A franquia Gunvolt não é exatamente uma das mais congruentes da indústria. Desde seu início em 2014, seis jogos dela foram lançados, dos quais apenas dois são considerados parte da série principal. É um legado que veio junto de seu pedigree de sequência espiritual de Mega Man, e é inseparável de sua identidade.
INTI CREATES, os desenvolvedores da franquia, têm um grau de experiência invejável com jogos desse estilo. De Mega Man Zero à Bloodstained: Curse of the Moon, eles não conseguem parar de criar experiências autenticamente desafiadoras de plataforma e ação (tirando quando eles fazem algum Gal Gun, uma série que irei ignorar a partir de agora [e com razão!]). É por causa disso que os jogos do Gunvolt vêm com tantas expectativas por parte dos fãs. A INTI é obrigada a saciar o apetite dos famintos órfãos do gênero.
Eles nunca desapontaram. Gunvolt começou forte e só melhorou com o tempo. A trama dos jogos da franquia fica cada vez mais complexa e profunda conforme a linha do tempo avança (até considerando que ainda deixe a desejar se comparada ao potencial que os temas oferecem), e mesmo que eles não façam nada para mudar a esparsa experimentação estrutural vista no gênero, a pura execução de suas mecânicas de tagging e seu ritmo rápido já são o suficiente.
É bem maluco, e não é só a franquia principal que consegue se manter atraente, pois o spin-off Luminous Avenger iX trouxe uma evolução diagonal para a mesa. Ao invés de focar em desafios de plataforma e combate estratégico, Luminous Avenger busca agradar speedrunners com o seu foco em puro reflexo e sua mecânica de múltiplos dashes agressivos (denominados Bullit Dashes).
Essa é uma das técnicas de Copen, o anti-herói desconfortavelmente racista (uma característica que está sendo removida dele pouco a pouco, pelo menos) de Gunvolt. Ele até pode parecer uma direta cópia de Zero em primeiro olhar, mas ele não funciona exatamente do mesmo jeito, mesmo que os dois tenham um design vermelho predominantemente contrastado com o azul do herói principal, gameplay mais rápida e arriscada e sub-franquias que se passam centenas de anos no futuro após a morte do protagonista da série principal.
Mas esse não é o ponto. O primeiro Luminous Avenger serviu tanto como base para mais e mais possíveis jogos futuros secundários de Gunvolt quanto como uma afirmação de domínio mecânico e estético do gênero por parte da INTI.
É por isso que vários olhos estavam aguardando ansiosamente para o próximo “apeX da ação 2D”. Gunvolt Chronicles: Luminous Avenger iX 2 foi lançado em 27 de janeiro de 2022 pela INTI CREATES.
Após a história assumidamente conturbada, mas levemente ambiciosa de seu antecessor, iX 2 escolheu o caminho da mediocridade. Juro que tentei achar o máximo possível de qualidades ao menos vagamente positivas para atribuir à história deste jogo, mas o máximo que consigo é o levemente insultante “isso é literalmente filler”.
Após um período de paz não especificado, os protagonistas Copen e Kohaku são transportados para outra dimensão por um buraco de minhoca. Agora eles devem arranjar um jeito de sair dali junto de Null, a nova parceira deles, residente daquela dimensão. O jogo então pula seis meses para frente (presumidamente só para não precisar introduzir a coitada da nova personagem), quando eles descobrem uma torre que talvez consiga os tirar dali.
Deu pra entender o que eu quis dizer com filler, né? Tudo que acontece nesse jogo não importa, pois acontece em outra dimensão com personagens que nunca mais serão vistos, e ele não tem nem a decência de desenvolver a personalidade de Copen ou Kohaku. Nada do que acontece impacta eles de nenhuma maneira.
E não ajuda lembrar que uma das partes mais interessantes dos jogos do Gunvolt, os diálogos incessantes e prolixos, estão ausentes nessa entrada. Até as conversas que você pode ter com as waifus de idade questionável são substituídas quase inteiramente por tutoriais genéricos de como usar as armas que você rouba dos bosses.
Isso me lembra também que os bosses não tem quase nenhuma personalidade. Cada um deles tem uma ou duas frases antes da luta começar e é isso. Nada dos pensamentos rebeldes ou rinchas pessoais que alguns deles tinham nos outros jogos. Você vê alguns segundos de piadinhas, derrota eles, e segue em frente.
Inclusive, a estrutura de iX 2 de subir uma torre é completamente desperdiçada. Nenhuma fase dá a impressão de que você está ascendendo no prédio, e essa estrutura acaba sendo apenas um desperdício de potencial. Até o doujinsoft megajank™ MAGICAL×SPIRAL conseguiu passar a sensação de escalar uma torre melhor.
Pode parecer que eu completamente odiei Luminous Avenger iX 2 até agora, mas isso é longe da verdade. A INTI conhece o gênero melhor que ninguém, e até com uma história e conceito medíocres que não conseguem nem serem salvas pela linda referência à Mega Man Zero 2 no início, a gameplay de iX 2 é mais estável. Né? Né…….?
Na real não exatamente. Por mais que a gameplay momento a momento se assemelhe bastante à seus predecessores e inspirações, várias das mudanças são questionáveis, e algumas são francamente só desconcertantes.
Para começar, as três cargas de Bullits delicadamente balanceadas que podiam ser utilizadas por Copen como dashes agressivos para atacar inimigos ou como a técnica defensiva Prevasion foram retiradas do jogo.
Olha, os Bullit dashes ainda estão lá, mas só tecnicamente (algo que nem pode ser dito sobre a pobre Prevasion). Copen só possui uma carga de dash, que só é recuperada quando ele toca no chão. Ou seja, você não pode nem recuperar a carga ao usar o dash em um inimigo que nem nos outros jogos.
Mas ainda existe uma maneira de ganhar seus três Bullit Dashes, que é um pouco bizarra. Nos outros jogos da franquia, você adquire kudos ao decorrer de uma missão, que são multiplicados e convertidos em pontos no final dela. Você pode ganhar mais e mais kudos ao correr mais riscos, já que você os perde ao tomar dano, e também pode escolher ignorar os checkpoints oferecidos em troca de poder multiplicar o valor deles.
É um sistema quase inútil para jogadores que só querem chegar no fim do jogo, mas é algo indispensável para quem busca as melhores notas em cada fase. Foco no “quase inútil para jogadores que só querem chegar no fim do jogo”.
Em Luminous Avenger iX 2, você deve manter 1000 kudos simultâneos para atingir o modo Overdrive, que te deixa utilizar os Bullit Dashes da mesma maneira que em iX 1.
Essa é uma decisão entendível, mas ainda mal executada de diversas maneiras. Por mais que ela tenha sido feita para deixar o jogo mais lento e por consequência fazer a campanha durar mais que as duas horas que o primeiro oferecia, ela ainda não faz o menor sentido em prática.
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A maior diferença entre a gameplay de Gunvolt e Copen é no ritmo deles. Enquanto Gunvolt é obrigado a jogar de maneira metódica e reativa, já que ele ataca passivamente com seu choque enquanto desvia, Copen é extremamente veloz, agressivo, e ativo. Se os desenvolvedores quisessem deixar o jogo mais lento, eles deveriam só terem, sabe, feito Gunvolt 3 no lugar disso. E eles já estão fazendo Gunvolt 3 (que parece infinitamente mais rápido que de costume!), então eu não consigo pensar em nenhum motivo para as coisas funcionarem assim em iX 2.
Até mesmo o Overdrive não ajuda em nada, já que até os jogadores mais habilidosos ainda terão que acumular os 1000 kudos antes de poderem chegar no mesmo nível de versatilidade que eles já conseguiam atingir no primeiro jogo só de começar uma fase.
É só meio triste mesmo, e olha que os designers estavam bem confiantes nessa decisão, porque ela é até justificada na narrativa quando Copen diz à Kohaku que durante o período de paz que eles tiveram após os eventos de iX 1, ele só resolveu tirar o módulo de Prevasion da armadura sem mais muitas explicações. Legal.
Mas calma, eu até esqueci de falar do quão f*dida é a mecânica que foi posta no lugar da Prevasion, que é o novo sistema de cura. Eu nem cheguei a tocar em muitos dos personagens quando falei da história (porque eles não fazem nada nela), mas a Lola está no jogo. Lembra da Lola?
Ela é a robô-idol parceira de Copen que está acompanhando ele desde sua primeira aparição na linha do tempo, que foi no segundo jogo numerado. Ela tem duas formas: uma de bolinha robótica, e outra de idol. Nos outros jogos, ela costumava aparecer das duas maneiras dependendo do que estava acontecendo na história, mas em iX 2 ela curiosamente só aparece nos diálogos em sua forma robótica, e não exibe nenhum traço de personalidade. É bem estranho.
Mas esse não é nem o problema principal, pois ele está no jeito que ela pode te curar no meio das missões. Sim, agora você pode se curar a qualquer momento pressionando um botão. Não, não tem cooldown. Não, você não é penalizado por isso, ao menos não de maneira lógica.
Ao se curar, você deposita todos seus kudos na pontuação, de maneira similar ao que acontece quando você passa por um checkpoint. Ou seja, essa é mais uma maneira do jogo estragar uma mecânica que antes funcionava perfeitamente bem.
No jogo anterior, usar a Prevasion tirava seus kudos da mesma maneira que tomar dano, mas pelo menos lá perder kudos não arrancava sua possibilidade de dar múltiplos Bullit Dashes…
Isso acabou fazendo com que eu, um jogador médio de Gunvolt, ficasse sempre relativamente próximo de conseguir pegar o Overdrive, mas com que eu raramente realmente conseguisse alcançá-lo, já que, sabe, eu curto pegar checkpoints e me curar ocasionalmente em minha primeira jogatina.
Logo que eu faço isso, a possibilidade de entrar no modo Overdrive é jogada fora para o resto da fase. Ou seja, a partir do momento que eu me curava uma vez em uma missão, a punição de perder kudos parava de importar completamente, então eu só podia me curar à qualquer hora sem limites.
Tive que me policiar bastante pra que eu não parasse completamente de ligar para jogar bem e só me tacasse em qualquer inimigo até derrotá-los na força bruta. Enquanto o sistema antigo incentivava você a só utilizar a Prevasion como último recurso e a tomar cuidado em todo momento, o novo só destrói completamente o desafio para qualquer jogador que não esteja já familiarizado completamente com suas fases e mecânicas.
Mesmo para este tipo de jogador experiente, ele ainda deve passar os primeiros minutos de toda fase farmando kudos. É um sistema perde-perde.
Existem muitas outras pequenas e grandes mudanças feitas em iX 2, mas eu não acredito que elas sejam nem de perto tão relevantes quanto as que citei até agora. Quer um exemplo? Agora Copen ataca com uma serra elétrica corpo a corpo, o que deixa ele mais parecido ainda com Zero. Mas isso não muda nada, pois você ainda consegue atacar de longa distância ao marcar um inimigo com um Bullit Dash, e o combo da serra requer que você fique parado para usá-lo, e tudo isso ainda acaba com você dando menos dano do que um Bullit Dash daria no fim das contas.
E agora voltamos para o que eu falei lá em cima. Eu não odiei Luminous Avenger iX 2, mas absolutamente todas os pontos positivos encontrados nele são diretamente importados de seu predecessor. Nada de bom nele é novo. Sua premissa é interessante, ao menos. Até considerando o quão inconsequente ela é em conceito, ela ainda poderia brilhar da mesma maneira que os melhores filmes de séries de anime (que também costumam ser desconectados da história principal por acessibilidade) conseguem, com atenção ao seu próprio conceito e adições significativas à fórmula.
É uma pena que nada disso realmente acabou sendo implementado em Gunvolt Chronicles: Luminous Avenger iX 2. Tudo que lhe restou foi o legado de suas entradas passadas.