O que eu hypei para o lançamento desse jogo, não tem como descrever… É claro, colocar num estúdio indie o peso de “revolucionar o terror” seria estupidez minha, mas FNAF sempre sofreu de uma dor familiar a qualquer franquia que vive por tempo demais: ter uma fanbase com expectativas em excesso. Chegou a hora: vamos ver, nessa análise, se Five Nights at Freddy’s: Security Breach fez bem.
Órfã de seu criador original, Scott Cawthon, a fanbase de Five Nights at Freddy’s se viu no ano passado presa na encruzilhada de uma controvérsia: o criador original teria declarado sua aposentadoria na indústria de games após ser cancelado na internet por fazer doações a diversos políticos republicanos dos Estados Unidos, muitos notórios por supostos posicionamentos anti-LGBT e racistas nas mídias e em campanhas eleitorais.
Foi aí que entrou o anjo guardião “Security Breach“, revelado ao final de 2020 e lançando no final do ano passado. Desenvolvido pela Steel Wool Studios, que atualmente segura a tocha de Cawthon, a empresa também foi responsável por FNAF: Help Wanted, o porte para Oculus Rift muito elogiado por fãs (atualmente contando com 95% de aprovação na Steam).
No entanto, devido a sua natureza, foi pouco jogado pelos gamers que ainda não tem centenas de dólares pra gastar com um óculos VR (mesmo com uso não sendo obrigatório). Por isso, Security Breach seria tecnicamente a primeira grande chance da Steel Wool de experimentar com um novo formato, maior orçamento e uma franquia de altíssimo status.
Sobre FNAF: Conservando corpos putrefatos em uma banheira de Gatorade
Oito anos. Pois é, foi em 2014 que essa febre se iniciou. E, como eu sempre digo, sempre que uma franquia vive tempo demais, ela começa a se deparar com dilemas profundos: como FNAF iria se manter relevante no mercado, enquanto sustenta sua identidade e essência, como com o que originalmente fazia seu game design funcionar tão bem?
Além da problemática das inovações em mecânicas, havia outra questão: qual direção deveriam tomar com a franquia? Seria Five Nights at Freddy’s um jogo de terror com elementos “leves e infantis“, ambientados num universo de pizzarias e animatrônicos amaldiçoados, ou algo absurdamente sombrio, tenebroso e violento, envolvendo crianças esmagadas e corpos dilacerados, reanimados dentro de bolorentas e decrépitas máquinas?
Depois de tantos jogos, a solução abraçada em 2020 por Scott Cawthon foi a “Iniciativa Fazbear Fanverse“, onde ele ajudaria com a divulgação e até o financiamento de alguns projetos de fãs da franquia. Dentre eles, tínhamos a lineup de jogos: Five Nights at Candy’s, The Joy of Creation, Popgoes Evergreen, One Night at Flumpty’s e o que é considerado uma “reimaginação/remake do original”, Five Nights at Freddy’s Plus.
Foi uma solução simples, mas insanamente eficaz: se você não consegue entregar tudo que a comunidade quer, abra as portas e eles mesmos cuidarão disso. Viu só, Nintendo?
Foi a partir do ano seguinte – especificamente em junho de 2021 – que Cawthon se afastaria da indústria dos games e deixa o futuro de Five Nights at Freddy’s incerto; agora, está nas mãos da Steel Wool e dos criadores da comunidade a missão de manter a mitologia de FNAF viva.
Voltando para a análise de Security Breach: Top 10 parques infantis já construídos
Five Nights at Freddy’s: Security Breach resgata um molde de jogos de terror mais acessíveis ao público mainstream, por conta da simplicidade de sua gameplay (e sua tremenda eficácia).
Esse estilo segue o mesmo fio de Amnesia: The Dark Descent e Alien: Isolation: perspectiva em primeira pessoa, free-roam num mapa colossal – e visualmente incrível! – e a introdução de sistemas da franquia como monitoramento por câmeras e alguns minigames com portas, bem remanescentes dos FNAFs originais.
A Steel Wool deixou claro que não tinha medo de experimentar com coisas novas (mesmo não sendo exatamente “inovadores”), e também quis dar um salto enorme em questão de escopo de projeto para o time, até então acostumado com jogos bem mais contidos.
Pra começar, os novos perseguidores são divertidos e bem trabalhados: Glamrock Chica, Roxanne Wolf, Montgomery Gator e Freddy Fazbear são apresentados de maneiras únicas e tem uma ênfase em suas personalidades claramente mais explícitas, tanto que cada um deles sofre com seus traumas psicológicos (pois é).
O Mega Pizzaplex é outro ponto absolutamente estonteante por conta de seu gigantismo descomunal. São raios laser pra cá, propagandas de refrigerante pra lá, uma fusão de Ray Tracing e luzes de led para todo lado, isso sem falar na identidade visual dos personagens, dos bonecos de pelúcia e até dos cartoons de nossos queridos robôs festeiros.
Em suma: o que não faltou aqui foi uma apresentação visual criativa e impressionante. Eu e nosso amigo do site, Ricardo Maia, ficamos até buscando memórias de lugares como no Parque da Mônica e o Parque da Xuxa dos anos 90, aqui em São Paulo, por conta de toda a atmosfera “liminar” construída pelo megacomplexo do jogo.
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Mas aí vem o problema: quando se tem um projeto de escopo tão colossal, com uma equipe relativamente “novata” na indústria e uma fanbase tão sedenta, a pressão pode ser tão grande que às vezes nos esquecemos de uma coisa bem importante: fazer o playtesting.
Jogos e estúdios podem crescer muito com paixão, mas, infelizmente, nada é puramente feito de amor, e quando um projeto é empurrado cedo demais sem passar pelas provas de fogo, muitos bugs ou problemas de design podem acabar escapando e estragando a experiência do consumidor final (você, o jogador, e eu, o cara que tá analisando).
Avançando a passos largos… até demais
A Steel Wool obviamente já tem ciência do que está acontecendo, mas para sumarizar: esse foi provavelmente um dos lançamentos mais problemáticos dos últimos tempos, principalmente no quesito performance.
São picos de lag constantes, por conta do sistema de transição de fases sem telas de loading na Unreal Engine, além de superfícies inconsistentes com texturas em baixíssima qualidade, problemas de iluminação (sim, eu sei que era pra ser um jogo escuro), se encerrando com um glorioso peso de 80GB no PC.
A questão, pra mim, nem é essa – esses problemas são compreensíveis, do meu ponto de vista – o problema real reside em escolhas de design e balanceamento que, no geral, conflitam com o ritmo da história.
Se perdendo dos seus pais na escuridão de uma Leroy Merlin
Todos sabemos que, hoje em dia, os videogames fazem de tudo para segurar nossas mãos: são pontos luminosos na tela, GPS no minimapa, aliados nos instruindo por rádio, mensagens no celular, tutoriais obrigatórios, e por aí vai. Quem já jogou algo recente da Rockstar sabe do que se trata.
Security Breach não só te apresenta um parque de diversões de arquitetura absolutamente monstruosa, como também conta com um péssimo sistema de minimapa e possivelmente uma das piores interfaces que usei na vida. Ai ai, como um pontinho na tela fez falta…
Juntamente dos problemas de performance, a falta de informações foi a reclamação mais comum que vi sendo feita na internet, inclusive pelos gamers que optaram por só assistir as gameplays do Markiplier. Sim, até os youtubers se perdem nos jogos de vez em quando.
Há também uma notória falta de checkpoints automáticos, complementada por inimigos (e pelo Freddy, que é nosso aliado e pilotável estilo Titanfall) que facilmente se prendem nas esquinas ou não sabem reagir quando, por exemplo, pulamos em cadeirinhas e saímos do alcance de ataque deles.
É um problema muito provavelmente causado pelo jeito que a Unreal processa a “navmesh” dos mapas, ou seja, a “malha navegável” que as inteligências artificais adotam para atravessar o mapa.
O AstralSpiff comentou bem sobre a quantidade de bugs acessíveis meramente por causa do botão de pular:
Nem vou tocar no quesito da história, que pesa demais no uso de cartas e colecionáveis opcionais, mas vai um pequeno spoiler: a decisão de deixar os múltiplos finais a partir das 6 da manhã acontecerem sem nenhum checkpoint ou ponto de salvamento habilitado foi corajosa, mas extremamente frustrante e cansativa para os jogadores que morrerem ou decidirem jogar todos. Eu (e, de novo, o Markiplier) já perdemos quase três horas de progresso por conta dessa novidade implementada de forma ruim.
O que acontece aqui é que Five Nights at Freddy’s: Security Breach se apresenta como simples e palatável ao público médio por conta do seu molde de jogo de terror “genérico”, mas acaba sendo mais difícil e frustrante do que parece.
O pior de tudo é que isso não é por conta do seu “terror atmosférico” ou pela inteligência incomparável dos animatrônicos, mas sim pela péssima interface, pelos gravíssimos problemas de navegação e um level design sem claridade nenhuma ao jogador.
Placas indicativas, iluminação nos objetivos, pontos de interesse, mapas de maior qualidade, uma lista de missões mais organizada e descrições mais detalhadas: são problemas sutis, mas que fazem o jogador se perder o tempo todo.
E mesmo com toda essa simplicidade de gameplay, o jogo me remete ainda à tática da Sony com o visual dos dois filmes de Venom, onde todo e qualquer tipo de oportunidade para desenvolver a narrativa ou atmosfera mais sombria são afastados para agradar ao público menor de 13 anos. O jogo poderia ganhar muito se investisse no lado asqueroso com corpos dilacerados e máquinas estraçalhadas, mas só chega “perto” dessa vibe na sessão com os Endoskeletons do porão (que tem um design incrível, a propósito).
Esses problemas culminam em uma experiência que pode ser desnecessariamente longa, cansativa, confusa e que se estende artificialmente por conta da falta de informações entregues ao jogador.
Das 20 horas que passei jogando, poderia ter facilmente cortado isso pela metade se não tivesse me perdido tantas vezes no (maravilhoso) complexo de Freddy Fazbear & Companhia.
Não me leve a mal: se a vida fosse completamente previsível, tudo seria absolutamente tedioso, mas hoje estamos tão acostumados com jogos que nos tratam como bebês (alô, Kojima) que quando vemos Security Breach entregando o mínimo de informações possível, presumindo que você sempre sabe o que fazer, a experiência fica desorientante.
Um jogo glamouroso demais para seu próprio estúdio
Não adianta negar: é um produto criativo, muito bonito e com trailers que definitivamente despertaram a atenção do público. A situação da Steel Wool é simples: Security Breach foi areia demais pro caminhãozinho deles.
Enquanto os visuais do jogo esbanjam glamour e chamam a atenção com uma história fresca e cheia de ramificações, o escopo do projeto e o polimento das mecânicas acabaram saindo um pouco de mão para a equipe do estúdio.
Isso não necessariamente torna Security Breach uma completa porcaria, calma lá: se você gosta desse gênero de jogo, é fã de Five Nights at Freddy’s e tem 100% de ciência do que está comprando, então ele não vai te decepcionar.
O que falta agora é esperar por duas coisas: uma sequência mais polida, feita por um estúdio que agora é infinitamente mais treinado e experiente, e uma série de correções que já foram prometidas pela Steel Wool.
Já vimos o passado. O que nos espera no futuro?
Jogo zerado, análise feita, curiosidade satisfeita. Agora tem outra pergunta rondando a minha cabeça: o que será do futuro de Five Nights at Freddy’s?
Cá entre nós, apesar de ser um jogo único e tal, Security Breach não é exatamente o que eu, e muitos outros jogadores, passamos a esperar da franquia: FNAF sempre teve um estilo de gameplay e storytelling únicos. A sua estética, inclusive, começou a inspirar diversos membros da comunidade a fazerem animações de terror no estilo “found footage” de VHS.
A minha preocupação com o futuro da franquia, principalmente agora, com a ausência do controle criativo de Scott Cawthon, é a mesma daquela problemática levantada no início do texto: que tipo de gameplay queremos para a franquia? E estética visual? Vamos pro horror maduro, ou para um terror que distorce entretenimento infantil?
Uma coisa é certa: a decisão de Cawthon de terceirizar a responsabilidade da franquia para a comunidade se provou extremamente benéfica, pois assim todas as identidades criadas por cada interpretação de cada desenvolvedor indie podem ser livremente criadas e publicadas na internet.
Para se ter ideia, até mesmo Phisnom, o dev responsável pelo remake “Five Nights at Freddy’s Plus”, divulgou sua reação extremamente negativa ao lançamento de Security Breach, chegando a afirmar que depois de terminar seu projeto, vai “abandonar a franquia por definitivo”, já que “não concorda mais com a direção (criativa) que os jogos andam tomando”. Meio exagerado, mas ok.
Conclusão: Security Breach pode não ser perfeito, mas não se preocupe: ele é só o começo de uma nova era para Five Nights at Freddy’s, e muitos outros ainda estão por vir.