas vão se esvaindo até não sobrar história alguma. Isso é lindo, torna o jogo muito mais misterioso e torna a experiência solitária aos poucos. O problema é que nenhuma das personagens reage à isso de forma apropriada. Em diálogo, elas mencionam que os mundos tão ficando estranhos, mas continuam fazendo piadas exatamente iguais e desconsiderando completamente o mistério que está florescendo. É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que o jogo fica desfocado, sem um gancho principal constante.
Esse gancho poderia ser a gameplay, mas ela também é um pouco cheia demais. A UI de Madness Lies é ao mesmo tempo detalhada demais e de menos. Você tem informações sobre fraquezas inimigas e até descrições deles logo de cara nas batalhas, mas não sabe quanto de dano seus ataques dão. Isso resulta em lutas confusas onde você pode usar um ataque de gelo num inimigo fraco ao elemento e dar só 200 de dano, e no turno seguinte usar um ataque de vento e dar 1500. Não sei se isso é dano crítico escondido ou algo do tipo, mas tenho certeza que as discrepâncias não vieram do sistema de Hyper, onde as personagens recebem buffs de alguns em alguns turnos. Eu testei, realmente não é o caso.
E como citei agora há pouco, o jogo vai dando cada vez mais espaço para batalhas puras ao invés de história nas últimas três dungeons, e eu realmente acredito que uma delas poderia ter sido cortada, mesmo considerando a duração relativamente curta do jogo. As batalhas começam a durar tempo demais sem prover tanta substância. Você luta contra cinco ou seis inimigos de uma vez só, todos eles com milhares de pontos de vida cada. Nessa altura eu já estava com uma composição legal e com nível maior que 50 pra party, então minhas estratégias não tinham tanto espaço pra se desenvolver.
Pode até parecer que eu não curti tanto o caos de This Way Madness Lies, mas eu realmente me diverti por boa parte da aventura. Muitas de suas peculiaridades são essenciais como parte da sua identidade. Mudar o ritmo acelerado e meio ping-pong do diálogo e referências só tornaria ele mais um RPG indie genérico. Mesmo assim, a atenção que alguns dos inúmeros conceitos e temas do jogo deixaram de receber me fazem ficar na cerca com ele. De qualquer maneira, não deixe nada que eu disse aqui te impedir de aproveitá-lo puramente por seu conceito (e trilha sonora incrível!), porque só vai dar pra saciar a curiosidade que um JRPG Sailor-Shakespeariano gera em ti quando você realmente o jogar.
Uma cópia gratuita de This Way Madness Lies para PC foi concedida pela Zeboyd Games para análise no Recanto do Dragão.