Entrevistamos: PVic, desenvolvedor brasileiro do platformer Artius

Entrevistamos: PVic, desenvolvedor brasileiro do platformer Artius

No dia 28 de fevereiro a PVic Games, responsável por Ednaldo Pereira: Mescladasso e Ednaldo Mobile, liderada por um dos desenvolvedores principais de Antonblast, anunciou oficialmente seu mais novo jogo: Artius! Um jogo de plataforma 2D veloz sobre artistas tentando resgatar a imaginação e criatividade que estão sendo perdidas na arte em meio a uma espécie de uma “ditadura artística” que tenta padronizar as criações das pessoas!

Artius entrevista

Antes que pudéssemos falar sobre o jogo usando as informações já reveladas, tivemos a oportunidade de entrevistar o próprio PVic, que gentilmente nos cedeu seu tempo para uma longa conversa. 


RDD: Poderia fazer uma apresentação para o pessoal que ainda não te conhece?

PVic: Meu nome é Pedro Gonçalves. Tenho 21 anos, nasci em 2004 e sou de Pelotas (RS). Faço jogos desde que lembro de existir, e genuinamente não lembro da minha vida antes de começar a fazer jogos. Comecei a entrar no desenvolvimento porque, quando era pequeno, eu queria fazer um mod de um fangame de Sonic, e pra isso precisava baixar o GameMaker. Baixei o GameMaker pra fazer esse mod e depois até voltei para atualizar ele. Se chama Sonic FGX, e fiz a versão mais recente como uma forma de agradecimento por ter me colocado na cena, porque, bem — meses depois meu PC pegou vírus e meus pais decidiram que não iam consertar, então tive que ver o que eu podia fazer com um computador sem acesso a Internet, e ali eu tinha o Game Maker. […] Fiz, então, muitos fangames usando o Drag and Drop, que é um sistema mais simples de programar. Ficava horroroso, mas eu me divertia horrores, e desde pequeno fui evoluindo minha relação com desenvolvimento. Sou muito fã da cena de fangames de Sonic, ajudo na Sonic Fangames HQ com a moderação da SAGE e tudo mais. Aí, em 2020, eu estava numa fase que queria fazer jogos independentes, e tinha muito a síndrome comum de devs indies de querer criar algo muito maior do que consegue. Então teve um dia que decidi virar a casaca e disse: “Vou fazer um jogo mais leve”. Aí eu fiz o jogo do Ednaldo Pereira, consegui terminar e lancei na SAGE em 2020 na época da pandemia, e por isso foi um estouro. […] Pulando um pouco na história, em 2023 eu fiz um jogo novo para telefones do Ednaldo Pereira, justamente para ter meu primeiro jogo comercial, já que o Mescladasso tinha assets de outros jogos. Queria algo que fosse totalmente original como Ednaldo Pereira Mobile. Lancei para telefones, fiquei bem satisfeito, mas o que mais importa disso tudo é que abriu a oportunidade para que eu fosse contratado pelo nosso querido Tony Grayson! Ele já tinha interesse em me contratar pois tínhamos jogos na mesma SAGE em 2020.

RDD: Nessa SAGE estava o Mescladasso seu e Antonball Deluxe dele? Ou era outro jogo?

PVic: Já era o Antonball Deluxe, até. Estávamos ambos na mesma SAGE e lembro que a primeira mensagem que trocamos eu falei: “Manda aí os sprites do Antonball para eu colocar no Ednaldo como easter egg”. Ao passar dos anos, ele foi me mandando prévias do Antonblast. Eu comentava e às vezes mostrava os meus próprios projetos, e aí o lançamento do Ednaldo Mobile foi o estopim que fez ele me contratar, no fim de 2023. Trabalhei então no final de 2023, 2024 e agora no início de 2025 em Antonblast, mantendo essa relação com o Tony, mas ainda antes em 2022 eu venho trabalhando no Artius. E, agora que Antonblast lançou, vim com um pouco mais de experiência e tempo para poder focar no Artius. Agora, o jogo está finalmente anunciado e em produção, da forma que dá.

RDD: Eu na verdade não tinha noção de muitas partes dessa história. É bem raro começar a trabalhar com isso tão cedo, acho muito foda. Acredito que muita gente quando nova tem a visão de que é impossível trabalhar com jogos de qualquer forma antes de certa idade. Eu também não estava sabendo sobre esse assunto da organização da SAGE, tenho muito interesse em saber mais sobre, se puder nos explicar.

Artius entrevista

PVic: Posso dar uma breve explicação para não ficar pela metade. A minha relação com a Sonic Fan Games HQ começou porque em uma época eu tentei fazer uma branch da SFGHQ chamada “Sonic Fan Games HQ Brasil”. E aí eu, como era uma criança totalmente sem noção, nem perguntei pro pessoal, só lancei o site Sonic Fan Games HQ Brasil. E aí um dos líderes da SFGHQ, chamado Pedro também, entrou em contato comigo e anexou a minha SFGHQ do Brasil à oficial.

RDD: Tem certas vantagens em ser cara de pau de tempos em tempos.

PVic: (risos) Sim, e ser totalmente sem noção. Eu só disse “sabe o site de vocês? Eu fiz uma versão brasileira sem nenhuma permissão”. Deu mais ou menos certo pois, apesar do servidor não ter ido muito para frente, fez com que eu me conectasse com o pessoal.

RDD: As conexões são sempre as partes mais valiosas.

PVic: Com certeza.

Artius entrevista

RDD: Como o Artius acabou de ser anunciado, imagino que muita gente entrará no artigo sem saber exatamente como é o jogo ainda. Caso alguém apareça no artigo sem saber nada sobre Artius, como você o descreveria em poucas palavras?

PVic: Artius é um jogo de plataforma 2D baseado em momentum, e é uma grande celebração da expressão artística. Nele, o jogador controla artistas que estão tentando preservar a criatividade em uma realidade em que o vilão, Pivolo, quer instaurar uma ditadura artística. O jogo tem várias inspirações no Brasil em seu estilo que remete muito à arte do Ziraldo, e é um projeto que se tornou uma metáfora sobre a desvalorização da arte humana e o impacto da inteligência artificial na criatividade.

RDD: Só de olhar para ele e para as cores dá para perceber muito da estética brasileira. Uma parte da cultura que foi criada com o tempo, cores que assim que você olha percebe: Isso é o Brasil.

PVic: Tentamos fazer um jogo que não precisemos gritar por aí “nós somos do Brasil”, é uma coisa claramente homenageada no jogo.

RDD: Deve dar bastante orgulho realizar um projeto como esse, acho que tem poucos jogos com essa estética específica.

PVic: Aí até acabamos entrando no ponto de que o cenário do jogo é totalmente inspirado na cidade onde eu moro, Pelotas. […] Existe um pensamento muito comum — especialmente entre os fãs de Sonic — que talvez você já tenha tido que é ficar olhando pela janela do carro e imaginar o Sonic correndo do lado do carro.

RDD: Eu tinha muito isso. O Sonic e o Zero dando dash do lado do meu carro (risos).

PVic: É um pensamento um pouco neurodivergente talvez, mas sei que eu pelo menos tinha. Outro pensamento comum era imaginar “como seria se tivesse um GTA na minha cidade”. Todo mundo já pensou nisso, é uma coisa impressionante (risos).

RDD: Penso até hoje nisso.

PVic: Então, o Artius tornou essas duas coisas uma realidade por um lado. Mas eu também sempre achei a nossa arquitetura uma coisa bem fofinha, e por isso achei que tinha um certo potencial para dar uma cartunizada, e que daria uma estética que seria tanto realista quanto seria cartunesca para a criatividade de um jogo. Não é o foco do Artius, mas ainda está extremamente presente nele.

Artius entrevista

RDD: Isso conversa muito bem com os estilos artísticos representados, pois diversos artistas brasileiros buscam essa ideia de realista e cartoon ao mesmo tempo.

PVic: Todo desenvolvedor tenta de alguma forma integrar a sua vida no jogo, é uma coisa da arte em geral, e sinto que o que fazemos no Artius seja uma extensão disso.

RDD: É uma das partes mais legais da arte pois torna ela mais pessoal. Não só passa uma mensagem, como também passa sentimento.

RDD: Essa é uma pergunta um pouco diferente: em relação aos personagens, o quão diferentes eles são entre si? Você diria que é mais Sonic, Tails e Knuckles — poucas diferenças que fazem muita coisa — ou mais Shovel Knight, em que muda todas as mecânicas?

PVic: Eu diria que é um meio termo. No início do desenvolvimento, a gente tentava fazer todos os personagens extremamente diferentes mas, com o passar do tempo, fomos percebendo que muitas coisas eram comuns entre eles, mas feitos de outra forma acabava deixando pouco intuitivo. Por exemplo, o René, que é o músico. Ele tinha um dash com a guitarra apertando um botão X; só que aí o Pierre tinha uma espécie de dash feito em um botão Y. Claro, existiam aspectos diferentes entre as habilidades, mas na jogatina tu trocava de personagem e aí sua memória muscular pensava em apertar B quando com esse personagem, B fazia outra coisa. Ficava muito confuso. O melhor ponto de referência que posso dar, apesar de ser um pouco nichado, é o Sonic Frontiers, onde todos os personagens (Sonic, Tails, Knuckles e Amy) têm movimentos básicos nos mesmos botões mas suas habilidades e ataques são bem diferentes. Todos correm parecido, dão pulo duplo e etc, mas ainda são bem únicos. Esse é o nosso ponto de referência, digamos assim.

RDD: Na minha percepção, acho que é uma comparação muito boa, na verdade. Porque mesmo alguém sem jogar Frontiers, olhando como os personagens se comportam de fora, percebe que eles são muito diferentes, apesar de terem diversos movimentos que se entrelaçam. Consigo entender bem a ideia da troca de personagem confundindo os dedos porque no Shovel Knight, por exemplo, é uma campanha para cada personagem, enquanto no Artius, você troca entre eles. Imagino que seria pouco intuitivo o mesmo botão fazer coisas drasticamente diferentes dependendo do personagem, já que você troca entre eles com muita frequência.

PVic: Essa questão da troca de personagens é uma coisa que estamos tendo que trabalhar bastante. Sonic, Pizza Tower ou mesmo Antonblast são jogos descritos como confusos e complexos por algumas pessoas, então se as nossas inspirações já são complexas com só um boneco por vez, que só faz uma coisa, imagina ter quatro bonecos que fazem coisas diferentes, sabe? A minha visão original era que a todo momento no jogo você poderia trocar entre os quatro personagens, mas tanto na questão do design quanto de acessibilidade, acabou sendo muito mais eficaz ensinar mecânicas para um personagem e depois para o outro e aí só mais para frente permitir que o jogador coloque em teste o “trocar” entre eles rapidamente. Evitamos cobrar muito a troca de personagens no Artius — quando a troca é permitida, ainda é uma escolha do jogador.

RDD: É um estilo de design bem acessível. Qual personagem você imagina que vai ser o favorito do pessoal?

PVic: Olha, eu já fiz algumas votações…

RDD: (risos) Ok, fora o Pivolo.

Artius entrevista

PVic: (risos) É que assim, né, eu entendo que o pessoal não gosta muito de julgar os personagens. Entendo porque gostam muito do Pivolo, já que ele é o mais colorido, criativo, e o único que não é um ser humano comum. Mas a minha expectativa inicial era que o favorito de todo mundo ia ser o Walter, que é o fotógrafo gordinho. Ele é um personagem extremamente fofo. Surpreendentemente, até o momento, ele não recebeu muitas fanarts, mas essa era só minha expectativa.

RDD: Pode deixar que eu vou mudar isso…

PVic: (risos)

RDD: Eu acredito que ele seja tão popular por ser tão original mesmo porque, apesar de ver de onde vem a inspiração pra ele, não consigo pensar em quase nenhum personagem com essa estética.

PVic: Muito irônico para um personagem que quer acabar com a criatividade.

RDD: (risos) Poeticamente, funciona muito bem, na verdade.

PVic: O Pivolo, dando uma breve prévia da história, não é necessariamente uma analogia direta à inteligência artificial. Claro que a temática do jogo toca muito nisso, mas o Pivolo não é uma inteligência artificial, ele é um personagem. Ele tem seus motivos por trás do que faz.

RDD: Foi publicado há pouco tempo o site do jogo e depois de dar uma lida eu fiquei um pouco impressionada que o Pivolo é só um deles (estudantes) que pensa muito diferente dos outros.

PVic: Sim, a origem do Pivolo é como um artista.

RDD: Tem algum outro lugar famoso de Pelotas que você pode nos dizer que vão representar?

PVic: Então, Pelotas se torna como uma base para vermos os elementos que seriam legais de adaptar, mas não estamos necessariamente preocupados em representar tudo que a cidade tem, por mais que nos inspiremos na história e estética do lugar. O que eu posso dizer é que a maior parte dos prédios históricos foram reinterpretados dentro do jogo, no contexto de que a cidade tem grande ênfase acadêmica pela sua universidade de arte. Acaba dando um ar mais culto, usando os prédios antigos dentro do jogo, pois eles encaixam muito bem.

RDD: Eu acho que essa visão é bem legal, pois a cidade age como um guia de onde ir enquanto mantém espaço para a criatividade e divergir dessa rota. Tanto que o nome da cidade, Rupestrina, não tem nada a ver com o nome “Pelotas”. Eu imaginava que seria feita alguma referência ao nome, mas prefiro Rupestrina agora.

PVic: Como é esperado, não existiam pinturas rupestres em Pelotas, foi algo que inventamos para o jogo. Mantemos nossa liberdade criativa, enquanto conseguimos usar a cidade como base para construir o seu universo.

RDD: Eu não sou de Pelotas, apesar de visitar com frequência, mas mostrei Artius para um amigo de lá e ele viu imediatamente o mercado público. Os designs do cenário combinam muito bem com o jogo e ainda assim, mostrando para qualquer um da cidade, ele reconhece o lugar em segundos. É legal ver que conseguem fazer isso sem perder a personalidade do Artius.

PVic: Meu maior medo no início era causar um certo estranhamento, do tipo “esse prédio é bizarramente detalhado para um jogo como Artius”. Mas acho que a estética dos próprios prédios é relativamente simples e todos seguem um esquema de cores vivas, são bem definidos e complementam o estilo dos personagens.

RDD: Na verdade eu diria que os personagens têm três cores principais, e os prédios de Pelotas também.

PVic: Então, é um bom paralelo.

RDD: Dando um completo 180: que outras maneiras de ganhar velocidade estão no jogo, fora correr?

Artius entrevista

PVic: O jogo apresenta uma mecânica bastante parecida com a rolagem dos jogos do Sonic — a qualquer momento você pode apertar para baixo e iniciar um slide. Durante o slide, a velocidade é baseada no terreno: descendo uma rampa você acelera sem parar e, quando sobe uma, a sua velocidade diminui. Também estamos experimentando com uma mecânica nova chamada “Estado Turbo”. Vou compartilhar mais sobre isso no futuro, mas essa é uma mecânica que nos permite balancear o jogo mais profundamente. Queremos que os inimigos não estejam lá apenas para atrasar o flow do jogo, pois percebemos que em muitos jogos de plataforma no estilo do Sonic a jogabilidade é muito extrema. Comparando com jogos como Spark The Electric Jester e Freedom Planet — nesses jogos você precisa parar para enfrentar inimigos, e isso não cai muito bem em um jogo com o objetivo de terminar as fases se movimentando rápido. Esse é um diferencial do Artius, trazemos elementos de outros jogos como Antonblast e Pizza Tower, que são jogos rápidos que focam o design dos inimigos em manter sua velocidade sem te parar. Estamos tentando com o Artius dar uma certa profundidade aos inimigos sem desviar do objetivo do jogo que é conseguir manter sua velocidade, não interrompendo a dinâmica do jogo.

RDD: Na verdade, com Antonblast eu consigo ver facilmente como cada inimigo interage com a mecânica de conservar velocidade de formas diferentes. Acredito que você tenha feito o inimigo mole com um tridente, não?

PVic: Sim, Beelzebuster o nome dele.

RDD: (risos) É um nome muito foda. Bem, eu percebo que o Hammer Bounce nele ativa o mesmo efeito de um tijolo colorido que mantém a velocidade e dá ao jogador mais altura. Poucos inimigos fazem exatamente da mesma forma que ele, em que ele não morre ao ser atacado por cima mas serve para construir sua velocidade. Acho interessante que o Artius siga essa ideia de fazer inimigos mais do que obstáculos sem voltar o jogo para eles.

PVic: O Artius era, inicialmente, um jogo que seguia uma pegada mais parecida com Ednaldo Pereira Mescladasso, em que todas as fases teriam vários objetivos, como as estrelas de Mario 64, e sem a física de Sonic como temos hoje em dia. Antigamente, o guitarrista René tinha um combo de três hits, mas com o tempo fomos transformando o Artius nessa visão de ser um jogo com velocidade constante. Insistimos em tentar incorporar essas coisas, como manter o combo do René para parar e enfrentar o inimigo mas, depois do lançamento de Frontiers, Pizza Tower e até Antonblast, acabei percebendo o quanto eu não gosto disso. É uma coisa que acabo tolerando, mas acho que os jogos não podem sofrer a necessidade de misturar muitas coisas sem raciocinar se aquilo se encaixa com a visão, o objetivo geral do projeto. Foi esse ponto de vista que me fez descartar o combate mais lento, dentre outras mecânicas que acabaram não combinando mais com a direção que o jogo tomou.

RDD: Isso, na verdade, já responde nossa próxima pergunta, que era sobre combate. Mas se possível, gostaria de saber também se a exploração vai ser um aspecto importante do Artius.

PVic: A exploração é um aspecto que na verdade divulgamos pouco sobre no momento, mas vai ser muito importante. O jogo segue uma fórmula de fases de ação e um Hub World, que é muito mais do que só um caminho para as fases. O Hub tem várias missões e é bem aberto. Fizemos ele de forma que não seja difícil encontrar seu próximo objetivo, porém, todavia; você precisa completar certas missões no Hub para conseguir desbloquear a próxima fase. Nosso objetivo é justamente conseguir ter um lado do jogo que deixa o jogador ir com calma e relaxar mais. Tu pode só aproveitar, sentar na cadeira e ficar olhando os NPCs passarem. É uma coisa bem leve. Nesse momento você pode procurar as missões, fazer elas, pegar coletáveis e aí consegue acessar a próxima fase. Tem algumas outras coisas criativas que é uma pena não termos revelado ainda. Por exemplo: você pode desenhar graffiti nas paredes, algo inspirado em Bomb Rush Cyberfunk e Jet Set Radio. O Hub do jogo é, na verdade, um dos aspectos que eu mais fico ansioso para revelar! Acaba que não trabalhamos muito nisso pois estamos na busca por uma publisher e o que mais querem como apresentação de uma demo é como o jogo funciona em ação, e a ação mesmo acontece dentro das fases, que tem objetivos mais lineares. O Hub World é um pouco inspirado no modo Toy Box do Toy Story 3 de PC, que é uma grande inspiração pra mim. Não teriam missões de GTA no Artius, por exemplo, então buscamos algo no estilo do Toy Box que combina mais e se conecta com o tema da imaginação.

RDD: Se conecta bastante com a arte.

PVic: Sim, e muita gente pergunta “O que esse jogo tem de imaginação ou expressão artística?”, e por mais que possa-se dizer que escolher como você vai jogar é uma expressão humana, a maior parte da criatividade está no Hub, que não mostramos muito ainda. A cidade é extremamente viva e almejamos que ela seja um lugar onde os jogadores possam se expressar. 

RDD: Desde o primeiro anúncio, eu percebi que o Hub World era mencionado com frequência, mas não entendia o porquê, já que ele não havia sido mostrado. Agora eu vejo que é vital para o Artius.

PVIc: Ele é um grande foco do Artius, e também um dos grandes culpados para a demora antes de anunciar o desenvolvimento do jogo, porque eu adorava ficar trabalhando só no Hub World. E quem quer saber do fato de que você pode sentar e ver os carros e passarinhos passando? Também não é algo que rende trailer e por isso nos últimos meses focamos nas fases, apesar de que fazer o Hub me diverte muito. Acaba que fazendo fases a gente segue uma fórmula, pois existem certas tropes de level design que a gente costuma seguir. No Hub World eu podia experimentar com features que têm peso muito menor, sabe? Se eu quero executar alguma ideia que não cabe em um jogo de Sonic, eu posso experimentar ela e brincar com ela no Hub World, pois não existe um compromisso e peso tão grande com a velocidade nesse ambiente, e isso me dá espaço para testar certas coisas que não seriam possíveis caso o jogo fosse apenas fases lineares focadas em velocidade.

RDD: É também um jeito pouco intrusivo de trazer para o Artius uma parte de game design que você gosta bastante em um jogo, porque quem não quiser ficar tanto tempo no Hub World pode ir direto para a próxima fase.

PVic: Existem certos requisitos, mas o resto é da escolha do jogador.

RDD: Eu imagino que tenha bastante gente interessada nessa ideia atualmente, pois o Sonic Frontiers tem uma pegada nesse estilo, que tem essa calmaria antes da tempestade. Antes de começar a ação sempre tem um momento de reflexão, um respiro, e acredito que quem gosta das fases também vai curtir o Hub World pois um acentua as qualidades do outro.

PVic: Sonic Frontiers foi uma grande inspiração. No próprio Frontiers, o jogador fica livre para decidir com o que interagir, e acabamos dando essa brecha no Hub World para o jogador determinar o que ele tem vontade de fazer.

RDD: E como você está se sentindo quanto à recepção do jogo até o momento?

PVic: Olha, eu tô bem feliz. Como qualquer obra de arte também tem seus comentários negativos mas a maior parte deles estão sendo extremamente positivos. Fico bem feliz que o pessoal parece estar gostando! Estou bem contente com as fanarts que o pessoal tem feito, porque são muitas, e essa é uma coisa que melhora muito meu dia— acordar e ver os personagens que eu desenho todo dia há anos sendo tão bem recebidos. É muito gratificante! É claro que existe uma pressão de que você tem que corresponder às expectativas que vão sendo geradas, mas eu acho que o jogo está num estado em que temos tempo para trabalhar em muita coisa. Por mais que eu tenha mantido Artius em segredo por anos, eu não tenho um bloqueio muito grande quanto a divulgar detalhes sobre o desenvolvimento e receber feedback da galera. A mecânica de Turbo, por exemplo, foi algo que divulguei no Discord e o pessoal deu suas opiniões. É uma troca entre as partes.

RDD: Essa mecânica de turbo me lembrou um pouquinho o Boost Mode do Metal Sonic em Sonic Robo Blast 2, ao invés do criado em Advance.

PVic: É verdade! É um pouco diferente, mas consigo ver o paralelo entre os dois.

RDD: Quanto ao multiplayer do jogo: Tem algum plano que gostaria de comentar sobre? Vi que muita gente tem curiosidades sobre essa parte.

PVic: Nós já implementamos funcionalidades de multiplayer local no jogo, mas é uma coisa que está sob experimentação no momento. Nós já vimos vários exemplos de jogos multiplayer 2D de plataforma que não deram muito certo, e já fizemos vários experimentos no Artius. O que eu posso dizer é que o multiplayer seria inicialmente como nos jogos de LEGO, em que a câmera começa mostrando os dois personagens mas se divide quando eles ficam distantes. Só que isso é algo que estamos ajustando conforme a dinâmica do jogo, pois inicialmente ele era muito mais lento e hoje em dia é bem mais rápido. Estamos testando coisas diferentes para ver o que funciona melhor, porque já jogamos jogos com multiplayer ruim e não queremos fazer igual. 

Artius entrevista

RDD: Eu tenho bastante experiência com jogos multiplayer do Sonic, como Knuckles Chaotix e Sonic Superstars, e a cada nova tentativa da franquia surge uma ideia que não vai dar certo, mas estão chegando mais perto do multiplayer ideal. É uma coisa que quero muito ver no Artius, porque com certeza vocês estão tendo cuidado para deixar o multiplayer à altura do jogo.

PVic: Na verdade é comum que indies da bolha que Artius se inspira não tenham uma preocupação com multiplayer, mas isso é algo que eu queria trazer para o jogo por diversos motivos. Ele tem quatro personagens jogáveis, ele tá pedindo por um modo multiplayer.

RDD: Acho que multiplayer faz sentido com a ideia do jogo, porque é uma conexão entre pessoas, tal qual a própria arte. A arte só tem todo o valor que tem porque existem pessoas afetadas por ela.

PVic: Sim. E como um leve spoiler de coisas que estão por vir, implementamos multiplayer local na nova atualização do Ednaldo Pereira Mescladasso e ficou extremamente divertido. Pensei que não ia funcionar tão bem, mas com um jogador controlando o Fleig colocando blocos para o jogador do Ednaldo pular neles, parecia que o jogo tinha sido pensado para o multiplayer.

RDD: (Risos) O Ednaldo parando os inimigos com o The World também.

PVic: É! Um faz uma coisa, o outro faz outra… realmente parecia que o jogo foi feito para multiplayer. Implementamos em um dia e mais ou menos no outro já estava funcionando. Pensamos “Meu deus, como é que mais jogos não tem multiplayer local?”, é uma coisa que deixa o jogo muito mais divertido! Eu mesmo não consigo mais jogar o Ednaldo Mescladasso sem multiplayer, é uma experiência muito legal.

RDD: Você não sabe o sorriso que me abriu no rosto ao ouvir isso. Não vem ao caso me aprofundar, mas eu sou muito fã de multiplayer em jogos que eram single player, então eu vou jogar MUITO o Ednaldo dessa forma.

PVic: (risos)

RDD: O quão alto na lista de prioridades estão os ports para outras plataformas além do PC?

PVic: Esse é um questionamento comum que recebemos, mas é impossível se preocupar em portar para outras plataformas sem termos segurança se vamos conseguir financiamento para o jogo. Tenho certeza total de que a equipe que temos tem completa capacidade de terminar Artius, mas no quesito de ports é algo que depende não só da publisher, mas do acordo que você faz com ela. É um sonho tremendo colocar o jogo em consoles, principalmente um da Nintendo. Eu comprei o Nintendo Switch só para jogar Antonblast, pelo sentimento mágico de ter um jogo que eu trabalhei em um videogame da Nintendo. Não consigo nem imaginar ver o personagem que eu desenhei na loja da Nintendo! Respondendo mais diretamente: tendo a oportunidade, vamos correr atrás, mas a oportunidade ainda tá bem longe no momento.

RDD: Entendi. É uma coisa que querem muito, mas ainda que não dê o Artius ainda vai ser lançado como foi planejado, né?

PVic: Exato. É um sonho que almejamos realizar, mas temos coisas maiores no caminho enquanto não temos uma resposta mais concreta sobre isso. No momento, não é uma questão de “temos orçamento para o PS4, mas não para o Switch”, é uma questão de que não temos orçamento, ponto! É impossível dizer a realidade sobre ports no atual momento.

RDD: Como última pergunta formal, percebemos que na página da Steam do Artius o jogo está listado com dublagem em inglês, mas não em português. Poderia nos explicar qual seria o motivo?

PVic: Olha, sendo totalmente honesto, não temos dublagem em geral. Antigamente dávamos uma ênfase muito maior no fato de Artius ser um jogo Brasileiro, e por um tempo ele teve dublagem, mas só em português com legendas em inglês. Com o passar do tempo nosso foco se redirecionou para outras questões, e não sabemos se o jogo sequer vai ter dublagem em qualquer língua, mas é preciso levar em questão o fato de que dublagem pode até ser um simples som feito pelos personagens. O ponto é que dublagem tem um custo, e nosso público foco não se restringe apenas ao Brasil. Gostaríamos de ter dublagem em português nos diálogos, mas tudo depende das questões do orçamento. É uma coisa que vamos procurar conseguir, se possível.

RDD: Na verdade eu trouxe essa pergunta porque foi um colega que notou e eu não tinha ciência desse detalhe na página da Steam. Na minha cabeça, Artius não teria dublagem! Até porque no Ednaldo Mobile, por exemplo, os personagens falavam com um sample da voz do Tim Maia e eu achei a ideia genial. Imaginei que algo similar aconteceria no Artius, estilo Banjo-Kazooie. 

PVic: Hoje eu recebi uma mensagem se eu tenho interesse em colocar o Artius em turco. É uma coisa que precisa ser definida ainda, sabe? É o tipo de coisa que fica difícil definir de antemão, o jogo precisa de um pouco mais de tempo na cozinha para termos decisões como essa.

RDD: Tanto que Antonblast saiu há uns meses e até agora só possui inglês como idioma.

PVic: Sim, planejamos que Antonblast teria várias línguas! Mas devido ao tempo restrito que tivemos no Antonblast, não conseguimos adicionar as traduções que planejamos na versão de lançamento dele. É provável que sejam adicionadas em atualizações futuras, mas não tenho essa informação então não vou afirmar. Essas coisas precisam ser planejadas e implementadas com cuidado — no Antonblast, poderíamos ter apenas alterado o arquivo de textos do jogo no DeepL e adquirir traduções, mas queríamos fazer com o cuidado que merece.

RDD: Até porque tem muitos gráficos de texto estilizados no Antonblast, não ia ser um trabalho simples traduzir o jogo para qualquer língua. Além de um tradutor, precisariam de artistas.

PVic: Exato. Tem todo um cuidado necessário. Não posso só chamar um amigo francês meu, passar as strings do jogo em inglês e dizer “bota em francês aí”.

RDD: Sim, e se fosse para ter uma tradução em português tão fácil assim já teria, porque não falta brasileiro fã do jogo.

PVic: O exemplo mais claro disso é o Roblox. Hoje apareceu no meu Twitter uma imagem do Sonic que dizia “Rápido, O Esquilo” na tradução automática. Tem que ter cuidado com a tradução.

RDD: Essa foi a última pergunta então. Muito obrigada por nos dar seu tempo, foi uma conversa bem legal.

PVic: Muito obrigado pelo convite, gostei bastante também.


Bom dia, Rosie falando! Fui eu que conduzi a entrevista (foi minha primeira!) e preciso dizer que Artius é um jogo que me deixou bastante animada e, ainda que não tivéssemos realizado essa entrevista, ainda acabaria escrevendo sobre ele. Era fã do trabalho do PVic antes mesmo de conhecer Antonblast, então poder cobrir o novo projeto dele logo após seu anúncio é uma honra para mim.

Pelo que é possível ver de Artius até o momento, tanto o visual quanto personagens e gameplay estão sendo construídos com bastante carinho. É um jogo que naturalmente exala o brasileirismo da sua identidade sem precisar exclamar sua origem!

Cada novo vídeo que é revelado faz o jogo parecer mais divertido ainda. Acredito que a liberdade e expressão em um jogo como esse é muito importante, e seja nas suas fases como no seu aconchegante Hub World, a criatividade do jogador parece infinita. 

Artius entrevista

Na verdade, fiquei emocionada ao saber mais sobre o jogo, pois eu moro no Rio Grande do Sul também. Tentei omitir o sotaque sulista forte que eu e o Pedro temos durante a entrevista para deixar mais natural, mas moramos praticamente colados! Ambas nossas cidades são banhadas pela primeira fase de Artius: Duck Lagoon, a Laguna dos Patos, e também costumo visitar a cidade do jogo uma vez por mês. Isso me deixou tão feliz que tive que me segurar muito para calar a boca sobre isso no servidor oficial do jogo.

Duck Lagoon, na vida real

Desde que fui apresentada ao Artius, pouco antes do seu anúncio oficial, fiquei bastante admirada pela direção de arte. Todos os personagens são únicos e representados por uma paleta de cores e um formato diferente, de maneira que seja impossível confundí-los dentro e fora do universo. Gostei bastante das reinterpretações dos prédios históricos da cidade e das obras de arte brasileiras que receberam propósitos diversos no jogo!

Artius entrevista

Fico até muito animada com o Hub mencionado pelo PVic, principalmente a parte dos Graffitis (e omiti da transcrição da entrevista minha contagiante empolgação ouvindo sobre eles) e dos detalhes visuais nos carros e cidadãos. 

Vejo também que Artius se inspira em muitos jogos que eu amo de paixão, mas também em ideias que eu sempre defendi sobre level design. Até mesmo as coisas que eu não concordo completamente parecem interessantes e que levariam à criação de uma grande experiência!

Talvez para quem lê o Recanto há um tempo saiba o quanto eu gosto de experiências Multiplayer em jogos como esse também, e em especial de jogos do Sonic como Knuckles Chaotix e Sonic Superstars. Essa parte do Artius me deixa bem ansiosa para jogar!

Também conversei com o Pedro um pouco mais após a entrevista e ele me passou um insight muito bonito sobre a história de Artius. O jogo foi pensado antes mesmo da febre das inteligências artificiais então, apesar de combater ela, o real significado da história é combater a tendência do mercado de sempre tentar diminuir ao máximo a expressão artística. Seja com IA, NFT, o estilo minimalista corporativo; o movimento anti-criativo é bastante presente no nosso mundo capitalista. Não há espaço para a expressão artística quando o assunto é maximizar o capital, e enquanto vivermos no capitalismo, essa sempre será a mentalidade dos engravatados e suas grandes corporações. Artius busca combater isso, com um apelo para os direitos dos artistas.

Artius entrevista

Artius é atemporal e, se fosse apenas sobre IAs, a mensagem enfraqueceria com o tempo enquanto a sociedade cria novas armas contra a arte. As IAs são apenas consequência da desvalorização da criatividade e expressão humana.

Artius não possui uma data de lançamento ainda, por motivos óbvios, mas até lançar e até mesmo depois, pretendo trazer atualizações sobre o projeto. Agradecemos ao PVic pela atenção naquelas uma hora e vinte que passamos conversando! Peço que adicionem Artius nas suas wishlists da Steam se tem interesse no jogo e, como sempre, boa noite!

Artius fanart by @rosiemymelody