Entendendo a obra de Gustavo Coutinho, compositor de Payday 3 · Entrevista

Gustavo Coutinho
Gustavo Coutinho, compositor de Payday 3. Foto: Reprodução/Yan Heiji

Durante nossa cobertura da gamescom latam 2024, o Recanto do Dragão teve a oportunidade de ouro de conversar com Gustavo Coutinho, atual compositor de Payday 3 que entrou na empresa durante a turbulenta expansão do estúdio com o lançamento de Overkill’s The Walking Dead.

Nessa entrevista, conversamos sobre o processo de transição de Gustavo após a saída de Simon Viklund, o compositor principal que trabalhou exclusivamente com a franquia entre 2011 e 2018, para além de influências pessoais e outros detalhes sobre seu processo de elaboração das músicas que bombeiam adrenalina no coração de tantos assaltantes virtuais.

Ah, e uma pequena dica: escute as músicas que estão linkadas nesse texto! Essa galera é insana ;D


RDD: Como foi o processo de transição entre os trabalhos de Simon Viklund, que esteve com a Overkill desde Payday: The Heist (2011), e sua acomodação na nova equipe da Starbreeze em 2018?

Gustavo Coutinho: Eu primeiramente entrei na equipe com o intuito original de compor para o Overkill’s The Walking Dead, e o pessoal me chamou para colaborar com o lançamento de alguns últimos heists do Payday 2, experimentando com algumas coisas e vendo se nosso trabalho fluiria bem. Então a transição não foi muito preparada, começamos numa expectativa de algo a curto prazo e bom, estamos até hoje colaborando. Admito que foi uma pressão e ao mesmo tempo um privilégio, porque o trabalho do Simon é impecável e a comunidade simplesmente o adora.

RDD: É como se ele tivesse um status mitológico na comunidade… mas sem pressão pra você, claro! [risadas] E como foi o processo de amadurecimento do seu trabalho ao longo de trabalhar junto da Overkill? Você já fazia músicas com uma pegada energética, no mesmo estilo e gênero como as trilhas de Payday?

Gustavo Coutinho: Eu tinha essa experiência, mas aprendi muito mais com (a Overkill). Principalmente sobre sound design, experimentando com diversos sintetizadores tanto uso nas músicas do Payday, então foi um aprofundamento desses conhecimentos prévios. Eu fazia músicas parecidas, mas foi um mergulho pra aprender sobre a sonoridade do Payday como um todo e estudar todas as vertentes que o jogo abrange, passando por Big Room, EDM, Rock, tudo. De certa forma, foi algo que também me abriu diversas portas, artisticamente falando, por me oferecer a oportunidade de explorar gêneros que eu não podia antes, sem contar que aprendi a formatar as músicas de formas diferentes para acomodar a implementação dinâmica do Payday, na forma como as trilhas progridem gradualmente em complexidade ao longo dos assaltos.

Inclusive, nas fases de Payday 2, costumávamos trabalhar majoritariamente com apenas um ou dois loops musicais para as seções de stealth, enquanto o Payday 3 se desenvolveu e passou a incluir cinco loops por missão. Isso significa que literalmente todas as músicas que faço hoje em dia precisam ter cinco camadas de stealth, o que acaba resultando em 20 ou 30 minutos de música por heist.

Foto: Divulgação/Starbreeze

RDD: Fui revisitar seus trabalhos na era do Payday 2, progredindo entre as campanhas de DLC da Silk Road (México), City of Gold (San Francisco/Chinatown) e Texas Heat, e senti que na segunda temporada você talvez tenta tentado emular mais a sonorização do Simon. Não sei se você concorda ou discorda, mas nas outras campanhas fica bem nítido que você experimentou com diversos instrumentos, tentando capturar influências na ambientação e na temática das fases… Como anda esse processo de experimentação? Você se sente mais confortável em ter uma assinatura artística própria, sem se preocupar tanto com o passado de outros artistas, agora que está trabalhando com outro jogo que possui um legado e uma equipe diferente?

Gustavo Coutinho: A experiência é incrível, eu originalmente procurei trabalhar com trilhas sonoras de jogos exatamente porque isso me oferece a oportunidade de trabalhar com diversas vertentes musicais. Eu nunca fui fechado a um estilo específico, sempre fui aquele cara chato que fala “eu sou eclético” e as pessoas apontavam brincando que eu “não tinha personalidade”. A minha perspectiva é que existe uma quantidade tão grande de sons que podemos fazer que se prender a apenas uma coisa é terrível; procurei trabalhar com composição para jogos, em partes, por conta disso, porque me oferecem muitas possibilidades para experimentação, para fazer essas fusões de vários gêneros diferentes. Então nessas campanhas, tanto do México, quanto de Chinatown e do Texas, eu tive a oportunidade de fazer uma experimentação maior.

Essa proximidade com o som do Simon que você percebeu não foi intencional, se está lá deve ser só parte do meu processo de estudar muito as músicas dele, de estudar as músicas de ambos os Payday, incluindo o trabalho do Gustaf Grefberg, do Le Castle Vania e de todo mundo que já passou pela franquia antes. Isso com certeza influencia a forma como trabalho hoje em dia. Tudo faz parte da identidade sonora, mas nunca é minha intenção de emular algum estilo em específico.

+ LEIA TAMBÉM: Metal: Hellsinger — sereia infernal, tiroteio e metal | Análise

RDD: Perguntei com relação às influências na sua transição entre jogos porque, ouvindo a trilha sonora de Payday 3, a única influência que me soa um pouco mais evidente é na fase “Road Rage”, cuja sonoridade é muito similar à missão de “Green Bridge” (Payday The Heist/2), o que me fez questionar sobre o peso da influência de Simon em seu trabalho atual.

Gustavo Coutinho: O Payday The Heist como um todo teve uma enorme influência no Payday 3, então com certeza eu peguei muitos traços de lá. A gente tinha uma frase interna que dizia que a nova trilha sonora seria “50% Payday The Heist, 30% Payday 2 e 20% Gustavo Coutinho”, então com certeza houve bastante influência, mas não foi nada que eu mirei especificamente em replicar. Mas esse estilo de drum and bass simplesmente combina com tudo que envolve carros, pistas, é um estilo que só combinou muito bem.

RDD: Sobre o lançamento recente do Capítulo 2 de Payday 3: Boys in Blue, cuja parte da trilha você soltou no seu próprio Twitter, percebo que a música possui uma energia mais saltitante e cheia de influências dos hip-hops dos anos 80. Apesar disso, não consigo deixar de ter a impressão de que há uma diferença muito sutil entre a estética absurda, grandiosa e caótica do Payday 2 e a estética mais controlada e clínica, que transmite uma sensação de amadurecimento e profissionalismo dos assaltantes, no Payday 3.

Queria entender qual é o processo criativo por trás da criação das suas músicas, como é seu pipeline de comunicação com a Overkill e o quanto a narrativa e temática das novas missões influencia o seu processo de produção para o jogo.

Gustavo Coutinho: Cem por cento, a nossa comunicação é direta e constante. As minhas principais influências criativas sempre serão ligadas à narrativa e ao assalto em si, pensando no fluxo de objetivos da missão, quanto tempo ela dura, a narrativa por trás dos acontecimentos e até mesmo a localização de onde o heist se passa no mundo. Falando do Payday 2, quando estávamos trabalhando na campanha do México, eu pude pirar um pouco mais com instrumentos de bandas mariachi e outros elementos culturais regionais, então isso naturalmente influencia bastante.

Agora, com Boys in Blue, eu brinquei bastante com hip-hop principalmente nos segmentos de stealth da trilha sonora, enquanto no assault já foi algo mais caótico, com influências de bandas de rap metal dos anos 90. Foi divertido, sempre quis fazer uns scratchings com a guitarra, turntable…

RDD: Inclusive, vindo pro evento, fui escutar a trilha da missão e muitas pessoas elogiaram falando que parece uma versão instrumental de uma música do Rage Against the Machine, então dá pra afirmar que o pessoal adorou a nova música.

RDD: Imagino que é muito difícil trabalhar com essa complexidade, trabalhar com diversas etapas de músicas e mesmo assim construir um palco sonoro coeso com toda essa abrangência de ferramentas que você tem à disposição.

Gustavo Coutinho: É um desafio, com certeza, mas é também uma oportunidade. Na música do Boys in Blue, existe um groove muito mais proeminente nas seções de stealth pois isso combina com aquela ideia de se esconder, de ter um gingado, enquanto também posso puxar pra algo mais pesado nas seções de loud sem tudo soar muito discrepante.

RDD: É muito importante saber sobre o processo de comunicação entre vocês porque a indústria já sabe dos problemas que podem resultar de uma comunicação falha, como no exemplo do Mick Gordon trabalhar às escuras e as discrepâncias resultantes disso, prejudicando a continuidade sonora e narrativa das músicas de DOOM Eternal comparadas às do DOOM 2016.

Gustavo Coutinho: O trabalho dele realmente é impecável, e é uma pena quando não há essa troca. Felizmente, eu e a Starbreeze temos uma ótima relação em termos de diálogo com os desenvolvedores, com a equipe de áudio e os artistas. Eu sempre testo as missões bem antes (de estarem prontas), então ter essa transparência é absolutamente essencial para o processo de produção.

Payday 3 e o seu segundo capítulo, Boys in Blue, já estão disponíveis na Steam, Xbox Game Pass e PlayStation 5.