Quando eu pedi pra cobrir esse jogo eu não fazia ideia de onde tava me metendo. Naturalmente, quando recebo algo pra cobrir faço disso minha prioridade — é meu trabalho. E, honestamente, é o primeiro jogo que eu ser “obrigada” a jogar realmente melhorou a experiência.
Esse texto faz parte da nossa comemoração do Mês das Mulheres! Você pode ver os outros clicando aqui!
Bom dia, nessa última semana eu estive devota a terminar The Good Life, o mais recente jogo do estúdio White Owls Inc. de Swery65, lançado em outubro de 2021. Sim, Swery, o cara do Deadly Premonition! Eu acabei recebendo uma experiência… bem familiar, mas ainda única. É um jogo na verdade bem esperado vindo dele, e faz dessa ideia um pouco mais interessante.
Em The Good Life, nossa protagonista chamada Naomi Hayward precisa ir até uma cidadezinha britânica completamente isolada pra ganhar dinheiro. Ela é uma jornalista e fotógrafa profissional, com uma dívida absurda que precisa pagar urgentemente (e uma bunda muito bonita). A parte mais importante a se notar sobre a história é que Naomi Hayward não queria estar aqui, ela está fazendo seu trabalho por completa obrigação.
O trabalho da jornalista é desvendar os mistérios de Rainy Woods, conhecida como a cidade mais feliz do mundo. História, pessoas, qualquer coisa que ela achar de interessante vai servir pra ganhar algum dinheiro. Você também recebe emails da empresa que a Naomi trabalha te dando novas missões pra ganhar grana (enviados por Lucy Turner, uma mulher que claramente quer pegar a Naomi), mas em geral você vai fazer favores estranhos para os moradores da cidade. No início do jogo é muito difícil gostar da Naomi, mas com o tempo, por algo que já vou explicar, ela se torna mais e mais cativante.
Vou abrir o jogo: a ideia por trás de The Good Life é que a vida da Naomi é um saco, e cada parte da vida de um adulto todo fodido cai em cima de você na gameplay. Por isso, esse jogo tem sistema de fome, vida, fôlego, sono, saúde, estresse, higiene, carisma, afinidade somados de mecânicas de plantação, mineração, crafting e cozinha. É um jogo bem completo né? Não. Cada uma dessas mecânicas são muito pouco desenvolvidas, na verdade, algumas dessas são quase que completamente obsoletas. Eu disse quase, porque tudo continua sendo uma preocupação. Quando Good Life te apresenta alguma mecânica ele tem a certeza de que ela vai ser um incômodo absoluto pro jogador, e sempre vai te fazer pensar que esse lugar é uma completa droga.
É um jogo bastante imersivo, mas do seu próprio jeito. Ao invés de se divertir administrando cada faceta da sua protagonista, é só um pé no saco. Não é divertido ser obrigada a comer toda hora pra manter seu estômago cheio, ou ter que ficar parando de correr pra administrar seu fôlego, ou ter que dormir, tomar remédios, beber pra desestressar, tomar banho todo dia… são coisas que você precisa fazer e se não fizer, vai ser punido. Se você não comer, a Naomi pode morrer de fome e morrer no jogo tira seu dinheiro. Mesmo que você não precise dormir quase nunca, um momento a conta bate e você vai ter que ir de qualquer jeito então é melhor não deixar a coitada com sono. O estresse vai aparecendo com o tempo cada vez mais e você precisa comer algo ou beber pra ficar mais calma, porque estresse pode diminuir sua saúde. E, com a saúde abaixo de 70% você já pode começar a ficar doente — e tem muita doença no jogo. É normal que você termine ele pegando tipo… três das doenças, mas todas elas estão lá pra cutucar onde mais dói eventualmente. Se você não tomar banho, todos vão odiar sua presença pelo seu cheiro terrível, e isso diminui seu carisma demais o que aumenta os preços nas lojas.
+Leia também: Red Dead Redemption e o “tédio como ferramenta narrativa”
Adicionalmente você precisa plantar se quiser ter ingredientes pra cozinhar em casa, vai ter que minerar uma vez ou outra na vida pra pegar alguma coisa que precise, e o crafting prioritariamente pede que você recolha coisa que achar por aí. Cozinhar é muito fácil mas também tá lá, pedindo que você guarde coisas no inventário pra sempre ter algo pra fazer na janta. Todas as mecânicas são simples, fáceis e não pedem esforço, mas elas estão juntas. O fato de serem simples também não fazem delas divertidas — é tudo uma obrigação.
Todas as quests do jogo também são obrigações, você faz isso porque precisa do dinheiro. Naomi tem que fazer cada coisa absurda ou simplesmente insuportável na sua pequena aventura em Rainy Woods, que realmente consegue passar o sentimento da mulher. Seu bordão “goddamn hellhole” pode parecer muito idiota, mas você acaba por pensar isso mais que o normal sempre que o jogo pede que você vá do outro lado do mapa pra simplesmente pegar uma coisa e voltar, ou quando pede pra que você vire um cachorro e saia mijando em todos os cantos que puder… é, dá pra fazer isso também. Navegar pelo mundo também é um saco, porque tem muros em todo lugar que você vá sempre no seu caminho pedindo que você dê uma volta absurda por algum lugar pra prosseguir. Seu fôlego também não ajuda, mas quando você aprende a montar em ovelhas isso para de incomodar tanto assim. No caminho você pode até ligar alguns pontos de teletransporte, mas eles ainda são inconvenientes e esse é o ponto.
Viver no campo em Rainy Woods é inconveniente. Internet ruim, sistema de saúde caro, sem meios de transporte adequados, quase nenhum serviço decente… Rainy Woods não tem nada desse tipo assim como qualquer cidadezinha rural no meio do nada. E aqui é ainda pior porque na cidade só moram vários esquisitões.
Essa premissa é bastante similar com Flower Sun and Rain, um dos meus jogos favoritos. Mas a ideia ainda é diferente. Em FSR o andar e fazer puzzles é bastante imersivo com a maneira que o protagonista se sente, mas isso ainda é humor de um mundo estranho e interessante. Em Good Life, as coisas são assim mas mais inspiradas na realidade. Na vida real você precisa fazer tarefas cotidianas entediantes o tempo todo, mas se morasse no campo ia ser muito pior. Naomi faz tudo por dinheiro e nunca tem um momento de paz ou diversão, embora goste de se enfiar em competições de bebida em bares pra desestressar.
Mas com o tempo, provavelmente no final do jogo, algumas coisas param de incomodar tanto. Nada fica exatamente bom do nada mas Rainy Woods começa a entrar dentro do seu coração, assim como no da Naomi. Quando ela começa a de fato gostar de algumas pessoas, ou não se incomodar tanto com as coisas bizarras que ela precisa ver… isso também acontece com você. Não vou spoilar o que acontece no final, mas algumas partes dessa vida no campo começam a ficar confortáveis. Também ajuda quando as músicas do jogo são trocadas por pianos mais tristes, refletindo os sentimentos que a história passa agora.
Só que fora dessa gameplay estranha mas única, a história também é muito diferente. Como se esperaria do Swery, vemos desde acontecimentos “históricos” até teorias extra-terrestres ou conspirações militares. Experimentos humanos também. Rainy Woods pode ser o quinto dos infernos, mas a sua estadia talvez não seja tão entediante.
Ainda assim, não posso esconder que esse jogo é bem cansativo. Claro que uma parte vem a ideia dele, já que você sempre NÃO QUER estar jogando, mas a história, personagens e estranheza em um ponto param de ser interessantes o suficiente pra te instigar a continuar. Eu, por exemplo, continuei jogando porque precisava fazer o texto… exatamente como Naomi. Isso de certa forma até fez da minha experiência mais interessante. Infelizmente não é toda parte do jogo que eu passei a gostar não, nem todo personagem. Eu diria que no final, embora tenha sido uma boa aventura, não é uma que eu recomendaria tão fortemente ou visitaria com frequência. Os diálogos também não são muito bons e o humor acaba não sendo tão efetivo, por vezes só irritando (por exemplo: Daniel Miller e o narrador).
Contudo, me diverti bastante com alguns personagens e algumas mecânicas, além da presença da Naomi. Se você quer uma historinha bizonha e fácil de acompanhar, The Good Life está em promoção por 35 reais na Steam agora. Os 58 do preço normal são meio salgados, mas acho que por 35 tá bem justo. Obrigada pela atenção.
E senhorita assessora, se estiver lendo isso, eu imaginei você como a Lucy Turner. Não te conheço mas isso é algo positivo! Boa noite pra você.
Uma cópia gratuita de The Good Life para Nintendo Switch foi concedida pela PLAYISM para análise no Recanto do Dragão.