Esse é um texto que estou pra escrever há uns quatro meses e de fato eu cheguei a começar ele. A ideia original era fazer uma super produção com um texto longo e informativo, mas talvez não seja a melhor ideia. Resident Evil 4 é um dos jogos mais famosos e reverenciados da história, influenciando a indústria inteira. Dispensa apresentações, e não preciso demorar muito nessa dissertação.
Desde seu combate criativo, exploração intuitiva, ambientação bem trabalhada até o humor e personalidade da sua interessante história, chamar Resident Evil 4 de clássico é dizer muito pouco. Em muitas coisas ele foi o primeiro jogo a se arriscar tanto e dar tão certo no processo. Manter a essência da franquia e expandir o universo, enquanto retoca todas as partes da sua caracterização. Mas o que eu realmente quero dizer é que RE4 é um dos jogos mais despreocupadamente divertidos que já joguei, e é isso que quero mostrar.
Não tem muito mistério, e não preciso fazer um ensaio profundo de game design pra falar sobre esse jogo. É uma experiência muito bem projetada e pensada com carinho, fazendo decisões de design que até hoje não envelhecem. Embora a movimentação seja limitada, o combate continua sendo rápido e dinâmico. Mesmo que seja um jogo de ação, nunca falha em trazer medo e uma ótima atmosfera a cada momento. E mesmo sendo antigo, não só sua gameplay mas gráficos são perfeitos até hoje.
O fato do Leon não poder se mexer enquanto mira e ainda ter controle de tanque foi especificamente pensado para causar pânico no jogador. Traz uma limitação clara ao combate mas que te deixa com muitas possibilidades. O fato de trocar armas em um menu que abre e fecha rápido te dá muito tempo pra pensar. A sua vasta gama de opções estratégicas em combate deixam tudo mais dinâmico e divertido, mesmo que pareça idiota um jogo de ação em terceira pessoa não deixar você controlar a câmera com o analógico direito hoje em dia. Em toda situação você pode escolher sua arma, escolher onde atirar, em quem atirar, quantos tiros dar, ou atordoar inimigos para então chutá-los. A pistola é uma ótima arma pra qualquer situação, mas a shotgun causa danos irreversíveis à curto alcance pelo preço de ter menos munição. A metralhadora é uma pistola menos precisa que cumpre muitos papéis, e mesmo que você não a use com frequência sempre pode ser uma última cartada para dar um dano extra. Os rifles não são bons em combate corpo-a-corpo, mas se você tiver a chance um único tiro vale por cinco. Além disso você também tem três tipos de granadas, finalizações especiais do Leon, e a possibilidade o cenário como arma, entre outras.
Os inimigos influenciam na estratégia com precisão, se tornando ameaças cada vez maiores. Os Ganados não são grande coisa no início do jogo, mas quando a Plaga começa a se libertar você pode morrer em um ou dois ataques se estiver em um alcance até que bem vasto. Quando um inimigo assim aparece, mesmo que hajam outros, ele precisa ser seu foco. Pra facilitar a situação, eles tomam hit kill de rifles e granadas de flash, que são ainda mais úteis por atordoar todos em volta.
Inimigos como os Colmillos (cachorros) são rápidos, ágeis e sorrateiros, mas fáceis de matar se você conseguir não ser acertado. Garrador pede calma e traz muito medo, além de duplicar sua efetividade se estiver ao lado de um outro ganado sequer, mas pode ser vencido com as jogadas certas justamente por ser cego. Novistadores são quase invisíveis e dão dano massivo, mas seu corpo grande e fraqueza contra certas armas deixam o combate um pouco menos complicado.
Esses oponentes são jogados em você em conjunto, e todas as suas diferentes estratégias combinam e complementam perfeitamente as habilidades do Leon e os controles do jogo. O jeito que Resident Evil 4 funciona nas suas lutas ainda é bem diferente do que existe atualmente, porque em poucos jogos de tiro você atordoaria um único oponente e se colocaria em risco indo até ele pra chutá-lo… mas aqui o chute te deixa invencível e acerta todos que estiverem por perto.
Mas algo importante sobre essas lutas é que você sempre começa elas com uma certa vantagem, afinal você é o mais forte. Ainda assim qualquer descuido leva ao pânico, e o medo é a maior arma de Resident Evil 4 contra você. Pode não ser um jogo de extremo terror, mas justamente a movimentação limitada do Leon e inimigos tão fortes têm o potencial de te deixar aterrorizado. É claro que terror tradicional é muito bem feito nesse jogo em seções como o laboratório ou os esgotos, mas todo combate faz o que pode pra te deixar tenso o suficiente até perder a cabeça. Mas se acalme, você consegue. Você tem a chave pra vencer a todo momento.
E essa frase é especialmente verdade porque RE4 tem uma dificuldade adaptativa inteligente. De uma maneira que respeita seu potencial, inimigos podem ser retirados ou adicionados e você pode receber recursos completamente diferentes dependendo de como você joga. É diferente de facilitar se você jogar mal, não é isso. O jogo é mais alterado pra acomodar seu estilo de jogo, muito mais do que seu nível de habilidade. Se você usa determinada arma com maior frequência, se torna bem mais provável receber munição dela. Se tiver um playstyle arriscado que te faz tomar muito dano, há chances de que você vá receber mais itens de cura, no lugar de munição. São diferenças sutis mas muito bem feitas que te dão a certeza que não importa o que aconteça, a progressão vai ser sempre possível.
E além de adaptativa, os desafios são muito criativos também. Ao invés de só jogar muitos inimigos na sua frente, eles podem vir de todos os lados, ou se esconder atrás de coisas, ou terem armaduras/escudos, talvez você até tenha que proteger a Ashley enquanto ela faz algo importante — mas, é claro, sua vida continua em risco. O jogo brinca com suas mecânicas e level design para oferecer algo novo a cada sala sem precisar quebrar os conceitos que você já conhece. As mecânicas que você aprendeu no início do jogo são as mesmas do final dele, e isso ajuda muito no seu aprendizado de estratégias diferentes já que são familiares.
A criatividade da dificuldade não está apenas no level design, mas em coisas mais inusitadas como exploração e itens compráveis. Explorar nesse jogo é extremamente recompensador pelo tanto de coisa legal escondida, mas o dinheiro que você ganha é usado em muitas coisas importantes. Tudo na loja é caro por um motivo: se você quer algo, precisa se esforçar. E se você, por exemplo, estiver lutando contra um boss que acha que nunca vai vencer, se você explorou bastante você tem o direito de comprar um lança-mísseis pra passar dessa luta. Afinal, você tomou o esforço adicional pra ter esse dinheiro, e também foi escolha sua gastá-lo com isso ao invés de upgrades nas suas armas. É sua decisão, e o jogo vai respeitar ela.
Da mesma forma, tem uma quantidade absurda de armas em Resident Evil 4, mas você no máximo vai carregar cinco com você. Quais? Você decide, porque nenhuma é inútil. Você pode facilmente terminar o jogo sem upar suas armas, ou usar apenas as iniciais, e tem gente que consegue com bastante esforço vencer seus inimigos usando a faca ou apenas jogando ovos. É muito fácil rejogar essa aventura, porque sempre há algo novo a tentar. Eu comecei a jogar recentemente (2020, acho) mas já terminei RE4 três ou quatro vezes na campanha do Leon e até hoje nunca usei todas as armas. Seria muito interessante fazer uma run pegando SÓ as armas que eu absolutamente nunca escolheria.
A atenção aos detalhes não fica só nas mecânicas, porque esse é um dos jogos mais artisticamente belos que eu conheço. Fale o que quiser da era marrom do PS2, mas as texturas e animações de Resident Evil 4 são maravilhosas até os dias de hoje sem sombra de dúvida. Esse é o jogo mais satisfatório que eu joguei no quesito de recarregar armas, e olha que isso é algo que tem muito esforço pelos devs em jogos atuais. Cada animação mostrando os diferentes funcionamentos de cada arma e do Leon mexendo rapida e precisamente são lindas demais e me dá um sentimento de tingle de ASMR.
A atmosfera imaculada de Resident Evil 4 em muito vem pelo seu elegante e icônico visual. A floresta no início da aventura, as noites escuras, ruínas abandonadas, laboratórios bizarros, é tudo muito bem construído. Mesmo que existam seções não tão boas na aventura (as partes de guerra na ilha) é um jogo fenomenal que teceu o padrão de qualidade que seria usado por anos e anos no futuro. Resident Evil sempre deu um show de atmosfera, mas um jogo de ação pura conseguir passar tantos sentimentos fortes (especialmente medo) é bastante impressionante.
Eu também gostaria de falar da ideia absurda que é a maleta. Esse tipo de inventário é um dos mais criativos que eu já vi e pede um gerenciamento inteligente e livre para fazer caber tudo que precisa na sua mala. É muito divertido de organizar e a maioria das pessoas concordam com isso. Não é usada tanto quanto deveria até hoje em dia pelo quão única é na indústria, e isso é um grande pecado.
Mas RE4 tem suas falhas, especialmente no seu storytelling. A história é muito boa e criativa, mas o sentimento da aventura é muito inconstante de uma maneira bastante artificial. A progressão dos Novistadores em serem o momento mais assustador do jogo pra só moscas no seu caminho no futuro não é muito imersivo e não faz sentido com a construção de inimigos e na noção de perigo do jogo. Leon não tem sistema de level up pra poder invadir um ninho lotado de bichos que há algumas horas atrás ele mal conseguia enfrentar e sair ileso. A parte da ilha também é muito estranha porque só adicionaram as seções mais genéricas de filme de ação hollywoodiano possível e deixaram nisso. Também é difícil levar a sério a história com diálogos tão estúpidos e idiotas, mas na verdade isso é um charmezinho que eu gosto bastante então não reclamo.
Embora adoraria fazer um texto maior e mais elaborado pra um jogo tão incrível, sinto que só isso já expressa bem o que acho. O remake tá pra sair (e o texto do Recanto sobre também!), mas vai levar um tempo até eu poder jogar. Espero que seja uma experiência divertida que busque o design tão único e bem pensado da sua versão original, mas que ainda se separe como uma aventura distinta. Obrigada pela leitura, boa noite.