Bloodstained é a nova franquia do Koji Igarashi, não para preencher a falta de Castlevania mas para que ele possa realizar suas visões sobre a franquia livremente. Quando a campanha de Ritual of the Night foi lançado no Kickstarter e apoiado ao máximo por todo mundo, uma das promessas era um jogo acompanhante no estilo dos jogos clássicos por outros desenvolvedores, nesse caso pela Inti Creates. Curse of the Moon foi desenvolvido em apenas seis meses e, para um jogo acompanhante de um maior, não tinha o direito de ser tão bom quanto é.
Curse of the Moon não é só incrível como um jogo de plataforma mas um dos melhores, senão o melhor, Classicvania. Ok, talvez eu esteja exagerando (normalmente todo mundo diz isso do IV ou Rondo of Blood), mas é meu favorito por muitas razões. Eu sei lá por que decidi voltar a jogar ele, apenas comecei. Eu já tinha terminado Curse of the Moon na época que ele tinha lançado e gostado muito, foi o jogo que me introduziu aos Classicvanias. Mas, mesmo depois de ter jogado um número muito bom de jogos nesse estilo, Curse of the Moon continua o meu favorito, ainda que ame Chronicles de paixão.
Esse é um jogo que não busca referenciar as origens da franquia, mas inová-la. Algumas ideias incríveis de Castlevania nunca receberam os experimentos que mereciam dentro dos Classicvanias, então não pudemos ver o limite desse estilo de gameplay. Dessa forma, Bloodstained é algo novo, muito único e que busca ser criativo acima de tudo. Embora seja fácil dizer que Miriam é inspirada no Trevor, Alfred na Sypha e Gebel no Alucard, a maneira como eles funcionam difere um pouco desses personagens mesmo se as mecânicas forem iguais. Porque aqui, o level design contribui para os poderes únicos de cada personagem, e o contexto de ter quatro possíveis membros no time muda completamente a experiência.
Zangetsu é o personagem padrão e nosso protagonista, sua maior força são duas sub-armas extremamente versáteis (a corrente e o talismã), que dão bastante dano. No entanto, ele é um pouco deixado de escanteio como um personagem de suporte, mesmo que seja muito bom, já que não tem algo que só ele possa fazer. Bem, isso é o que eu diria normalmente, mas Zangetsu tem uma forma secreta que vou falar sobre mais tarde.
Miriam é o Belmont do jogo, com um chicote obscenamente longo, um pulo alto e um slide. Por alguns motivos, fico impressionada que o slide dela não seja tão rápido e cancelável quanto o do Mega Man, mas ele é bastante lento e normalmente usado apenas para passar por baixo de coisas, embora a movimentação enquanto abaixada traga algumas vantagens. Em geral, a Miriam é sua ofensiva principal por poder se manter segura na distância com seu chicote. Ela também conta com uma ótima dose de sub-armas. Tirando a faca que é só muito ruim (funciona igual em Castlevania), ela tem três adagas que joga para cima, uma foice que funciona como um bumerangue (a cruz) e um machado que quebra qualquer coisa que acertar em apenas um hit.
Alfred é um personagem extremamente destrutivo mas em poucos âmbitos. Por possuir um ataque normal muito fraco e lento, nunca vai ser usado como ofensiva primária. No entanto, suas magias são as sub-armas mais fortes da aventura de longe. Com o fogo, ele cria um escudo razoavelmente barato que o protege de qualquer projétil e mata inimigos no processo. Em chefes, essa é uma arma inacreditável. Ele também tem um grande tiro de gelo que congela qualquer coisa que tocar, incluindo inimigos gigantes e partes do cenário. Quando congelados, basta um hit que tudo se quebra de uma vez. Então ele tem uma arma especial que se encontra em lanternas verdes que só ele consegue pegar, a magia de trovão. Essa deixa ele invocar até três raios de uma vez que vão perseguir e dar muito dano aos inimigos por um bom tempinho. Além disso, ele tem uma última habilidade que deixa ele invocar um clone a sua frente para deixá-lo atacar de longe mas… não sei por que você faria isso, se a Miriam é muito melhor fazendo o mesmo com seu longo alcance.
Gebel é um dos meus favoritos. Primeiro porque ele voa, e isso pode te salvar de algumas boas enrascadas por um pouco de mana. Ele também te ajuda a simplesmente pular algumas partes do jogo (obviamente, você paga com mana) e ir mais rápido por diversas seções. Na sua forma comum, ele tem um ataque extremamente útil que invoca escuridão para cima, lançando três projéteis em forma morceguinhos de curto alcance. Se os três acertarem, ele já dá mais dano que a Miriam, mas em geral sua maior utilidade é que um desses projéteis vai direto para cima, podendo acabar com inimigos sobre sua cabeça sem o uso de sub-armas como a corrente ou as adagas.
Cada personagem tem sua própria utilidade, tanto em combate quanto na exploração das fases, e você vai se ver trocando o tempo todo. Alguns caminhos só podem ser acessados por certo personagem, mas isso não é problema, já que existem muitas rotas diferentes para que todo mundo consiga atravessar, mesmo se você não tiver o personagem certo. Dessa forma, em Curse of the Moon, você não precisa de mais de um personagem para terminar o jogo. Mesmo só Zangetsu consegue ir até o fim facilmente, com ou sem suas habilidades secretas. O level design foi feito não só para cada personagem, mas para cada estilo de jogo.
Existem duas dificuldades em Bloodstained, Casual e Veteran. Veteran é o hard mode do jogo, onde os danos são dobrados, os personagens levam knockback quando acertados e tem um sistema de vidas. Casual é o modo recomendado, que faz do jogo bastante acessível sem retirar seu desafio. Embora seja preferível jogar no Casual, alguém que escolher Veteran ainda vai se sentir em casa já que muitas coisas nas fases também foram pensadas para quem escolher esse modo, como o posicionamento dos inimigos em cenários com muitos buracos.
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Além dessas duas dificuldades, existem algumas campanhas diferentes em Bloodstained que permitem que você experiencie o jogo com outros olhos. O primeiro deles após o modo normal é o Nightmare, onde, sim, até que fica mais difícil, mas você tem todos os personagens desde o começo… exceto pelo Zangetsu, que é o vilão desse modo. A segunda campanha não está em nenhum menu, que é o Bad Ending do jogo. Nele, ao encontrar personagens novos, Zangetsu deve matá-los e absorver suas almas. Quando ele faz isso, ganha novas habilidades. Embora seja meio triste matar os carinhas legais que nas campanhas anteriores eram seus aliados, Zangetsu consegue um pulo duplo, um corte aéreo mais forte que cobre tudo a sua frente da cabeça até os pés e, mais importante, um dash. A quarta campanha é desbloqueada após pegar esse final ruim; agora Zangetsu possui todas as habilidades desde o começo mas você ainda pode recrutar os outros membros. Teoricamente, o jogo estaria mais difícil para acomodar tanto poder, mas Zangetsu Mega Man X muda tudo.
Esse novo Zangetsu para mim é a adição mais interessante do jogo. Bloodstained desde o início permite que você ataque para trás mesmo após pular para frente, não dá knockback quando você leva um hit e possui um botão de sub-arma, coisas que eram evoluções na franquia em sua época que por algum motivo nem sempre voltavam nos jogos seguintes. Mas, por uma decisão artística, preferiram não dar a possibilidade de você mudar sua trajetória no ar após um pulo, fazendo com que todos os seus saltos sejam calculados e, se não foram, você morre. A ideia desse Zangetsu novo é trazer esse moveset criativo para dentro dessas regras. Zangetsu pode dar dash e, com ele, um dash jump, dobrando o alcance do seu pulo. Além disso, ele tem um double jump, que também transfere com a velocidade do dash jump, fazendo com que ele consiga ir mais longe ainda de um só salto. Isso dá muitas possibilidades de posicionamento e planejamento para os pulos do Zangetsu, que ainda continuam arriscados e calculados mas tem pouquíssimas limitações agora. Ele pode pular áreas inteiras do jogo sem derrotar um inimigo apenas com suas habilidades atléticas e, se precisar acertar alguém, seu ataque aéreo mais forte e com muito mais alcance dá conta de qualquer encontro.
Isso é em resumo colocar o Zero em um Castlevania e ver no que dá. É uma ideia maravilhosa. Já pensou se existisse uma versão de Rondo of Blood que Richter pudesse dar slide, airdash, sprint e uppercut que ele tem em Symphony of the Night? Embora Curse of the Moon te dê 80% do jogo no platforming e combate lento mas extremamente bem calculado de um Classicvania, ele reserva esses outros 20% para algo completamente novo. Correr sem parar e destruir tudo que vê pela frente não é algo que você esperaria fazer em um Castlevania tradicional, mas é surpreendentemente muito divertido e até desafiador de certa forma, já que é só o Zangetsu contra todo mundo.
Ainda assim, o modo Ultimate do jogo deixa que você experiencie esse mesmo frenesi caótico de Megaman X de terror com todas as outras habilidades únicas que os outros personagens tem. E, quando isso acontece, não tem como dizer que eles não tentaram fazer isso ser Mega Man. Nesse modo, que acaba por ser o mais fácil com todos esses poderes, você usa Zangetsu como personagem principal. Você troca para Miriam a fim de usar suas subarmas extremamente fortes ou dar um slide, troca para Alfred para congelar as coisas ou criar um escudo de fogo (que vai continuar ativo quando voltar ao Zangetsu). Por último, usa o Gebel para voar pelas áreas, agora que você teoricamente tem muito mais mana já que Zangetsu pode cuidar de tudo apenas com sua espada.
Assim, os outros personagens se tornam armas secundárias de um Mega Man X, como um escudo ou tiro para cima, ou a habilidade de voar. Mas Zangetsu é seu protagonista que destrói tudo majoritariamente sozinho. Bloodstained: Curse of the Moon é perfeito como um classicvania tanto na sua gameplay tradicional quanto nesse pequeno adendo no nosso protagonista. O level design criativo e bastante acessível faz dessa uma experiência divertida para qualquer pessoa que esteja ou não familiarizada com a franquia de origem. Também é um bom showcase do que Ritual of the Night estaria tentando alcançar no outro estilo de gameplay que Castlevania possui. Embora valha a pena pegar esse aqui se você quer um desafio como os jogos originais do Nintendinho ou do Super Nintendo (joga no Veteran pra isso), qualquer pessoa que esteja interessada em jogos de plataforma e indies deveria jogar Curse of the Moon, pelo tanto de coisas interessantes que adiciona em um estilo de gameplay considerado “datado” e que já foi substituído pelos metroidvanias.
Esse é um jogo que traz o amor que Classicvanias merecem. Com tudo de melhor que a franquia trouxe nesse estilo de gameplay, aliados de uma arte belíssima e trilha composta pela Michiru Yamane junto de muitos outros compositores talentosos. Atualmente esse é 20 reais na Steam (sem contar promoções), com uma continuação de 30 reais que logo vou falar sobre também. Obrigada pela atenção, e embora teria sido legal incluir esse texto em outubro, acho que já teve coisa demais no Recanto do Sustão né. Boa noite, beijos pra vocês.