Ever 17: The Out of Infinity — preso num parque aquático temporal | Análise

Ever 17 The Out of Infinity preso num parque aquático temporal Análise

Em continuidade ao texto sobre de Never 7, é a vez de comentar Ever 17: The Out of Infinity, segundo jogo da série Infinity, para termos um veredito completo sobre a dupla de remasterizações publicadas pela Spike Chunsoft e desenvolvidas pela Mage Inc. Para relembrar a primeira análise, destacamos lá como o relançamento do primeiro jogo entrega uma experiência adequada ao trazer uma versão com todos os conteúdos lançados com o passar do tempo e melhorias de qualidade de vida, apesar dos visuais aprimorados às vezes deixarem a desejar devido ao uso do upscale por IA. Em Ever 17, temos um caso mais complexo, que é o que vamos analisar.

Nota: Análise escrita a partir da versão do jogo recebida, ou seja, a versão de Nintendo Switch. Jogado no modo portátil e a única observação sobre a versão é a mesma do primeiro jogo: poderia ter sido implementada a função de usar o touch screen para interagir com ele. Além disso, embora não seja exclusividade da versão de Switch, não há uma tradução para o português.

Ever 17 análise - Banner contendo cartaz de Ever 17 na esquerda e Never 7 na direita.

Mais uma vez, considerações histórico-técnicas

Como seu antecessor, Ever 17 foi desenvolvido pela KID e originalmente lançado em 2002 no Japão e, diferente de Never 7 que antes nunca havia tido uma versão para o ocidente, chegou aos Estados Unidos em 2005 para Windows. No time de desenvolvimento, seu trio principal retornou: Takumi Nakazawa na direção, Kotaro Uchikoshi no roteiro e, por fim, Takeshi Abo na composição da trilha sonora do jogo.

Se esperávamos, porém, ver como esses três nomes de peso desenvolvem em conjunto o estilo e conceitos apresentados no primeiro jogo, há um problema: a versão de Ever 17 contida na duologia de remasterizações é, na verdade, uma nova iteração do remake de Xbox 360. Lançado somente no Japão, esse remake foi, em todos os aspectos, uma reconstrução total do jogo. Isso inclui as decisões mais polêmicas, como a reconstrução completa da estrutura narrativa por um outro time de desenvolvedores e a substituição das artes 2D por modelos tridimensionais.

Ever 17 análise - Modelo 3D da personagem You durante o jogo.
Exemplo de modelo 3D da versão de Xbox 360 lançada em 2011

Felizmente, a nova versão retornou com as artes 2D, no entanto, todo o resto ainda permanece igual à versão de Xbox 360. Embora os “novos” arranjos musicais serem de Abo, tanto Nakazawa quanto Uchikoshi não participaram do projeto e um novo nome surgiu nos créditos: Shichirou Yamada, responsável pela “reconstrução do enredo”, o qual mudou toda forma como a narrativa é contada.

O mais curioso dessa história é que, ao que tudo indica, Yamada é um pseudônimo e, até hoje, ninguém sabe quem é. Mesmo com suas similaridades, é difícil considerar que essa versão seja o mesmo jogo lançado em 2002 devido à quantidade enorme de mudanças feitas. Para começar, no original, havia desde o início a possibilidade de escolha entre a perspectiva de dois protagonistas diferentes, Takeshi Kuranari e o misterioso “Garoto”. No remake, você é obrigado a escolher Takeshi e a perspectiva do outro personagem só pode ser jogada em um momento posterior.

Além disso, existe quantidade exorbitante de outras mudanças na ordem dos acontecimentos e nos acontecimentos em si. O que leva à pergunta: seria essa a experiência ideal para uma pessoa que recém conheceu a série e gostaria de jogá-la? Apesar da original ser claramente a mais popular entre os fãs de longa data, não quero entrar no mérito de qual é a melhor versão.

O que quero, na verdade, é pensar nos motivos do porquê seria preferível ter sido um resgate do trabalho original da equipe da KID. Por exemplo, meu principal motivo de ter decidido jogar a nova coletânea é que gostaria de conhecer os trabalhos de início de carreira de Uchikoshi, responsável por obras que aprecio, como Zero Escape e AI: Somnium Files. Com Never 7, tive essa possibilidade, mas em Ever 17 fica difícil de tirar muitas conclusões levando em conta essa premissa.

Não só isso. Indo para além da minha experiência particular, se você tem interesse na série infinity em si, incluindo o jogo posterior, Remember 11, é ainda mais difícil considerar que você pode ir para o terceiro título tendo jogado uma versão tão alterada de Ever 17. Dessa forma, é quase impossível não encarar com confusão a decisão da Spike Chunsoft.

Imagem com a ilha artificial de LeMU ao fundo sobreposta com o seguinte texto: "a ilha artificial que você está prestes a desembarcar é um enorme espaço de lazer divido em duas partes: acima e abaixo da água. O parque de diversões das esperanças e sonhos... "LeMU". Seja no vasto terreno, embaixo do céu limpo, ou no azul e misterioso mundo submerso, várias instalações de laser e entretenimento esperam por você."

Mas, afinal, do que se trata (esse) Ever 17

Posto os pesares de lado, ainda podemos deduzir algumas coisas sobre sua relação com a série Infinity, a partir de alguns apontamentos gerais sobre suas diferenças com o jogo que o antecede e que podem ser um ponto de partida interessante. Por exemplo, se em Never 7 tínhamos um simulador de namoro com pitadas de sci-fi que iam se intensificando com o passar da história, em Ever 17 temos o contrário, ou seja, desde o início existe um enredo mais próximo de um estilo high concept.

Por isso, se a primeira obra se passava em um retiro de férias numa cabana no interior do Japão, o segundo se passa em LeMU, um parque aquático submerso no oceano. Sua estrutura é composta de vários andares que chegam até as profundezas do mar. Em um primeiro momento, pode-se pensar que o local será utilizado para situar interações mais banais, mas os personagens se veem presos abaixo da superfície em uma situação de vida ou morte logo após a introdução.

As interações mais bobas não são abandonadas, mas são menos presentes nesse cenário que os personagens precisam achar formas de sobreviver ou escapar. É por isso que, mesmo com as diversas alterações estruturais, ainda é possível tirar algumas conclusões a partir do quadro geral de elementos do jogo; a situação que os personagens são colocados já se aproxima bastante do que Uchikoshi faria em 999: Nine Hours, Nine Persons, Nine Door.

Desenho de projeção 3D da estrutura de andares do LeMU.

O único problema é que LeMU, como espaço, é muito estéril, embora seu conceito seja interessante pela própria força da ideia de uma estrutura tão fantástica. As poucas salas que exploramos não colaboram com o senso de escala e logo percebe-se que o espaço em si não é tão curioso quanto parecia ser no início.

A força do jogo se concentra em outro lugar, na expansão do clima conspiratório já presente no primeiro jogo e nos elementos de pseudociência relacionados à física quântica e como se conectam com a forma que história é contada —  principalmente depois de acessar a perspectiva dos dois protagonistas, entender como elas se diferem e poder teorizar sobre o que está acontecendo.

Para contar essa história, fora os protagonistas citados, temos também as garotas já que esse jogo, em algum nível, ainda é um simulador de namoro: Sora, uma interface holográfica para o sistema do LeMU; You, uma jovem que trabalha meio período no parque; Tsugumi, a garota misteriosa da vez; Coco, mais uma personagem que é para ser uma adolescente, mas age como uma criança; Sara, uma estudante que foi ao LeMU em uma viagem escolar.

Ever 17 análise - Cinco personagens reunidos: Coco, You, Garoto, Tsugumi e Sora.

Depois de ficarem presos e incomunicáveis, o grupo procura uma forma de escapar antes da inundação e subsequente colapso do lugar em 119 horas. Pelo seu tom mais sério, o texto de Ever 17 é mais pesado, além de conter muito mais exposição sobre conceitos que envolvem a narrativa. E, talvez pela diminuição dos seus elementos de dating sim, há menos escolhas. Ou seja, não serão raros os momentos onde você passará sequências inteiras sem tomar uma única decisão — o que já acontecia no original, mas é ainda mais comum no remake.

A forma como a história se ramifica fica um tanto mais obtusa também. Deve haver como em Never 7 um sistema escondido de pontos que te leva à rota de cada personagem, mas que é ainda menos clara. Diferente também do primeiro jogo em que haviam escolhas próximas do fim que te levavam instantaneamente a um final ruim, aqui isso não é presente. É sempre uma combinação do que você fez ao longo da rota, o que pode dificultar bastante para quem quer conseguir todos os finais sem o auxílio de um guia.

Dessa forma, a combinação dessas seções mais longas sem possibilidade de escolha, a pouca diversificação de lugares, e a ramificação obtusa fazem com que o problema do jogo anterior da quantidade de repetição para alcançar um novo final seja ampliada. É um tanto difícil de se localizar em que momento da história você está ao utilizar demais a função de pular texto já lido. E, se você não usa, a repetição se torna extremamente cansativa.

Ever 17 análise - Sora em frente a uma imagem com um sumário sobre uma espécie de peixe chamada "mirror dory"

Por outro lado, é interessantíssimo ver a continuidade da exploração temática em relação a tudo que envolve viagem no tempo e os dilemas envolvendo a inevitabilidade do destino. Do mesmo modo, o uso de mistérios envolvendo cada personagem faz um retorno e é muito ampliado, fazendo com que se justifique ainda o formato do jogo onde você decide se aproximar de personagens em específico — os quais suas histórias te ajudarão a entender o quadro geral.

Isso quando informações novas não contradizem completamente coisas que você havia aprendido e que agora são postas em cheque. É desse jeito que o jogo mantém o jogador engajado em tentar entender o que exatamente está acontecendo naquele local. Ainda mais por conter muito mais momentos de construção de mundo para o que está acontecendo fora do parque.

É, com certeza (desconsiderando todas polêmicas entre original versus remake), uma obra que expande a premissa da série em todos os níveis. Contudo, isso não vem sem reveses consideráveis em minha visão. O ritmo é um tanto pior do que o primeiro porque, apesar de ainda manterem os momentos bobos de respiro, eles são muito menos interessantes do que em Never 7, o que não ajuda em nada o ritmo. E talvez o remake tenha alguma culpa nisso, porém sinto que a própria expansão da escala da história não ajuda.

De nenhuma forma isso é um veredito sobre Ever 17 lançado lá em 2002, mas esse Ever 17, remasterização do remake de Xbox 360, é um título um tanto difícil de recomendar. Não só pelos altos e baixos mencionados, mas — como dito — por não representar a visão original da história contada. Talvez isso fosse mais “aturável” se o jogo não participasse de uma série com diversos jogos que se comunicam entre si, mas como é, fica mais difícil de relevar.

O que podemos esperar é que os próprios desenvolvedores lancem uma atualização ou fãs lancem algum patch possibilitando visitar, também, a outra versão dessa obra.

Uma cópia de Ever 17 para Nintendo Switch foi concedida pela Spike Chunsoft para análise no Recanto do Dragão.