Kingdom Hearts é uma bagunça. Enquanto a ordem cronológica é clara, a ordem de lançamento é meio confusa. Não só pelos jogos lançarem fora de ordem, mas porque Kingdom Hearts II faz muito de sua história apoiada em um personagem e enredo que ninguém jogando na ordem de lançamento conhece. Isso me deixou em um impasse, onde depois de Chain of Memories, que ordem eu iria seguir? Cronológica ou de lançamento? Eu tentei as duas, de certa forma, mas jogar o início de Kingdom Hearts II sem ver a história do Roxas até o final pareceu… vazio. Um início perfeito pra um jogo que eu não consegui aproveitar. Quando eu joguei o II pela primeira vez, e fui até a primeira vez que você usa o Sora, eu já tinha jogado pelo menos metade de 358/2 Days, mas isso não era o suficiente pra realmente sentir o que o jogo queria que eu sentisse no início. Por isso, eu abandonei KH2 por hora, e voltei pra ordem cronológica.
Eu estou feliz de ter tomado essa decisão, e eu acho que esse foi o melhor jeito de jogar para mim, mas o problema é que em questão de gameplay, eu não tenho como mostrar uma evolução completa no jogo, porque, embora esse seja o terceiro, ele saiu depois de KH2 que evoluiu e muito toda a gameplay da franquia. Por isso, não tenho como dizer com clareza o que Days manteve, melhorou ou piorou. Assim, quando eu falar de gameplay, vou comparar esse jogo a KH1 e Chain of Memories que, pelo menos, lançaram antes dele então eu sei que esse jogo no mínimo precisa se mostrar para esses antecessores. Minha ordem pra jogar eles não tem motivo pra eu falar aqui, mas eu estou buscando deixar minha experiência com essa franquia o melhor possível e eu não aproveitaria KH2 como eu quero sem passar por Days primeiro, e aqui estamos.
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O último texto de Kingdom Hearts não foi um dos meus melhores, e o motivo é que eu falei de Chain forçadamente na época. Eu precisava falar de Chain pra seguir para os outros, mas eu não exatamente queria. Chain of Memories não é um jogo divertido de discutir fora da sua história, eu não tenho sentimentos fortes sobre ele pra nenhum lado. Eu só fiz o texto porque mais tarde eu me arrependeria de não ter feito e ia ter que jogar de novo pra escrever (como fiz com Wario Land II e 3 na época). Mas esse jogo é diferente. Days não é um dos melhores Kingdom Hearts, mas a minha experiência com ele foi muito surpreendente. Em muitas coisas, ele é o melhor até agora, e traz focos diferentes dos outros jogos da franquia, com ideias que ele apresenta e executa muito bem. Embora Kingdom Hearts tenha história, nem sempre é sua escrita que interessa ou se torna memorável para os jogadores. Ao jogar Kingdom Hearts, você provavelmente está ali pelos personagens, pelas situações divertidas, aventuras ou pela gameplay. Não que todos os jogos não tentem trazer uma história legal, mas a maioria deles cria tramas simples para ambientar um jogo divertido, com partes mais legais que outras e um enredo direto. Seria um erro dizer que Kingdom Hearts não tem foco em história, já que é fundamental para o mesmo, mas a história nunca é a parte central dos jogos e embora seja um aspecto legal que te entretém enquanto você joga, os maiores motivos pra ir até a franquia são outros, que vai variar de jogo pra jogo. Chain era um que tentou um pouco mais na história, estruturalmente falando, e é bem original nas coisas que tenta fazer, mas Days leva isso a um nível superior. Embora eu adoraria falar sobre a história com profundidade agora, nós precisamos primeiro apresentar o jogo, que é bem diferente do 1 e Chain, e do 2 também.
Esse jogo não tem Sora como protagonista, ao menos em teoria. Nosso protagonista se chama Roxas. Ele é um Nobody, um “zé-ninguém”. Ele basicamente não deveria existir, porque não tem um coração. Você acompanha ele desde seu nascimento e todo o crescimento dele em todos os âmbitos da vida. Esse jogo é sobre ele, sobre amizade, sobre o que significa viver e sobre o Sora. O jogo começa antes de Chain of Memories, e continua bem depois dele. Dessa forma, os dois jogos praticamente acontecem ao mesmo tempo, por assim dizer, e na ordem cronológica eles teoricamente estariam um do lado do outro (exceto que Chain termina bem antes). A história desse jogo é estruturada diferente dos outros Kingdom Hearts, porque é, na verdade, um slice of life. Isso significa que você acompanha o dia a dia do Roxas durante um ano.
Uma boa parte da história é sobre Roxas aprender o que é viver, e como ele não tem o direito de viver por não ter um coração. Embora não tenha um coração, ele aprende a sentir, ele aprende a amar, ele aprende a se importar com as coisas e aprende o que é ser amado também. Roxas é um protagonista muito bom que você acompanha por todas as fases do seu crescimento como pessoa. Ele é fofo, tímido e um pouco burrinho. Você se apega a ele e seus problemas, e fica feliz quando ele está feliz. A história também é protagonizada por Xion e Axel, os únicos amigos do Roxas. Os três são membros da Organization XIII, uma grupo de Nobodies que tenta conseguir corações para chegar à Kingdom Hearts. Mas, até o Roxas chegar, nenhum deles tinha o poder de conseguir esses corações pois só a Keyblade consegue.
Todo dia, Roxas acorda e pega uma missão nova em um mundo diferente. Depois da missão sobe em cima da torre do relógio em Twilight Town e come picolé com seus amigos. Sim, ele come, mastigando. Os aprendizados dele normalmente vêm das experiências nessas missões, onde ele conhece pessoas, entra em diferentes situações e expande seus horizontes, saindo de dentro do castelo um pouco. Por vezes ele é auxiliado por outros membros da organização, e com o tempo vai aprendendo mais e mais sobre o mundo e sobre si mesmo. Ele mantém todos seus pensamentos em um diário que você pode ler, porque ele é uma pessoa que pensa bastante e é muito curiosa, por isso tem muitas perguntas sobre o mundo. Roxas começa a história sem um motivo pra viver, sem um motivo pra seguir em frente. Ele não sabe quem é, de onde veio e nem pra onde ir. Não entende as pessoas a sua volta e não entende o motivo da organização existir. Se alguém se aproxima dele, ele se pergunta por que alguém faria isso, e se mandarem ele fazer algo (embora sempre o faça), Roxas quer saber no que as ações dele vão dar. Conhecendo Axel, a vida dele muda, felizmente para melhor. Axel é uma pessoa que dá significado à vida dele, alguém para se importar, que também se importa com ele. Ele faz um amigo, e aprende o que isso significa de quebra. Uma pequena nota, que Axel é provavelmente o melhor personagem desse jogo, e talvez eu fale mais disso mais a frente.
Durante um tempo na história, Axel precisa ficar fora por uns dias, e nesse tempo Roxas conhece a Xion. Xion também tem uma keyblade. Esses dois são os trunfos da organização que vão coletar os corações que a organização necessita e, com a Xion, Roxas aprende mais e mais sobre seus sentimentos que, teoricamente, um Nobody não deveria ter. Mais a frente no texto, eu vou falar mais sobre essa história, mas como vamos entrar em um ponto de spoilers, seguiremos para as outras partes do jogo, que são o que eu sou melhor em falar mesmo. Vamos falar primeiro da parte artística.
Em questão de música, até o momento, esse é (quase) o melhor ponto que a franquia chegou. As músicas ainda são reutilizadas de Kingdom Hearts 1 (e, por ordem de lançamento, do 2), mas a qualidade de todas elas são incríveis e as poucas músicas originais são especialmente muito bem feitas, memoráveis e bonitas. Algumas músicas desse jogo me fizeram chorar, e elas ficam na cabeça muito fácil, além de trazer trilhas muito boas de Kingdom Hearts 1 também, como os temas de Agrabah ou Halloween Town. Os gráficos são impressionantes de verdade, não por serem no nível de um PS2 mas por estarem em um Nintendo DS. De fato parece que você tá jogando em um PS1, mas os gráficos não envelheceram tão mal. Talvez os rostos não estejam nas melhores condições, mas os cenários e as animações são muito boas. Mas, não são gráficos muito especiais. Os menus são só bonitinhos, e as animações dos inimigos são bem simples e não muito interessantes. Com animações boas eu obviamente falava do Roxas, que nesse jogo tem muitas animações diferentes apenas pra atacar. Mas, as cutscenes pré-renderizadas são no nível de Kingdom Hearts II, que já é melhor que o 1, o que faz delas bem bonitas. São também a hora que você vai escutar voice acting, porque pelo jogo ter muito texto, são bem raros os momentos com vozes.
E agora, entramos em uma parte importante da análise, e talvez o único momento que eu vá falar mal desse jogo, a gameplay. Esse é bem diferente dos outros, mas ainda mais simples que Chain of Memories, no entanto vou tentar expressar ele com o máximo que posso pra deixar as coisas claras. Inicialmente, Days não possui a mesma estrutura de progressão que outros da franquia. Você não vai de mundo em mundo em aventuras, na verdade, Days foi feito inspirado em MMOs, e no console original ele de fato era um, e por isso o sistema dele é baseado em missões. Cada dia você vai fazer uma missão que escolher com objetivos que tendem a se repetir, como matar tal bicho, coletar tal coisa, etc. Dependendo de como isso fosse feito, podia ser uma ideia legal, mas nesse jogo não é muito. O que mais caracteriza todos os aspectos da gameplay de Days é a palavra “repetitivo”, e eu vou usar ela mais vezes por isso. E é óbvio que um sistema como esse tem muita chance de acabar sendo, de fato, repetitivo. Mas o problema não é exatamente as missões serem simples dessa forma, mas a gameplay em si não ser divertida e acabar sendo bem maçante, fazendo cada missão ser um incômodo e cada fase curta uma salvação. Um dos meus jogos favoritos sofre com essa repetitividade em missões — Phantasy Star Online na main story faz você ir e ir de novo nos mesmos lugares em quests de 40 minutos pra fazer as mesmas coisas de jeitos diferentes, e isso deixa de ser divertido em um ponto do jogo — mas, em PSO, como eu sou uma maga eu me divirto um pouco mais com a gameplay, que faz os encontros com inimigos ainda interessantes. O problema é que os encontros em Days não são tão legais assim.
Como a gameplay funciona? Antes de falar sobre de fato os controles e as lutas, esse jogo tem um sistema novo, como qualquer Kingdom Hearts, honestamente. É parecido com o sistema de cartas na customização, mas muito melhor na execução. Aqui você tem painéis. São quadrados em um inventário, onde você vai equipar todas as suas coisas, de itens, até pulos mais altos, magias, e até mesmo level ups são equipados por esse menu. O que faz ele especial é que é muito parecido com a maleta de Resident Evil 4, em que você tem que organizar suas coisas pra tentar fazer tudo caber nos espaços limitados porque a maioria do que você equipar cobre mais de um painel em vários formatos diferentes. No início, essa customização é bem limitada pelo pouco de espaço que você tem, mas enquanto você progride no jogo ela fica extremamente divertida e você consegue criar um personagem que realmente seja interessante e único, e isso é incrível. O meu Roxas não usava tantos level ups mas compensava com magia e itens, e ainda assim eu tinha LVs suficientes pra chegar a 50. Meu maior foco era adicionar atributos a skills como Guard e Dodge Roll. Os painéis em si também são interessantes, mas as habilidades que você consegue não são tão legais quanto os outros Kingdom Hearts. Sliding Dash não é um ataque, é uma habilidade que faz o Roxas dar um dash ao inimigo mais próximo apenas, e as magias não são tão divertidas de usar. Ainda assim, coisas como voar são muito melhores nesse jogo, e eu acho que a parte mais divertida dele é sair voando por aí.
Antes de falar como esse sistema se aplica em combate, precisamos passar pelos controles, que são uma parte muito importante de um jogo de ação. Pra ser sincera, eles são, de modo geral, os melhores até agora na franquia. Claro, sem contar o 2. As coisas são mais responsivas e simples, e tem bem menos menus que KH1, o que deixa o jogo mais fácil de controlar. Isso também vem com desvantagens, porque suas ações ficam bem mais limitadas. Você normalmente pode atacar ou lançar uma magia, e todas as elas funcionam de formas muito parecidas, diferente do primeiro KH, então não existe muito motivo pra preferir uma à outra a não ser pelo fator elemental de cada uma. Você no final vai usar muito mais Fire do que qualquer outra coisa.
Ter ações limitadas demais contribui pra um combate mais repetitivo mesmo, onde você vai fazer a mesma coisa de novo e de novo. Mas contribuir não é criar, significa que um jogo com só isso de opções ainda pode ser muito bom se o resto das peças se alinharem onde precisam estar, o que não acontece. A outra desvantagem da simplificação dos controles é que não existe mais mecânica de posicionamento em Days algo que fazia KH1 mais complexo e por vezes mais divertido porque fazia você pensar mais antes de atacar. As habilidades do Sora eram ativadas em diferentes distâncias em relação ao jogador e aos inimigos, também mudavam dependendo de quantos estivessem na sua frente e fazia você se posicionar melhor pra tudo. Aqui, isso não existe. Não só porque não existem ataques diferentes com o A, mas porque você não precisa acertar todos os hits para fazer um combo completo. Por vezes, isso é bem melhor, porque deixa sua vida mais fácil. Agora você pode terminar o combo inteiro mesmo que erre alguns poucos hits, mas isso também te faz muito menos preocupado em relação a onde e quando atacar, porque mesmo que você erre os primeiros dois hits, não faz diferença. O terceiro ainda vai sair e pode bem possivelmente acertar. Mas, uma coisa eu deixo claro: deixar o jogo menos irritante dessa forma não é ruim, na verdade é mérito de KH1 ser bom utilizando essas coisas, mas quando você vai tirar elas você acabou tirando uma parte importante da estratégia de Kingdom Hearts que fazia das lutas mais interessantes, promovendo não só a perda de sistemas legais, como faz o jogador pensar muito menos antes de atacar e só mashar o mesmo botão pra sempre. Isso é algo que você faz muito nesse jogo.
Um fator importante que realmente contribui pra gameplay ser extremamente repetitiva são seus inimigos, que englobam absolutamente todas as partes do que eu acabei de dizer. Todos os inimigos tem muita vida e precisam de uns seis ou sete combos pra morrer (inimigos normais que aparecem toda hora). A grande maioria deles não pede nenhuma estratégia do jogador, é só apertar A sem parar até ele morrer, e mesmo os que pedem com o tempo ficam mais e mais irritantes. Por quê? pois não importa se você já entendeu a estratégia dele, você vai repetir ela umas oito vezes até ele morrer. Porque nesse jogo todos os inimigos são esponjonas de dano e nunca morrem. Isso não faz do jogo difícil, na verdade, esse é de longe o Kingdom Hearts mais fácil que eu já joguei, mas também é um dos mais chatos e, de novo, repetitivos. Isso porque ele não pede quase nenhum pensamento do jogador, e todas as suas ações são simples. Você nem tem muitas delas pra escolher. Se você não vai mashar A até o bicho morrer, você vai usar uma magia e matar ele.
Também não faz muito sentido focar em usar diferentes tipos de magia porque cada uma no seu estoque toma um espaço nos seus painéis, e você tem usos extremamente limitados pra cada uma. É claro, dá pra fazer uma build focada apenas em magias, mas mesmo se fizer isso, você não vai ter muito a receber, já que tem tipo cinco magias e duas variações delas, que não são tão diferentes entre si. Você muito provavelmente vai usar Cura e uma outra magia ofensiva pelo resto do jogo e consegue facilmente terminar ele só com isso. Uma coisa boa sobre as magias é que elas de fato fazem alguns encontros com inimigos mais curtos, o que é um dos motivos pra eles terem tanta vida, mas esse sistema é falho porque como os inimigos são super fáceis, gastar recursos neles não seria muito inteligente. Tanto por serem muito limitados, quanto por serem inimigos que você pode facilmente matar só apertando o mesmo botão várias vezes. Mas isso vai depender de cada um, talvez ter um build mágico seja melhor nesse jogo, se as magias fossem pelo menos divertidas de usar. Os feitiços são lentos, difíceis de acertar porque a mira do Roxas é terrível, e não valem a pena o tanto de espaço que você perde nos seus painéis para equipá-los. Só que uma coisa que eu posso dizer é que o sistema de magias não é exatamente ruim, mas também não é bom, em um jogo que não tem muitas coisas boas em geral na gameplay. É um sistema funcional, no mínimo, e é de fato melhor que nada.
E já que eu mencionei a mira do Roxas, um rant que eu realmente quero fazer é que esse é o terceiro jogo que eu zero da franquia, mas o sexto que jogo, e de todos esses, cinco tem sistemas de lock on terríveis e o sexto que se safa. Eu ainda não entendo como depois de tantos jogos, a mira continua horrorosa, ainda mais depois do 2 que acertou em cheio. E aqui, você nem tem como escolher que inimigo vai mirar porque não tem dois botões de troca, mas sim um só, e se tiver oito inimigos você vai ter que ir um por um até chegar no que você quer. Eu ainda não entendi como essa franquia erra tanto nisso, sinceramente. Eu me irritei umas boas vezes tentando entender porque o Roxas decide atacar qualquer inimigo menos o que eu quero que ele ataque, que tava na frente dele, e isso me custou caro algumas vezes.
Só que, depois de tudo isso, existe uma parte do jogo que é de fato mais legal que o resto mas ainda não é totalmente boa. Esse é o primeiro Kingdom Hearts que eu não vou reclamar das boss fights. Claro, tem umas bem merdas, mas em geral, as lutas são muito boas, ao menos as importantes. São ideias bem originais de estratégias e padrões, que são mais divertidas e nada injustas. Não tem como você matar os bosses só apertando A, você tem que de fato pensar, e são estratégias legais de descobrir com inimigos divertidos de derrotar. Aliado de uma dificuldade muito balanceada no processo. Tem umas boss fights que me deixaram boquiaberta de tão legais e essas foram as que mais me deram trabalho. O problema é que esse jogo decide que vai colocar boss como inimigo normal mais pra frente e, depois que você tá bem mais forte que eles, eles viram mais um inimigo cheio de vida que morre só por você apertar A mil vezes.
Embora tenha sido chatinho de jogar, eu me diverti mais que em Chain of Memories, porque esse foi de fato um jogo que me deixou interessada do começo ao fim, e que ocasionalmente tinha lutas legais. Mas, é óbvio, o motivo pra esse ter me deixado tão fascinada é a história, que agora vou falar um pouco mais sobre.
Uma parte importante do início de Days é construir o campo no qual a história vai se desenvolver. Então, você se acostuma com o dia a dia do Roxas, com a vida calma ao lado de seus amigos, para que em muitos momentos ela seja interrompida por problemas maiores. Uma coisa que faz esse jogo especial, é que muitos desses problemas são emocionais. Os personagens são vivos, são pessoas, com seus próprios sentimentos e problemas, e todos eles estão enfrentando algo. Essa história acontece em cima de preocupações e medos, que os personagens tentam ignorar para serem felizes mas que, a todo momento, voltam para atacá-los. Days levanta questões sobre sua existência, sobre o relacionamento das pessoas e a importância das suas memórias, de maneiras muito inteligentes por meio de personagens e situações fáceis de se identificar, e você experiencia as tristezas do Roxas com ele. Days faz o espectador se aproximar dos personagens, se relacionar com eles e desejar a felicidade deles, mas vê todas as coisas darem errado, para então serem consertadas, e aí dar tudo errado de novo. Esse jogo não é exatamente pesado, mas ele te passa muita ansiedade, medo e pena. Você como jogador quer resolver todos os problemas do Roxas, da Xion e do Axel mas as coisas só pioram para eles. O maior motivo para todos esses problemas é a Organização.
Organization XIII usa seus membros como ferramentas e enxerga Roxas e Xion como armas que podem utilizar como quiserem. Os membros, por serem Nobodies, não sentem empatia, não se preocupam uns com os outros, e tudo que fazem é por benefício próprio. A organização brinca com a cabeça dos nossos protagonistas de muitas maneiras e faz eles passarem por coisas muito difíceis, porque não veem eles como pessoas, mas meros bonecos seguindo ordens seja lá quais forem. Agora, talvez entremos em alguns spoilers, então vou deixar uma imagem do Roxas indicando o começo, e aí o final dos spoilers.
O jogo começa a se mostrar no momento que Chain of Memories começa, e metade da organização é enviada ao Castle Oblivion. Enquanto Roxas só enxerga isso como uma missão longa e continua vivendo a vida normal dele, em Castle Oblivion, as pessoas estão morrendo. Essas notícias de membros mortos chegam até os ouvidos do Roxas, e é uma possibilidade que um desses membros que foram mortos seja o Axel. E sabe o que a organização tem a dizer sobre isso? Merda nenhuma. Ninguém se importa, só o Roxas. Você passa uns bons dias no jogo com esse medo, esse desespero de que o Axel pode ter morrido, e Roxas não para de pensar nisso por um segundo sequer. Então, Axel retorna. De todos os membros enviados para o castelo, só o Axel voltou. Eu quero falar mais sobre isso especificamente daqui a pouco, mas, pelo menos por agora, Roxas pode se aliviar das suas aflições… até que, então, a Xion some por dias. Quando volta, não consegue mais usar a Keyblade e os três criam um plano para que eles possam continuar, bem, vivendo. Se a Xion não tiver utilidade para a Organização, ela vai se tornar Dusk. Os “Dusk” são Nobodies sem consciência, forma ou memórias, um monstro, o que é quase o mesmo que morrer. Muita coisa acontece em diferentes intervalos de tempo com esse pessoal, como o Roxas entrar em um coma por semanas, ou a Xion se tornar um fardo pra organização e fugir em busca de conhecer a si mesma, entre muitas outras coisas que não seria tão legal ficar contando agora. Durante essa história e todas as tensões e problemas que são criados pelo enredo, o Roxas está no meio de tudo sem entender nada. Axel muda, Xion muda, e na cabeça deles mil coisas são criadas enquanto passam por diversos dilemas especiais de cada um. No meio disso, Roxas tenta entender o que está acontecendo. Por todo o rumo da história, ele está sempre no escuro sobre as coisas, ninguém diz nada pra ele, nada é explicado. Mas, ao mesmo tempo, parece que ele é a pessoa mais importante que liga todos esses acontecimentos. Desde o início do jogo Roxas tem visões com um menino vestido de vermelho passando pelos mesmos lugares que ele, falando com as mesmas pessoas, lutando as mesmas lutas, mas ele nunca tem respostas do que isso significa.
O que faz essa história especial é que ela cria e desenvolve diversos temas que se completam, e toda cena do jogo é usada para desenvolver bombas no enredo que em um ponto vão explodir. As perguntas, os medos e a amizade são desenvolvidas de maneiras muito bonitas e inteligentes no percurso de uma história que se torna cada vez mais misteriosa, enigmática e, ainda assim, muito auto-consciente: mostrando filosofias sobre o coração de alguém e o passado das pessoas, por que você existe e quem você é. E essa história faz isso por meio de um balanço muito bem feito entre o dia a dia com cenas divertidas e interessantes, mostrando por exemplo problemas menores em mundos por aí que o Roxas acaba conhecendo e se importando com, assim como mostra coisas como um dia de folga que eles ganham. Mas também usa desses momentos calmos como multiplicador para quando as coisas sérias acontecem, porque esse é um jogo extremamente sério quando precisa e, de um modo geral, é bastante trágico.
Voltando aos spoilers, esse jogo não tem um final feliz. As coisas não dão certo. Mesmo aprendendo quem eles são, os personagens não terminam a história felizes. E descobrir as respostas para o que eles tanto perguntavam foi uma das coisas que os levou a um estado mental e fisicamente deplorável. Mas, esse é um dos melhores finais que eu já vi, simplesmente por como é construído, e como ele é emocionalmente carregado do começo ao fim. Trouxe lágrimas aos meus olhos e me deixou muito emocionada em diversos momentos, mostrando como o jogo realmente me fez me importar com esses personagens. E, com isso, eu quero falar sobre a reta final dele, que é simplesmente maravilhosa.
O começo da reta final, para mim, é o momento que o Roxas decide que não existe mais nada para ele na organização. Ele não tem pessoas em quem confiar, não tem motivos para continuar trabalhando e ele busca respostas que ninguém ali tem como entregar a ele. Ele escapa do castelo não só destruindo Dusks no caminho, mas também lutando contra o Saïx, o personagem mais desgraçado desse jogo mas Deus como ele é gostoso. Depois de chutar a bunda do Saïx, Roxas consegue sair da organização e tem uma última conversa com o Axel, em que Roxas diz que ninguém vai sentir falta dele, enquanto Axel diz que ele sentiria. Nesse ponto, a relação entre os dois não estava nas melhores, quem está certo e quem está errado é irrelevante, mas Roxas não confia mais no Axel, e essa é a última vez que eles se falam. Roxas vai até Twilight Town, talvez o lugar mais importante de Days, e sobe até a torre do relógio, onde ele senta e fica se perguntando o que está fazendo. É aí que a Xion aparece.
Xion está triste, preocupada, e diz que não tem mais tempo. Quando ela revela seu rosto pro Roxas, ele só consegue ver o rosto de um menino. O rosto do Sora. O que acontece, é que, enquanto Naminé está tentando recuperar as memórias do Sora como ela disse que faria no fim de Chain of Memories, memórias importantes dele estão tanto no Roxas, quanto na Xion. De certa forma, os dois são o Sora, e a organização precisa de ao menos um deles porque eles querem o poder do Sora, além de prevenir que ele acorde. Embora eu adoraria mostrar o diálogo inteiro, vou ter que avançar e dizer que a Xion tomou uma escolha, uma escolha que ela julga que é a melhor para todas as pessoas. Ela se levanta e dá um passo para a frente saindo de cima da torre e começando a caminhar no céu. Xion então se deforma, seu corpo muda, ela se torna um monstro, e leva o Roxas para outros mundos, em uma batalha extremamente emocionante e pesada entre Roxas e Xion. São batalhas até bem difíceis, mas a parte importante é que você tá lutando contra a Xion, e não é só um treinamento. Esses dois estão lutando a sério, e quem perder não vai sair com vida.
Na última forma da Xion a música ganha um tom triste, e ao mesmo tempo épica. Xion se transforma em um monstro gigante e tem sua última luta contra o Roxas na frente da torre do relógio em Twilight Town, o lugar mais importante para o nosso trio, onde eles passaram seus dias juntos. Os três juntos, se divertindo e se importando uns com os outros, o lugar onde a amizade deles começou, cresceu, e agora, termina. Você é o protagonista, então é óbvio que o Roxas vence, e quando ele o faz, o chão no céu se quebra e os dois caem no chão na frente da torre. Nesse lugar, Roxas segura Xion nos braços enquanto vê ela dar seus últimos suspiros. Nesse último diálogo, a Xion fala como ele e o Axel são importantes pra ela, e como tudo isso é o melhor que poderia acontecer. Lentamente, Roxas começa a esquecer sobre ela, porque, quando a Xion for embora, ela vai deixar de existir, e ninguém mais vai lembrar dela. Não existe uma morte pior. Roxas já chorou antes, mas todas as vezes foram por causa de memórias do Sora. Dessa vez, ele chorou porque ele foi quebrado por dentro. Por um momento, Roxas tinha algo parecido com um coração. Nos seus últimos momentos, Xion pediu a Roxas que destruísse Kingdom Hearts, e devolvesse todos os corações que eles coletaram, e ele promete que vai fazer.
Os momentos finais do jogo são em um cenário chuvoso, no mundo da organização (The World That Never Was). Roxas, encapuzado, segura duas keyblades — uma delas da Xion — e destrói todos os inimigos no caminho dele para chegar ao castelo, para enfim poder destruir Kingdom Hearts. Mas, na entrada, ele encontra Riku, o impostor que esteve com a Xion todo esse tempo. Roxas dá a ele uma das keyblades, e os dois lutam. Essa é a luta final. Não há muito o que falar; embora o Roxas tenha vencido a primeira, Riku liberou a escuridão dentro de si e com isso derrotou o menino, o impedindo de invadir a organização. É muito legal como nesse jogo Riku foi um personagem extremamente ativo, e a importância dele para a história é muito grande fazendo dele um personagem fundamental. Embora não seja o final mais hype do mundo, o final de Days não é feliz de qualquer forma então é óbvio que nem a promessa que Roxas fez poderia ser cumprida. Nos momentos finais do jogo, Roxas não é mais a mesma pessoa. Agora, ele é um menino vivendo em Twilight Town, com seus amigos, sem saber nada sobre a organização, sobre o Sora, sem lembrar do Axel e especialmente da Xion. Esse é o Roxas que começa Kingdom Hearts II.
Sobre a história, isso seria tudo que eu queria falar, mas como a gente tá na seção de spoilers, eu vou abrir um grande parêntese pra falar sobre o Axel, o personagem mais legal do jogo, então podemos terminar a análise. Axel é um arquétipo de personagem que eu realmente admiro, ele é o “irmão mais velho” (Zero em Megaman X, ou Akihiko em Persona 3). Roxas vai até ele para pedir conselhos e perguntar coisas, enquanto Axel o auxilia e apoia em tudo que ele fizer como um bom amigo. Ele é um personagem meio bobinho, mas longe de ser um alívio cômico, tem um jeito mais descontraído e é razoavelmente preguiçoso. Superficialmente, ele é apenas um cara legal. O que faz ele interessante, no entanto, é conhecer ele em Chain of Memories, descobrir o que aconteceu em Castle Oblivion.
Em Days, conversas com o Saïx fortemente apontam uma realidade sombria dentro do Axel, e como ele nunca foi a pessoa que ele é para Roxas e Xion. Durante todo o jogo, você não sabe se pode realmente confiar nele, e não sabe o que ele vai fazer. É um personagem que fica em um constante dilema entre seguir a razão ou seus sentimentos, porque embora Nobodies não tenham um coração, Axel é provavelmente o que mais parece ter um entre eles, de certa forma. Só que, eu tava falando de Chain of Memories né? Então, o que esse personagem sentimental, divertido e bacana é em Chain of Memories, um lugar onde não tem Roxas ou Xion?
Em Chain of Memories, Axel é um assassino sangue frio. Todos que morreram em Castle Oblivion foram mortos por causa Axel, direta ou indiretamente, e as pessoas que ele matou diretamente ele matou por motivos egoístas e desumanos. Para o Axel, foi extremamente fácil trair pelo menos três vezes todas as pessoas no castelo. Para o Axel, foi mamão com açúcar matar dois colegas da organização ou para manter seu incrível disfarce como traidor, ou para simplesmente não deixar nenhuma informação sair desse lugar. Axel matou Vexen simplesmente pra manter uma imagem para o Marluxia, mostrar que ele era leal ao homem que ele logo iria trair em prol da organização (que, enquanto se aliava ao Marluxia, estava disposto a trair também). Axel matou Zexion simplesmente porque, embora ele fosse leal à Organização, sabia demais sobre o que aconteceu no castelo, e Axel queria manter tudo em segredo.
Embora em Chain ele seja um vilão que não exatamente faz mal ao Sora do início ao fim, Axel não é um cara legal. Não, ele não faz as coisas simplesmente pelo bem da organização, na verdade ele não dá a mínima pros métodos dele. Se ele precisar matar pra chegar onde ele quer chegar, ele vai, e as traições dele levaram à morte de ainda mais membros da organização. Axel, o cara legal que se preocupa com seus amigos, na verdade é um assassino, o que deixa a parte boa dele mais interessante.
Roxas e Xion causaram uma mudança extremamente repentina nele, deram à ele sentimentos e algo pra se importar, e durante o jogo o mesmo fica nessa linha tênue entre ser um membro da organização e ser um amigo. Essa dualidade no personagem faz dele o mais interessante no jogo, e cria uma profundidade maior nos rostos presentes na história, onde, embora não seja conectado ao Sora como Roxas e Xion, ele tem seu espaço como personagem importante na trama e sem ele nada poderia acontecer. Ele é um membro essencial da organização, um amigo fundamental na história do Roxas e uma peça importante que movimenta a história de Kingdom Hearts. Axel é o cara mais legal e assustador do mundo e eu amo muito ele.
Tudo bem, fim dos spoilers. Eu não sou boa pra falar de história, talvez tenham percebido. Eu sou muito melhor falando de gameplay, mas esse jogo é completamente enredo e texto então tive que me esforçar. Vamos terminar a análise daqui a pouquinho, mas antes disso vamos falar de pequenas coisinhas menores.
Quando você termina Days, ele não exatamente peca em conteúdo. Na verdade, ele tem um Mission Mode, um modo em que você pode realizar as missões do jogo só que… com qualquer personagem. Sim, você tem todos os membros da organização, e mais, como Donald, Pateta ou Riku. Até Sora! O problema é que eles são, sinceramente, o mesmo personagem. Sabe, eles tem ataques diferentes, e dão diferentes valores de dano (o Marluxia praticamente não dá dano e só serve pra magia), mas é só isso que muda. Como eles usam os seus painéis do Story Mode, eles tem as mesmas habilidades que o Roxas, como voar, pular alto ou dar airdashes. A única coisa que faz esse modo realmente interessante é a novelty de realmente estar usando outros personagens, porque é muito interessante um jogo ter tantos personagens adicionais programados, mesmo que eles controlem igual (afinal, tudo nesse jogo é pelo sistema de painéis, então só os ataques normais podem ser diferentes mesmo). Ainda assim, seria realmente interessante se cada personagem tivesse um set de painéis próprios, presets que fariam a gameplay de cada um mais única e profunda, e daria mais motivos pra usar um personagem ou outro, além de você gostar mais de um ou outro. No final, infelizmente, o Roxas acaba sendo o mais divertido deles ainda assim, o que não é muito bom já que a gameplay continua repetitiva com ele.
Uma última coisinha é que esse jogo também reutiliza mundos de KH1 o que eu honestamente já cansei, mas aqui eles são bem mais interessantes em sua maioria, e na verdade ele não tem todos, porque decide desenvolver melhor os poucos que tem. De igual modo, os que ele reutiliza estão completamente refeitos, com muuuitas áreas novas. Na verdade, mundos como Neverland foram completamente refeitos e agora não é só o navio do Capitão Gancho, mas sim arquipélagos inteiros. E os mundos em geral são bem interessantes por possuírem problemas próprios que são bem desenvolvidos durante o jogo, embora alguns não terminados (porque é plot do 2). Mesmo os mais simples servem de aprendizado e desenvolvimento para os nossos protagonistas, o que faz deles interessantes por si só. Beast’s Castle é um dos mundos mais legais, simplesmente porque Roxas e Xion exploraram ele juntos e eles são muito fofinhos compartilhando um único neurônio enquanto exploram o lugar.
E, com isso, nós terminamos. Eu não sou boa terminando esses textos, sabe, mas esse foi um mais divertido de escrever na época. Foi um bom experimento para mim falar sobre história uma vez na vida, e mesmo agora tenho um pouco de medo da recepção desse texto, mas de um modo geral, tanto escrever quanto jogar foram experiências boas e eu estou grata por elas.
É meio estranho escrever tudo isso e terminar o texto em tão poucos parágrafos mas realmente acho que não tenho muito mais a dizer, e como já tá longo vamos terminar por aqui mesmo. Eu pelo menos espero que a qualidade desses textos não esteja decaindo.
Os últimos dois jogos que eu joguei, esse e Chain, foram apenas uma preparação pro que está por vir. Agora, nós vamos finalmente ver Kingdom Hearts II, considerado o melhor da franquia. Eu tô bem ansiosa para que leiam esse texto. Boa noite e obrigada por terem lido.