Rhapsody: A Musical Adventure só quer te fazer sorrir (Análise)

Rhapsody: A Musical Adventure análise

Em meio aos jogos oferecidos na onda de relançamentos “Prinny Presents NIS Classics”, Rhapsody: A Musical Adventure não encaixa tanto quando comparado aos outros. Enquanto boa parte deles possuem uma duração gigante e sistemas de combate relativamente complexos, Rhapsody é curto e provavelmente um dos SRPGs mais fáceis já feitos.

O único chute que você poderia dar para justificar sua inclusão em um primeiro olhar é o fato dele ser um dos dois primeiros RPGs táticos lançados pela Nippon Ichi Software antes da franquia principal deles, Disgaea, mudar o rumo da empresa para sempre. Isso faz bastante sentido sabendo que o jogo que o acompanha em seu relançamento para PC e Nintendo Switch é La Pucelle, que é o único outro SRPG deles vindo antes de Disgaea. Mas já de cara dá pra ver uma diferença entre o relançamento dos dois. Enquanto La Pucelle recebeu diversas mudanças de qualidade de vida, Rhapsody apareceu basicamente inalterado (além de oferecer um modo CRT maravilhoso).

O motivo disso é que o lançamento original localizado para a língua inglesa feito pela Atlus em 1998 já era incomumente completo para a época. Vinha com opção de vozes em Japonês e Inglês, ilustrações extras desbloqueáveis, e era de boa na dificuldade demais pra precisar de algum ajuste visando alterar essa área. Infelizmente, o jogo não vendeu bem o suficiente para suas duas sequências terem sido localizadas também. É uma pena, porque os dois parecem incríveis.

Nota: Mesmo que não existam traduções in-game das sequências de Rhapsody, existem roteiros traduzidos para Little Princess: Marl Ōkoku no Ningyō Hime 2 e Tenshi no Present: Marl Ōkoku Monogatari aqui e aqui, respectivamente.

Rhapsody A Musical Adventure análise

Até as músicas foram completamente regravadas com as vozes em inglês, e são a única parte do jogo que oferece vozes em qualquer capacidade! Aí está a parte mais intrigante de Rhapsody, pois ele é um musical inteiro. Tipo, são seis músicas únicas e algumas versões extras da principal, todas cantadas de maneira perfeitamente aceitável (e por vezes linda!) pelo elenco americano. A todo momento eu estava esperando a próxima música chegar enquanto jogava. Felizmente as melhores delas são as da protagonista Cornet, que são as mais comuns por, bem, ela ser a protagonista e tal.

É realmente impressionante o quão único Rhapsody acaba se tornando por causa de suas escolhas estilísticas, pois no fundo, ele é um JRPG bem comum. É até difícil entender o porque que a gameplay de tactics está presente considerando o quão pouco ela importa além de fazer as batalhas durarem um pouco mais, já que você deve posicionar seus membros da party no alcance inimigo antes de atacá-los.

O próprio fato do jogo ser bem de boa na dificuldade é o suficiente para jogadores hardcore do gênero completamente ignorarem a existência dele , o que faz sentido se você está em busca de um desafio e nada mais. Rhapsody é muito mais interessante quando visto por outras lentes.

Em primeiro lugar, ele é um baita de um jogo perfeito para pessoas que mal jogaram outro jogo em suas vidas. Até alguns jogos 3D considerados de boa por fãs de jogos acabam sendo difíceis para iniciantes, mas Rhapsody fala por si próprio. Além de alguns layouts de dungeon repetitivos e um ou outro diálogo misterioso pra avançar a história, nenhuma outra mecânica dele seria confusa para um completo iniciante.

Rhapsody A Musical Adventure análise

Isso faz sentido pois o público alvo do jogo é infantil, mesmo que ele ainda aborda alguns assuntos mais pesados em partes da história. Rhapsody é estruturado de maneira similar a um filme de princesa da Disney (mas com os papéis invertidos), o que é um baita de um elogio vindo de alguém como eu, que absolutamente ama Cinderella e afins. Cornet é uma garota sonhadora e que consegue falar com fantoches/bonecos no geral. Inclusive, ela consegue transformá-los em aliados ao tocar sua melodia favorita com sua corneta. Eles são não só importantes narrativamente mas como também no combate, onde funcionam de maneira similar a um jogo como Dragon Quest V.

Porém, o único fantoche que não sabe batalhar é Kururu, a favorita de Cornet que esteve com ela desde quando sua mãe foi assassinada durante uma guerra nebulosa que estava ocorrendo na época. Kururu está presente em todo o jogo e age como uma mentora que força Cornet a tomar decisões difíceis (e às vezes toma algumas por ela, por bem ou por mal). A primeira música teatral tirando a de introdução só começa a tocar por causa de Kururu, quando pede para Cornet tocar “a música favorita” dela. A mesma música que ela ama tocar na corneta agora é interpretada vocalmente pela primeira vez no jogo. Ela se chama Let’s Go On e sempre recebe remendas em sua letra quando tocada em partes diferentes da história, onde vai acompanhando o tom atual.

As animaçõeszinhas que Cornet e os outros personagens fazem ao cantar suas músicas são imensamente fofas e adicionam demais ao charme delas. São toques essenciais para não fazer a aparição delas parecerem interrupções completas do resto do jogo. Ah, além disso, elas também servem para avançar tanto a história quanto os arcos individuais dos personagens que as cantam!

O que me deixa um pouquinho triste já que tem uma ou outra música que não só são curtas demais, mas também não fazem tanto para avançar a história, particularmente as da metade da aventura. Mesmo assim, eu diria que a incorporação dos elementos musicais foi feita muito bem, e forma uma parte indispensável do impacto emocional da história de Rhapsody.

Cornet ama cantar tanto quanto sonhar em ser resgatada pelo lindo príncipe Ferdinand, pelo qual ela é completamente obcecada. Seu sonho é meio que realizado quando ele a salva de um dragão conjurado por Myao, uma bruxa irritadiça que controla a população de gatos antropomórficos das Wonder Woods. Infelizmente, a Cornet é uma humana como todos nós e trava completamente ao ver seu crush diretamente em sua frente. Ela não mexe um pixel enquanto Ferdinand tenta conversar com a menina congelada de vergonha e ansiedade.

No fim das contas ela acaba por nem falar seu nome pro príncipe, o que a preocupa já que não é todo dia que ela vai conseguir ver ele por aí. Enquanto ele mora dentro de um castelo na grande cidade de Mothergreen, Cornet vive na rural Orange Village. Ele faz parte da realeza, e ela dos plebeus. Então é claro que ela vai atrás dele de qualquer jeito.

Vamos pular um pouquinho o papo da caracterização importante das primeiras horas da aventura pois eu realmente quero que você jogue Rhapsody ao invés de só ouvir eu falar dele. Em meio a um concurso anual (e oficial!) em que garotas participam para ganhar a atenção do príncipe, Cornet se reconecta, mesmo que de maneira atropelada, com sua amiga de infância mimada e estilosa Etoile e acaba empatando com ela no topo da competição.

O único problema é que a Myao se lembrou da vergonha que o príncipe fez ela passar, destruiu metade do castelo com um dragão, e junto de suas outras amigas Gao e Crowdia, deixou sua mentora Marjoly roubar o príncipe para si mesma. Por ser estabanada, ela transformou o coitado em pedra sem querer ao invés de usar um feitiço para fazer ele se apaixonar por ela.

É aí que o jogo começa a abrir, a Cornet ganha uma troca de roupa maravilhosamente estilosa, as famigeradas pedras elementais são introduzidas para você caçar, etc. A clássica narrativa de um JRPG qualquer dessa época. Não vou mentir, algumas conceitos narrativos de Rhapsody realmente não são tão interessantes, mas… eu estaria sendo um completo mentiroso se deixasse de mencionar o quanto os personagens e seus arcos são usados para transformar o que poderia ser uma história enjoativa em uma deliciosa de ver acontecer.

A própria dinâmica entre Cornet e Etoile é um bom exemplo disso. As duas estão quase sempre brigando, e quase sempre quem começa é a Etoile. Mas você consegue sentir pelo jeito que elas interagem (e confirmar com acontecimentos futuros da história) que na verdade, elas são amigas inseparáveis. Etoile também está procurando Ferdinand, mas ela contrata guarda costas para ajudá-la já que ela não tem acesso aos fantoches de Cornet e comprou… um monte de armas de fogo. Nesse RPG que parecia ser medieval até então. Sério, o arsenal dela é enorme.

Mesmo como rivais, elas não resistem em ajudar umas às outras a seguir em frente. Isso fica claro desde o começo quando Etoile e Cornet começam a brigar entre si mesmas para cada uma pedir desculpa para a pessoa próxima delas que magoaram, e vai se aprofundando conforme o relacionamento se desenvolve enquanto você procura as pedras elementais.

Cada uma das pedras está localizada em algum lugar remoto com sua própria história relacionada ao artefato. Esta seção do jogo foca em contar cinco histórias independentes ao arco principal com uma surpreendente variedade de tom e infelizmente qualidade também. Claro, é difícil esperar completa consistência das cinco histórias, mas algumas delas nem parecem encaixar nesse jogo no geral, sabe?

A busca pela Waterstone no navio pirata é um exemplo, pois conta a história pessoal dos sobreviventes de um naufrágio, que incluem o melhor amigo e o pai de uma das vítimas. Os dois se culpam pela morte do pirata, mas eu juro que este arco inteiro é resolvido em menos de dez minutos. Essa parte não oferece nem sequer uma dungeon, apenas um pequeno barco para ser explorado. Juntos, os três piratas envolvidos na história devem ter umas 30 linhas de diálogo e é isso.

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Pelo menos a Gao ganha (um pouquinho de) desenvolvimento de personagem

Claro, este não é o caso de todas as histórias. Algumas delas acabam em tragédia, e quase todas requerem um sacrifício moralmente questionável por parte de Cornet. Não vou entrar em detalhes para não dar spoilers, mas direi que o jogo apresenta cenários bem abruptos e pesados em ocasião, o que considero uma virtude. Estes acabaram formando os pedaços mais interessantes do meio de Rhapsody, que precisa de maior impacto emocional pra funcionar por causa de suas dungeons… problemáticas.

Tá virando um tema meu no Recanto do Dragão falar que eu não costumo ligar pra dungeons repetitivas antes de falar mal das dungeons repetitivas do RPG que é o assunto da matéria. Aconteceu tanto com Crystar quanto com Cruel King and the Great Hero, mas eu juro que faz sentido, ok? Minha filosofia em relação a dungeons é simples: se elas só servem pra espaçar combate, elas não deveriam existir.

Em Rhapsody existem dois tipos de dungeons: cavernas e torres. Se você viu uma delas, viu todas, pois a única diferença é uma ocasional troca de paleta de cores. São labirintos divididos sala por sala estilo no primeiro Zelda — mas sem nada dentro. São apenas caminhos que levam a um novo andar, itens, ou eventualmente uma saída. Caminhar pelas dungeons não é uma tarefa impossível já que o combate nunca vai drenar seus recursos, mas eu perdi horas vagando por aí. Não se sinta mal se quiser pular esse sofrimento usando um mapa de dungeons com um guia.

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Toda torre tem exatamente essa cara (mas essa aí é sabor amarelo)

As dungeons até podem tomar uma quantia considerável de tempo, mas isso não é o suficiente pra arruinar minha experiência nem nada. O que importa é que fora delas e durante os diálogos e áreas lindamente pintadas, as coisas funcionam bem melhor. A Cornet consegue criar uma relação genuinamente profunda com o elenco principal, pois ela é constantemente humanizada. Suas decisões fazem dela forte, e a Kururu, Etoile e seu avô estão todos lá para reforçar isso.

Eu gostaria que os fantoches falassem ao menos um pouco durante a história principal, mas ao menos eles ganham um foco interessante nas narrativas de segundo plano nas vilas, e até em suas side quests escondidas. Elas são meio difíceis de achar por si próprias, então pesquise um guia depois que terminar o jogo se tiver a fim de jogar todas. Além disso, elas dão um contexto muito mais sólido ao que é um dos pilares emocionais do mundo de Rhapsody, que eu vou tentar falar sobre agora (tentando desviar de spoilers).

Rhapsody tem alguns plot twists, como todo RPG com alguma ambição. Um deles me fez chorar. Essa é a primeira vez que isso acontece com um jogo onde o ritmo é controlado pelo jogador. Em um jogo cinemático como Life is Strange é fácil ser pego desprevenido numa cena construída e atuada cuidadosamente para deixar o jogador engajado em um estado emocional. Eu sei pois já aconteceu comigo algumas vezes. Agora, um JRPG sem vozes (pelo menos fora das músicas) com diálogo controlado pelo jogador é outra história.

O que ocorre é uma linda subversão de papéis que recontextualiza o jogo inteiro e que, quando fui reavaliar minhas centenas de prints após terminá-lo, me fez notar mais ainda o quão importante foi para o arco de Cornet como um todo. Já que eu não quero spoilar nada, não posso ser mais específico do que isso.

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Mas o que eu posso dizer é que esse twist amarra perfeitamente as músicas (tanto tematicamente quanto na prática), os visuais, e toda a caracterização trabalhada até o momento, e acaba até roubando um pouco do brilho do clímax. Foi a solução perfeita pra colocar na minha cabeça de vez que Rhapsody é especial.

Além de sua narrativa, ele também esbanja sua personalidade em diversas outras áreas, e constantemente. Pra começar, ele te recompensa demais por interagir com coisas aleatórias no mapa. Eu passo bastante tempo inútilmente clicando em barris inúteis e qualquer outra coisa pra tentar ver se tem algum diálogo extra ou uma poção escondida, e Rhapsody te recompensa constantemente.

Poções e itens extras não importam muito considerando o quão fácil o jogo é, mas às vezes você recebe ilustrações extras muito fofas, ou até um jingle cantado de “Nippon Ichi Software” que sim, eu chequei; dizia “Atlus USA” na versão original. A troca deve ter acontecido na versão de Nintendo DS (mas não tenho certeza) e daí reusada neste novo lançamento.

É ótimo ver tanto essas brincadeirinhas ocasionais quanto o diálogo extra que você pode pegar ao interagir com objetos iguais em locais diferentes. Usualmente a Cornet vai comentar o quão estranho é ver aquilo repetido, ou inferir alguma diferença não representada pelos gráficos. Algumas pessoas tem problemas com as localizações da Atlus e eu concordo com muitos, mas não consigo ver o mal no caso de Rhapsody. Honestamente parece mais atual do que alguns trabalhos de localização recentes de outras empresas.

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Fora isso, os próprios visuais também são refrescantes. Os retratos de personagens nos diálogos são lotados de personalidade, e existem tantos deles que eu juro que alguns ali no meio são usados só uma ou duas vezes no decorrer do jogo. Por último, temos a surpreendente preocupação com moda dos personagens, que é representada principalmente pela Cornet, que troca completamente sua fit logo que sai a procura de seu príncipe. Lembre-se, são animações inteiras que devem ser retrabalhadas para uma troca de roupa dessas ser implementada, e isso é algo que só um trabalho feito com amor consegue tomar o tempo pra implementar.

Rhapsody: A Musical Adventure me deu uma experiência inesquecível, mesmo que não tenha chegado ainda no seu potencial completo. Eu realmente espero que a Nis America esteja interessada em traduzir suas sequências, mas sei que não é uma tarefa fácil. Para você ter uma ideia, o roteiro traduzido por fãs de Tenshi no Present: Marl Oukoku Monogatari que linkei no início do texto tem 42.000 palavras, e até onde li ele não inclui os diálogos de NPCs. Tanto traduzir quanto implementar a tradução dentro do jogo não é uma tarefa qualquer, mas eu ainda assim acho que vale a pena se Rhapsody ir bem o suficiente.

Para fazer um JRPG especial, raramente é preciso o sistema de combate perfeito ou dungeons impecáveis. É honestamente mais fácil conseguir isso usando suas maiores forças, que são sua escala e habilidade de apresentar narrativas de maneira única. Rhapsody tira proveito dos dois enquanto adiciona seu próprio ingrediente secreto, que são os musicais acompanhados de grandes doses de carinho. Inclusive, carinhoso é um bom jeito de descrevê-lo, pois é a emoção mais forte ressoada por ele.

Que o mundo seja mais carinhoso, e que Rhapsody entregue o conforto que você merece.

Rhapsody A Musical Adventure análise

Uma cópia gratuita de Rhapsody: A Musical Adventure para PC foi concedida pela NIS America para análise no Recanto do Dragão.