Loop Hero é o primeiro lançamento grande do estúdio Four Quarters, que antes publicava pequenos jogos gratuitos em sua página do itch.io como parte da game jam Ludum Dare. Loop Hero era um destes, sendo uma mistura de jogos de carta com um RPG roguelike de estratégia, mas o grande potencial que ele tinha fez com que o estúdio resolvesse fazer uma versão completa do jogo.
Sendo publicado pela Devolver Digital, será que o conceito único do jogo é o suficiente para justificar a sua longa jornada?
A história
1. O básico
A narrativa de Loop Hero não é exatamente simples, mas é passada de maneira rasa na gameplay e deve ser descoberta de maneira profunda pelo jogador ao comprar páginas da enciclopédia no jogo.
Ele se passa em um mundo onde tudo está sendo apagado e esquecido de maneira rápida, onde somente a protagonista tem a habilidade de “lembrar” partes do mundo e trazê-las de volta. Com esta habilidade, ela monta um acampamento junto de outros sobreviventes e descobre que toda hora que ela morre, volta à vida.
Assim, ela faz jornadas no mundo apagado para tentar descobrir quem ou o que causou o fim do mundo como era, enfrentando várias criaturas inspiradas em RPGs clássicos e reconstruindo infinitamente o mundo ao seu redor.
2. Como ela é contada
Além da premissa básica, a já mencionada enciclopédia é o jeito de entender mais como funciona o universo do jogo. Ela traz muito mais informações e de maneira mais clara que qualquer diálogo do jogo, e isso não é necessariamente algo ruim.
Esse estilo de contar a história (e até os temas de esquecimento do mundo e do quão fraca é a protagonista, mesmo com sua “imortalidade”) é muito provavelmente inspirado na saga Dark Souls, trazendo um ar fresco de descoberta e mistério ao universo do jogo.
3. As personagens
Algo que claramente não é inspirado na saga Souls é a maneira que os NPCs agem. Eles podem ser levemente peculiares, mas todos passam a impressão de que são apenas pessoas tentando viver suas vidas normalmente e querendo que o mundo volte ao normal. Eles são agradáveis e mesmo que tenham poucas linhas de diálogo, ajudam a fortalecer os temas do jogo.
Não só isso, mas os inimigos também conversam com a protagonista (mas apenas na primeira vez que você os encontra, excluindo bosses) e apresentam seus motivos, que não são maléficos, e explicam que eles só estão tentando sobreviver com a falta de recursos que veio em consequência da escuridão do mundo.
No geral, a história é um dos fortes de Loop Hero. Ela aparece pouco, mas constrói um universo coeso em seu fim e demonstra a perseverança e união dos humanos que o habitam. O conceito de um mundo sendo quase completamente apagado e restaurado pouco a pouco funciona bem para justificar não só na história, mas também a gameplay.
Os gráficos
O aspecto visual de Loop Hero é outro de seus maiores fortes. Os gráficos mudam bastante dependendo do que o jogador esta fazendo, e o jogo basicamente usa três estilos de arte.
O primeiro é nos diálogos, onde os retratos dos personagens são mostrados. Este estilo é extremamente detalhado e demonstra um estilo mais pé no chão, mas ainda assim “cartunizados” o suficiente para ficarem distintos. Os retratos da protagonista inclusive mudam dependendo de sua classe atual.
O segundo é na parte de estratégia da gameplay, onde o estilo lembra muito mais os clássicos RPGs de PC antigos como Ultima V e VI, e os personagens e inimigos portam um visual mais antigo ainda, similar à Dwarf Fortress.
A mescla destes gráficos torna o jogo facilmente legível na parte de planejamento, pois a protagonista é a única que tem seu sprite branco, e tanto ela quanto os inimigos contrastam bem com as construções pela diferença drástica de estilo.
O terceiro é em combate, onde os gráficos lembram mais jogos de turno em 2D da era do Super Nintendo (mas mais detalhados). O fundo representa sutilmente o tipo de ambiente que a protagonista se encontra, sem causar muita poluição visual ao jogador: indicadores de dano, evasão e parry continuam bem visíveis contra o fundo escuro.
Detalhe e estilo, mas sem variação
Os gráficos são um ponto bem atraente do jogo para quem gosta desses traços, e traz uma nostalgia de antigos RPGs. Eles fazem bem seu trabalho, mas com um ponto bem negativo: eles não tem nenhuma variedade no decorrer da campanha.
Por toda a jornada de Loop Hero, você constrói o cenário usando cartas para montar os terrenos, mas em toda jogatina o cenário irá continuar praticamente o mesmo, introduzindo várias cartas de cenário ao mapa mas ainda sempre com o fundo preto. Isso é algo que não muda no decorrer dos quatro capítulos do jogo, em que as únicas diferenças gráficas são os chefões diferentes que aparecem em seu final.
Considerando que a campanha completa do jogo gira em torno de 30 horas, é bem fácil de enjoar dos gráficos do jogo. O estilo gráfico ser “vazio” e meio repetido faz sentido considerando os temas do jogo, mas a sua execução foi longe demais na mesmice.
A gameplay
Ah, a gameplay. Essa é sem dúvida a parte principal de Loop Hero, que possui muitas peculiaridades. Ela consiste em duas partes principais: A base, onde você faz constrói estruturas, faz materiais e monta seu deck de cartas; e o loop, onde o jogo funciona como um RPG de turnos automático com um foco na estratégia onde você controla tudo, menos a protagonista.
Na parte do loop, você vai construindo o cenário que começa vazio apenas usando suas cartas, que podem adicionar lugares de buffs na protagonista, spawnar inimigos ou trazer habilidades especiais. Enquanto isso, a protagonista entra em um loop infinito que começa em seu acampamento, onde a cada loop, os inimigos aumentam de nível.
Para combater vilões com seus poderes constantemente em crescimento, o jogador deve equipar itens com níveis e estatísticas apropriadas, que caem aleatoriamente dos inimigos derrotados. Além disso, o jogador tem que estrategizar com cautela quais cartas de spawn de inimigos irá colocar em jogo, e nos momentos certos para a protagonista não morrer.
Para convocar o chefão do capítulo, o jogador deve encher um certo percentual do mapa com as cartas, e esse percentual aumenta a cada capítulo. Ao morrer, o jogador perde 70% dos seus materiais (e volta ao início do capítulo), mas se ele voltar para qualquer parte que não seja o acampamento, ele perde apenas 30% deles. Se ele voltar dentro do bloco de acampamento, ele mantém todos os materiais conquistados. Estes materiais se tornam parte da base.
A base de Loop Hero é inicialmente simples, mas importante. Com os materiais ganhos nas jornadas, a protagonista pode construir diversos lugares para melhorar atributos ou ganhar cartas novas para usar. Os materiais possuem condições especiais para serem conquistados e adicionam ainda mais um elemento de estratégia ao jogo. Várias outras mecânicas são específicas à esta parte do jogo, mas o impacto delas não é muito grande.
O bom
Tendo em mente a complexidade do jogo, ele é realmente único. Eu não conheço nenhum outro jogo com conceitos tão singulares sendo misturados de uma vez só, e isso faz dele uma experiência interessante em seu início. Várias das mecânicas são hardcore em conceito, mas modernizadas nas áreas certas, e ver sua protagonista evoluindo gradativamente no decorrer de um ciclo é satisfatório.
Estrategizar a construção do cenário e montar o deck de cartas é a melhor parte do jogo, pois é balanceada e variada o suficiente para continuar interessante até certo ponto. A presença de três classes também gera um pouco de variedade necessária para não deixar o jogo enjoativo.
O mau
Infelizmente, essas mecânicas não são o suficiente para tornar Loop Hero um indie essencial. A extrema repetitividade dos capítulos com pouquíssimas mudanças não faz nenhum favor à falta de variedade presente no jogo, e a presença de diversas mecânicas secundárias na sua base tira o foco da campanha principal e acaba deixando a parte de jogo de carta rasa.
Existem poucas possibilidades de decks e playstyles relacionados à eles, e a maior parte da variação de playstyles se encontra nas classes.
As classes de Guerreiro, Ladrão e Bruxo são uma adição interessante, mas o Ladrão é muito mais fraco e simples que os outros, o tornando uma péssima opção para o combate, mesmo com ele possuindo duas facas, já que ele praticamente só recebe loot dos inimigos quando completa um loop, apagando boa parte de seus espólios (já que quando seu inventário enche, o jogo automaticamente deleta seus itens mais antigos) e tornando-o inviável em comparação aos outros.
No início de uma run de Loop Hero, o equipamento mais essencial é a espada, pois mesmo com uma ótima armadura, anel ou escudo, o jogador demora muito tempo para matar os inimigos sem uma espada boa, sacrificando boa parte de sua vida. Isso se torna um problema quando em algumas das dezenas de runs necessárias para terminar o jogo, a protagonista pode passar até seis loops sem receber nenhuma espada melhor que as iniciais, basicamente jogando seu ciclo fora.
A mecânica de perder boa parte dos seus recursos (e todos os itens raros!) ao morrer é contraintuitiva e gera um grande nível de desconforto no jogador, pois se ele estiver em combate, ele não pode voltar para a base, então entrar em combate acaba ou com ele sendo vitorioso ou com ele perdendo 70% de seus recursos.
Isso torna lutas contra chefões extremamente frustrantes, pois é impossível saber quais as estratégias necessárias para matá-los (e é necessário ter elas em mente desde o início da run para executá-las), deixando um grande sentimento “azedo” em todo o primeiro encontro com um chefão, pois o jogador sabe que provavelmente não vai sobreviver à luta e consequentemente perderá seus recursos.
É bom notar que isso pode ser evitado com um recurso que é ganhado ao matar um boss, que permite que você mantenha 100% de seus recursos ao morrer; porém, para obtê-los na quantidade necessária para manter seus recursos após uma luta de chefe, é necessário o famigerado grinding, que acaba trazendo o mesmo fator de frustração.
Todos esses pontos negativos (e muitos outros) estragam completamente algo que poderia ser uma boa experiência em troca de outra extremamente longa e frustrante, com pouquíssima variação e muitas mecânicas desperdiçadas.
O feio
Além de todos esses problemas, acho necessário dedicar uma parte dessa análise para ver o jogo por um viés mais pessoal e demonstrar transparência, pois eu não consegui terminar Loop Hero.
Isso pode até estragar a validade da análise para alguns, mas eu joguei 27 horas do jogo, terminando três dos quatro capítulos antes de finalmente desistir. Tendo recebido o jogo com antecedência, vários problemas de crashes me fizeram largar a minha jogatina.
Em uma das vezes, eu perdi uma run de 30 minutos, e na outra perdi mais de 40 minutos no chefão do terceiro capítulo. Eu acabei terminando o terceiro capítulo no fim das contas, mas mais de uma hora de gameplay foi jogada fora com esses crashes.
Além disso, a enorme falta de variedade já citada anteriormente faz da experiência algo extremamente entediante e frustrante, já que a única coisa que o jogador pode fazer para passar de um capítulo é grindar, que eu senti que é uma enorme perda de tempo.
Existem vários jogos como World of Warcraft, Payday 2, Slay the Spire e outros que requerem muito tempo e dedicação do jogador à um loop de gameplay repetitivo para conquistar algo dentro dele, mas isso não é algo necessariamente ruim (como eu já comentei na análise de Scott Pilgrim); no entanto, em Loop Hero o grind não traz nada de novo ou interessante para a dinâmica do jogo, mesmo sendo obrigatório para terminá-lo.
Então este é meu aviso para quem está interessado no jogo: o grind é sem graça pois o loop de gameplay não é satisfatório o suficiente para justificá-lo, e ele ainda pode ser relativamente instável com crashes (estes são provavelmente relacionados às cartas de ouro do jogo).
…Vale a pena?
Loop Hero possui muitas qualidades como uma história boa e temas interessantes, além de gráficos executados de maneira fiel aos vários estilos passados e uma gameplay muito única, mas ele peca severamente em sua variedade e balanceamento. A longa jornada pode até se tornar mais fácil de aguentar ao seguir um guia ou algo parecido, mas jogar Loop Hero sem saber nada sobre o que ele é pode torná-lo uma experiência dolorosa.
Uma cópia gratuita de Loop Hero para a plataforma PC foi concedida pela Devolver Digital para análise no Recanto do Dragão.