Guilty Gear: The Missing Link — entre riffs e dores

Guilty Gear é, para mim, a melhor franquia de jogos de luta de todos os tempos. Por mais que seja um posicionamento forte, é algo que acredito solenemente. Mas toda franquia começa de um lugar, e nem sempre a base reflete seu pico. Street Fighter, como a maior franquia do gênero, começou beeeem em baixo. Guilty Gear iniciou sua jornada com passos desesperados para o topo, caindo em diversos degraus com Missing Link!

Guilty Gear começou sua história com ousadia, um início estrondoso que gritava sua personalidade e forçava seus jogadores a escutarem. Daisuke ilustrou sua obra com o sangue do metal e resultou em uma criação tão explosiva que até hoje continua colidindo com o gênero inteiro. Desde seu marketing, Missing Link já mostrava sua atitude: Instant Kills, designs demoníacos e metaleiros, música estrelando os mais variados instrumentos reunidos para o gênero que mais embalava revoltas e brigas em shows.

Missing Link

Apesar de GG1 ter sido popular o suficiente para garantir o início da franquia, é difícil dizer que seu não tão humilde começo foi tão bom quanto sua apresentação. Guilty Gear fez seu nome com doubles e super jumps, wavedashing, airdashes (por vezes múltiplos) e mecânicas tão ousadas e arriscadas que foram abandonadas aqui mesmo.

Missing Link

No pressionar de quatro botões em sequência, um combo era criado, e podia ser feito em quase qualquer ordem. Conheçam o sistema de gatling de Guilty Gear, coroado o melhor de todos por mim! De forma circular, os botões não seguem muitas regras fixas para se ligarem, e os links dependem mais do golpe em si do que sua nomenclatura.

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Aliados de extenso conhecimento sobre o gênero e ideias bizarras que buscavam jogar tudo em um só caldeirão, Missing Link tem as mais belíssimas absurdices do gênero até então e um pouco mais. Suas mecânicas mais originais incluíam dois botões de Taunt com tecnicalidades a mais e uso em combate, specials carregáveis, uma espécie de Custom Combo aéreo sem uso de meter e, acima de tudo, Instant Kills que venciam não um round, mas uma partida inteira!

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+Leia também: Touhou 12.3 é o melhor jogo de luta que ninguém liga, nossa análise passional de um dos melhores jogos de luta de todos os tempos, e de forma alguma é uma coincidência que seja inspirado em Guilty Gear!

Abaixando um pouco a velocidade: como um airdasher, Guilty Gear é rápido e foca bastante na movimentação dos personagens. Com exceção de Potemkin, todos possuem um airdash e double jump. Ambos são bem rápidos (quase instantâneos)! O dash no chão cria um efeito de corrida após um tempo, que causa dano. Chamamos de dash attack, e é pouquíssimo usado! Ao cancelar seus dashes em Respects é possível realizar wavedashes similares a Marvel vs Capcom.

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Sobre ofensiva: tem seis botões em Missing Link. Sim, seis. São eles: Punch, Kick, Slash, Heavy Slash, Taunt e Respect. Normalmente não se mencionaria Taunts e Respects como parte do seu arsenal, mas GG1 é especial. Enquanto Taunts servem para trocar sua direção aérea manualmente, Respects fazem praticamente tudo. De Faultless Defense a Special Charge a… gulp… infinites… os Respects são vitais para Guilty Gear Missing Link, e você seria louco de ignorá-los.

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Pressionando S+H seu personagem realizará um Dust, que nesse jogo só possui sua variante em pé. Este golpe lança um oponente para o ar, e você pode perseguí-lo pressionando para cima. Em meio a um Dust, seus golpes normais cancelam ainda mais que o padrão, podendo fazer combos gigantes que dão pouco dano por Damage Scaling!

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A base do jogo é razoavelmente sólida, o olhando de maneira rasa. Os personagens são únicos visual e mecanicamente, a mescla de sistemas é bastante interessante mesmo sem o conhecimento da sua real funcionalidade, e a estética roubou os corações de todo mundo. Mas agora que falamos sobre Guilty Gear Missing Link de forma profissional, vamos tirar a máscara.

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Na comunidade de jogos de luta, GG1 é conhecido como um “Kusoge”, que significa “Shit Game”, do inglês “Juego de Mierda”, do espanhol “Jogo Cagado”. Entendam que existe uma diferença entre um Kusoge e um jogo ruim, uma diferença clara: Kusoges são apelidos carinhosos para um jogo que você gosta, mas que não funciona de forma alguma. Eu odeio Injustice, mas eu não o chamaria de Kusoge ainda que significa Shit Game, porque essa merda funciona ainda de certa forma. Só é ruim.

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E acreditem se quiser: os airdashes absurdos, milhões de pulos e Dusts não são o motivo para ser um jogo essencialmente quebrado. Na verdade, essa é a parte que funciona. O problema está mais embaixo, e protagonizado por um par menos que ideal que vou apresentar agora.

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As coxas de um Instant Kill Frame 1

Conheçam o Instant Kill, uma mecânica tão controversa que a cada jogo era mais nerfada até sua atual exclusão de Strive. Um Instant Kill é exatamente o que o nome indica, mas nunca mais ele foi tão Instant nem tão Kill quanto em GG1. Ao pressionar P+K, os dois botões mais rápidos do seu personagem, um normal visivelmente inofensivo é acionado. Ele pode ser defendido, é claro, mas é um normal, então é bem rápido. Por vezes não só rápido como instantâneo, que é o caso de Millia Rage.

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Assim que esse golpe acerta, a tela fica vermelha e entramos no momento chamado “Sakkai”, o Reino do Assassinato. Dentro de Sakkai, o jogador ofensivo precisa fazer uma simples meia lua + qualquer botão. O defensivo também precisa fazer isso, para trás, e se não conseguir rápido o suficiente, ele perde. Perde o quê? A interação? 50% da vida? Um round inteiro? Não. Ele perde a partida. Você pode ter vencido um round inteiro, estar perto de vencer seu segundo, mas assim que seu oponente apertar P+K e seguir de uma meia lua medíocre antes de você perceber, todo seu esforço foi por água abaixo. Destroyed.

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Mas é claro, a counterplay ser apenas pressionar o mesmo input para o outro lado faz dessa interação completamente esquecível. De fato! Mas entendam a implicação: basta apenas um deslize para perder uma partida inteira. Não um round, a partida toda. De um normal. De um input fácil. Que não gasta barra. E em alguns casos é frame 1. Parece justo? Ou isso te enfurece? Talvez lhe dê vontade de destruir algumas pessoas? Talvez você queira prender seu oponente em um loop constante de 99 segundos repleto de dor e tortura? Eu tenho exatamente o que você procura!

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Todo personagem pode carregar um special até nível 3, um special específico. Para Sol Badguy, esse é o Volcanic Viper. Para Ky Kiske, Stun Edge. Ao realizar o input com o botão Respect, um carregamento é acionado. O golpe mesmo no nível 3, apesar de ser muito forte, continua bem balanceado. Volcanic Viper dá muito dano, mas não quebraria o jogo por si só. O que realmente estraga a experiência de qualquer um é o próprio carregamento.

“Toda minha vida com um ataque!” — Benjamin, sendo acertado por um Volcanic Viper Lv3

O carregamento conta como um Special, ou seja, você pode cancelar um normal nele. E esse carregamento não possui startup ou lag, e pode ser parado em um frame só. Entendeu? Imagine o normal mais lento do seu personagem, seja qual for. Apesar de forte, a sua lentidão compensa e deixa o golpe balanceado, você só vai usar nas poucas oportunidades que ele seria útil. Mas e se você cancelar ele em um charge e então soltar o charge instantaneamente, antes mesmo da animação de carregar sequer começar? Virou seu melhor normal, do nada, pois não existe lag.

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Agora imagine que você tem um normal razoavelmente rápido em startup, o lag pouco importa. Faça isso, um normal, um charge cancel. Agora ataque de novo. Charge cancel. Ataca de novo. Charge cancel. Faça uma brincadeira, quantas vezes será que você consegue fazer isso sem levar um tiro na vida real.

Essa é a real natureza de Guilty Gear Missing Link. Boa movimentação, ótimos gatlings, mecânicas únicas, mas uma delas acaba por criar o maior purgatório da história dos videogames. Todos os personagens tem infinites, e infinites de relativamente fácil execução. Ataca, cancela, ataca, cancela, ataca, cancela. Repita até vencer. Ainda que o Instant Kill seja fácil de impedir, você acabou de descobrir algo mil vezes pior: o Infinite Kill, que nunca termina, mas garante vitória no primeiro hit. O primeiro que acertar vence, não importa como. Destroyed.

Asuka 120%

Para quem não conhece muito de fightings, saibam que os infinites só não são possíveis pois golpes possuem lag. A única maneira de eliminar o lag é cancelar, em outro golpe que também possui lag. Efetivamente, todo combo precisa terminar. Mas se você cancela um move em nada —  apenas eliminando esse lag — antes do oponente sair de stun, você já atacou de novo, e de novo, e de novo. Não há nada que seu adversário possa fazer para fugir: sem Bursts, sem pushback crescente, sem knockdowns forçados. Missing Link não impede seus infinites, e eles podem de fato florescer.

Há quem goste disso, existem demônios bizonhos que acham isso divertido. Tem gente que gosta de ficar três minutos vendo uma cutscene repetitiva sabendo que vai perder quando ela acabar. Eu não sou uma dessas pessoas! E acho que você também. Mas por que? Por que esse jogo é assim?

Missing Link

Bem, foi um dos primeiros trabalhos do time, criando um jogo que naquela época poderia ser até mesmo chamado de indie pelo seu time tão pequeno e iniciante. Os criadores até mesmo sabiam de alguns problemas, como os Instant Kills, que já haviam sido anunciados para todos e os jogadores ficariam insatisfeitos com sua ausência. É uma situação estranha, mas olha, foi uma primeira tentativa honesta. Os personagens seriam todos mecanicamente interessantes se o jogo não tivesse IKs e Infinites, e tanto os charges quanto Faultless Defense usados em Respect são divertidos. É um jogo mal pensado em duas grandes partes, mas sem elas, um ótimo e competente jogo de luta.

Guilty Gear começou mas não parou aqui, e se tornou o que hoje eu vejo como o melhor no seu ramo. GG1, apesar dos seus ridículos problemas, é o que se propôs a ser: o jogo do ROCK, exalando atitude e feromônios no ar dos jogos de luta 2D que na época estavam começando a se perder. Guilty Gear iniciou o gênero dos anime fighters, a franquia mais absurda de todas, jogou Daisuke no mundo dos jogos de luta e isso eventualmente culminou no meu descobrimento como mulher trans. Obrigada Daisuke Ishiwatari e a todos os criadores de Guilty Gear: Missing Link os quais não mencionei no texto para evitar minhas dores de cabeça! Boa noite, amigos, mantenham-se vivos!

KEEP YOURSELF ALIVE.