Opções de Dificuldade — o assunto polêmico em que todo mundo quer opinar

Opções de Dificuldade

O que você pensa sobre um modo difícil? Ou um modo fácil? Esse é um assunto que não sai da boca do gamer médio e assombra todo mundo porque é realmente um saco e as pessoas são muito infantis falando sobre. Não tem como ter certeza de qual lado ficar porque o pessoal é realmente bem ignorante em um assunto que é até bem simples, mas que ainda traz muito conteúdo pra abordar. Ontem à noite, tive uma conversa sobre dificuldade e algumas práticas de jogos antigos que considero arcaicas sem complementar o design do jogo. Aí, hoje, comecei a jogar Megaman X8, um dos “Mega Mans” que mais joguei na vida, e me deparei com um esquema de dificuldades bem interessante.

opções de dificuldade
Essa fase vai te forçar a entender o problema

Em X8, você tem um número limitado de continues para poder voltar à vida. Você acaba voltando do último checkpoint, o que é esperado. O problema é justamente o jogo ser bem difícil, te “sacaneando” o tempo todo, de modo que ele demonstra a intenção de querer te fazer morrer pra lhe obrigar a aprender todos os detalhes das fases; mas toda vez que você morre, não há uma chance de ficar tentando a fase de novo. Isso acontece porque o limite máximo de continues que você pode acumular são 4, e você precisa comprá-los. Isso torna a experiência muito cansativa e estressante, e exige muita paciência (e autocontrole) pra terminá-lo porque ele vai acabar te irritando constantemente por conta dos continues. O menor errinho é cometido e você é obrigado a recomeçar essas longas fases desde o início.

No entanto, o jogo possui um modo fácil que, bom, facilmente conserta esse problema enquanto torna o jogo mais justo. Agora você possui continues infinitos, ainda voltando aos checkpoints normalmente. Você também começa com seus personagens bem mais fortes. Isso não elimina a dificuldade, afinal platforming e puzzles vão continuar quase intactos nesse quesito, enquanto os encontros mais difíceis com inimigos vão fazer você morrer algumas vezes até aprender (só vai ser bem menos absurdo que na dificuldade normal).

O problema com o Easy Mode é, na verdade, ser chamado de “Easy Mode” (e a decisão da Capcom de tirar conteúdo dele), porque nós já internalizamos a ideia de que “jogar no fácil é roubar” e não é a verdadeira experiência que os desenvolvedores queriam que você tivesse. Isso faz com que as pessoas se sintam culpadas e as compele a se afastar do modo fácil, simplesmente pela carga pejorativa que seu nome conota. A questão é que se o jogo só tacasse as dificuldades para cima, transformando o Easy em Normal, esse problema não existiria. É tudo meramente uma questão cultural e psicológica.

Mas e se os desenvolvedores quiserem que você jogue nesse Hard (que antes era o “Normal”) desde o início? Bem, ele continua disponível, assim como o modo Easy, mas com os nomes trocados, e por isso ninguém vai se sentir culpado ao escolher qualquer um deles. Só que aí também temos outro pensamento internalizado de que o Normal é a “experiência definitiva de cada jogo”, o que também é uma presunção errônea.

O motivo de existir uma dificuldade é adaptá-lo de modo que fique balanceado para cada jogador. Dessa forma, muitas pessoas vão enfrentar um desafio real mesmo jogando no Fácil, porque é o nível que elas tem de habilidade, e não tem problema nisso. Da mesma forma, se o jogo fica muito fácil, você tem todo o direito de colocá-lo no Hard. A questão é que se te disponibilizam esses modos, você não deveria sentir qualquer culpa em jogar neles no geral.

Um jogo que faz o que eu citei com X8 é Kingdom Hearts II. Por conta do feedback de fãs do primeiro sobre o jogo ter sido muito difícil, a continuação fez justamente o que eu falei  —  “jogou as dificuldades para cima”. Assim, o Standard (Normal) é na verdade uma experiência feita para ser mais fácil e acessível comparado com o primeiro título, enquanto o “Proud Mode” (Hard) seria o Normal, que as pessoas mais experientes procuram. Ambos os jeitos de jogá-lo estão “corretos”, mas é bom que você escolha a dificuldade que mais se adequa a você. O jogo também tem um modo fácil, mesmo que não precise, para as pessoas que realmente quiserem uma experiência muito fácil; isso também é válido se ele te dá essa opção.

opções de dificuldade

Mas e aí, e o modo difícil? A versão Final Mix de KH2 adicionou mais uma dificuldade chamada “Critical”, que é o Hard do jogo, mas algo muito bom dela é que é uma dificuldade extremamente justa para qualquer pessoa. De fato, é o modo mais difícil disponível por cortar seu HP pela metade, mas você também começa com muitas habilidades, AP praticamente infinito (que significa poder equipar qualquer habilidade) e dá mais dano que ambos Standard e Proud. KH2 acertou muito na sua dificuldade e qualquer experiência nele é válida.

Pedir que um jogo tenha um modo fácil não é diferente de pedir que ele tenha um modo difícil. Um desenvolvedor tem a possibilidade de balancear sua obra como quiser, e se ele sentir necessário pode balanceá-la várias vezes para diferentes níveis de habilidade. A questão é completamente psicológica, como eu disse antes.

Ao invés de chamar de “Fácil”, “Normal” ou “Difícil”, você poderia chamar de coisas muito menos extremas como “Casual”, “Moderno” e “Clássico” (se inspirando nos jogos difíceis antigos). Dessa forma, o jogador também não poderia dizer com 100% de certeza qual desses modos é o normal, e esse é justamente o intuito, você vai jogar no que acha que é melhor para você. E, se realmente quiser um modo que diga que é difícil, tem sempre a possibilidade de ter um “Hardcore”, que indique que é a experiência mais desafiadora e as pessoas que escolherem vão saber com o quê estão se metendo.

O problema é apenas nossa visão de achar que existe uma dificuldade que seja válida enquanto outra não. Se está disponível no jogo, é parte dele, então você pode usar e ainda ter uma experiência válida. Talvez você precise especificar que jogou em certa dificuldade mais fácil ou mais difícil, mas é errado pensar que o jogador que jogou no normal também não precisaria especificar sua dificuldade só porque o nome do modo é “Normal”.

Um jogo que fez dificuldade de uma maneira inteligente é Devil May Cry 3 (que coincidentemente também é da Capcom). Não, eu não me refiro à dificuldade na escolha das missões, que são “Fácil”, “Normal”, “Difícil” e etc., mas sim a uma opção que você precisa escolher quando cria seu save, algo que define sua dificuldade muito mais que esse menu. Embora o jogo faça um trabalho muito porco em explicar pra você o que significam, quando você começa uma campanha ele deixa você escolher entre os modos “Gold” ou “Yellow”.

Em DMC3, você revive imediatamente ao morrer, como na maioria dos jogos. Na loja, você pode comprar algo chamado Orbe Amarela para poder reviver no exato lugar onde morreu, podendo terminar uma luta que acabou perdendo. Isso é muito bem balanceado, porque as Yellow Orbs são caras, muito caras, e esse dinheiro é usado em todas as coisas do jogo, principalmente em deixar seu Dante mais forte, habilidoso e divertido de se controlar, além de você ter a oportunidade de comprar outros itens para te ajudar de outras formas. Isso faz você gastar seu dinheiro de maneira inteligente, e usar uma orbe amarela não invalida sua experiência — você pagou por ela, um preço alto e justo.

Só que isso é apenas se você escolheu o modo “Gold” no início do jogo, que é o modo mais justo e que melhor combina com o design do jogo em geral. Mas se por acaso você escolheu o “Yellow“, as coisas mudam bastante. Agora as orbes amarelas vão te ressuscitar no último checkpoint, recomeçando o encontro da arena. Isso significa que, se você não tiver nenhuma no estoque, onde vai parar? Sem uma orbe amarela, você precisa reiniciar a missão do zero.

As missões de Devil May Cry podem ser bastante longas, e mesmo quando não são, você ainda vai perder muito tempo indo do início da missão até o final para, por exemplo, lutar com o mesmo chefe várias vezes até estudá-lo por completo. Essa ideia não combina com o jogo, que é MUITO desafiador, e não casa com o conceito da curva de aprendizado que quer passar. Afinal, sempre que perder, você é obrigado a passar por muitas e muitas coisas que já aprendeu para voltar ao lugar que você ainda precisa dominar e que, em cada derrota, vai levar muito tempo pra poder tentar de novo.

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Yellow Mode

Agora, a coisa legal é justamente como esses modos são apresentados. “Gold” e “Yellow” não significam nada. São cores. Ninguém pode dizer qual é o “certo” de jogar, é você que decide. Você decide qual é mais justo para suas preferências, e embora a maioria concorde que seja o Gold, não há nada que te impeça de jogar no Yellow caso achar o jogo muito fácil. Ele é, de certa forma, o modo “Hardcore”, mas com outro nome.

Essa decisão de design faz com que o jogador simplesmente se sinta confortável onde quiser, ao invés de se forçar a jogar em uma dificuldade ou outra. É claro, o jogo ainda tem missões fáceis, normais e etc, mas mesmo elas são feitas de um modo muito melhor, afinal, você pode trocar a dificuldade toda vez que termina uma fase, só não pode jogar a missão 5 no easy e esperar que vai desbloquear a 6 no normal. Você precisa jogar cada missão em cada dificuldade. Isso não só é inteligente, mas também estimula jogadores que não entendem o jogo muito bem a experimentarem com as dificuldades, talvez começando pelo modo fácil para aprender e depois ir para uma mais difícil. Ajuda muito ser um jogo com uma grande variedade de armas e habilidades, também elevando a sua rejogabilidade.

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Se fizéssemos a mesma coisa com X8, iria funcionar muito bem. Antes de escolher a dificuldade, você podia facilmente ter a decisão entre seu próprio “Yellow” e “Gold”. No Gold seus continues são infinitos, no Yellow você precisa comprá-los. Agora não é mais uma decisão de dificuldade Normal, e você não se sente pressionado a jogar nenhum deles. Depois de escolher isso você pode ainda definir a dificuldade do jogo nos padrões, decidindo agora o quão forte são os inimigos e seus personagens ao invés de ter ou não continues justos.

Só que existem jogos que fazem dificuldade de maneira muito mais inteligente e divertida, que nem sequer precisam oferecer uma opção. Acho que tá ficando bem estranho falar da Capcom, que trouxe nosso exemplo falho, o nosso acerto e agora, o acerto definitivo. Resident Evil 4, assim como os REs mais recentes, tem uma mecânica de dificuldade adaptativa. Embora você possa escolher a dificuldade quando vai criar seu save, eu defendo que, para qualquer pessoa, nesse caso, o Normal é a dificuldade ideal. Isso porque nele, enquanto você joga, algumas coisas importantes são alteradas em muitos lugares para se adaptar ao nível de habilidade do jogador, sempre oferecendo uma experiência jogável, mas desafiadora.

Resident Evil 4 analisa seus usos de itens, sua precisão com disparos, o dano e as mortes sofridas, além de outros parâmetros, e então muda coisas no jogo de forma dinâmica para sempre oferecer um desafio justo. Ele disponibiliza ou reduz itens e munições, ou dá itens e munições diferentes dependendo de como você joga. Ele também pode tirar ou adicionar inimigos, às vezes apagando alguns completamente em certas salas caso você não seja tão hábil. Dessa forma, a experiência vai se adaptar constantemente, considerando cada momento que o jogador estiver ativo. Se você começar meio mal e for melhorando, ele vai sempre ficar mais desafiador para acompanhar seu progresso. e por isso é um jogo que simplesmente funciona muito bem sem precisar tanto dos níveis de dificuldade.

NOTA DO EDITOR: A dificuldade adaptativa de Resident Evil 4 se encaixou de forma tão natural que demorou quase uma década para ser descoberta pela comunidade, passando até a ser explorada propositalmente por speedrunners e virando uma mecânica de sucesso nos REs posteriores.

Mas vale lembrar que o modo mais difícil disponível, “Profissional”, possui seu valor de dificuldade travado na vida e agressividade máxima para inimigos, só sendo desbloqueando ao zerar pelo menos uma campanha no “Normal”.

Além desse sistema, você também tem acesso a opções como um Lança-Mísseis, que é uma arma cara que ocupa espaço demais no inventário limitado, mas pode acabar com qualquer encontro em um hit só. E como você consegue o dinheiro para ela? Explorando! Dessa forma você pode, apenas se quiser, compensar sua grande dificuldade em uma luta com sua exploração e manutenção de seus recursos (algo que não exige tanta habilidade mecânica comparado com o combate direto), e pagar um preço justo para poder passar de uma parte que você não se julga capaz ou que simplesmente não tem paciência o suficiente para jogar.

Mas vamos olhar de novo para o momento que um jogo realmente tem modos de dificuldade. Nós podemos simplesmente jogar em qualquer uma, simples assim. No entanto, e se um jogo não tiver nenhum modo fácil ou mais difícil? Esse é um assunto um pouco mais complicado, e minha opinião pode ou não ser controversa.

A verdade é que jogos são feitos para lazer, então você não precisa se estressar em um jogo se não quiser. Ao mesmo tempo, você não precisa ser capaz de terminar qualquer jogo no mundo. Se um jogo tem como proposta ser muito difícil e os desenvolvedores se recusam a oferecer um modo mais fácil, esse é o jogo. Talvez você sinta que foi deixado de fora e que não vai conseguir jogar, mas você deve ter em mente que ele pede para que todos os jogadores, sem exceção, o aprendam e joguem-no em um nível certo. Esses jogos são feitos justamente para que você saia de sua zona de conforto e os aprenda, siga suas regras, para só então poder jogá-los. Se você não quer fazer isso, você não precisa terminá-lo; mas se você realmente quiser jogar, você precisa aceitá-lo pelo que é, pelo que foi feito para ser, e se adaptar ao jogo porque ele foi feito dessa forma.

Isso significa que é errado pedir por um modo mais fácil? Com certeza não! Mas é errado forçar os desenvolvedores a fazerem isso, porque um modo de dificuldade alternativo deve ser uma decisão de design dos desenvolvedores, com o intuito de disponibilizar novas maneiras viáveis de terminá-lo. Porém, se o criador desse jogo o quiser de uma certa forma, você precisa aceitar a realidade: é assim que o jogo é, eu querendo ou não.

Existe um gênero de jogos que felizmente anda adicionando opções de dificuldade muito bem vindas atualmente. Jogos de luta são conhecidos por serem difíceis, e eles nunca vão deixar de ser, não importa alguém queira. Mas você pode eliminar a dificuldade da execução com modos diferentes de controle que simplifiquem e facilitem a experiência de quem só quer jogar, sem realmente se esforçar ou labar essas coisas avançadas (ou não tão avançadas). Dessa forma, qualquer um pode se divertir com o jogo, mas mesmo assim é importante lembrar que jogos de luta são geralmente voltados para o cenário competitivo.

No cenário competitivo, esses modos de controle mais fáceis são limitados, porque eles vão contra o próprio design do título. Você perde muito sua liberdade de movimentação e ataques pelo preço de ter combos básicos mais fáceis, ou de usar especiais sem esforço. Para uma pessoa que não se importa em realmente ficar boa no jogo, isso não faz diferença, vai ser divertido da mesma maneira, e o que mais chama atenção dos jogadores casuais ainda vai estar ali. A diferença é que jogadores casuais não vão poder competir sem aceitar que jogos de luta são difíceis, e que é preciso aprender a execução complicada justamente pelas possibilidades que ela abre na sua gameplay. Você não pode competir sem aceitar o que um jogo de luta é em sua essência, embora ainda possa desfrutar dele casualmente.

Se você realmente quer jogar algo, você precisa aceitar o que ele é. Você tem o direito de pedir por um modo mais fácil, mas o criador tem o direito de construir arte segundo sua visão. Se você gosta do jogo, você vai jogá-lo mesmo assim. Se você não gostar de como ele funciona, então talvez você só não goste do que ele é. Ele podia ser diferente? Com certeza podia, e se um jogo projetado para ser difícil vier com um modo fácil, você vai ter uma experiência válida por jogar nele. Só que se não tiver, vida que segue.

Não podemos ser pressionados a estar sempre atualizados com todos os jogos mais famosos, de modo que você precise se forçar a jogar o que todo mundo joga. E se você quiser jogar ele por um motivo ou outro específico, ou você se acostuma com o que não gosta dele e joga mesmo assim, ou você acha outra maneira de experienciar o que quer. Quando vamos jogar algo precisamos respeitar a visão dos desenvolvedores, mesmo que tenhamos nosso direito de reclamar, assim como temos direito de não gostar de algo. Nem todo jogo é para todo mundo, e nem tudo sobre um jogo vai agradar todos que gostam dele, mas se você realmente gostar da obra, você pode fazer o esforço para passar por cima das partes desagradáveis e apreciar o resto. Obrigada pela atenção.