The Talos Principle: Reawakened — uma visita pros mais chegados | Análise

The Talos Principle: Reawakened. Androide protagonista deitada sobre altar de pedra com portão amarelo ao fundo com um número três desenhado na parede ao lado.
É hora de acordar mais uma vez.

Dez anos depois, a Croteam retorna ao primeiro The Talos Principle para refazê-lo na Unreal Engine 5, o mesmo motor gráfico de sua sequência direta. Ao fazer isso, a desenvolvedora firma-se na decisão de se juntar à onda de empresas que estão em processo de deixar de usar seus motores proprietários para aderir ao da Epic Games — apesar do último jogo da saga Serious Sam, o carro-chefe da desenvolvedora croata, ainda ter sido desenvolvido na Serious Engine.

O pressentimento de um monopólio iminente nunca é agradável. Não apenas duma perspectiva econômica, mas também artística, pois o perigo que se apresenta de forma direta, no pior dos casos, é uma certa uniformização de como os jogos se parecem e como são sentidos. Embora esse gosto amargo nunca suma completamente — ainda mais quando as debilidades da nova engine surgem — a nova versão do clássico jogo de puzzle em primeira pessoa traz muitos pontos positivos à mesa que incluem melhorias de qualidade de vida, conteúdo novo e a volta do construtor de fases ausente no The Talos Principle 2.

Para tirar da frente à discussão do visual —  algo que sempre fica em evidência nas discussões sobre esse tipo de título —  posso já dizer que os gráficos melhorados conseguem reproduzir com um bom nível de fidelidade à aparência do jogo original, mesmo que em diversas estâncias ainda prefira o aspecto mais sóbrio encontrado anteriormente. No novo, as texturas são melhores, há mais presença de vegetação e a iluminação da Unreal traz uma ar muito mais realista.

Com toda certeza, alguém ainda poderia argumentar que até mesmo o maior nível de artificialidade dos gráficos originais faziam parte da experiência. Porém, como um trabalho que procurou trazer os aprimoramentos do segundo jogo, The Talos Principle: Reawakened faz um ótimo trabalho. Ainda mais quando olhamos para os aprimoramentos de qualidade de vida proporcionados por isso, como a mudança total do sistema de dicas — que muitas vezes eram confusas demais — por uma forma de pular puzzles inteiros parecida com a implementação do segundo jogo.

Para quem já jogou The Talos Principle e quer rejogar, há agora a opção de ativar comentários dos desenvolvedores, os quais são encontrados ao longo da jornada em formato de gravações, como as de Alexandra Drennan. Joguei parte da campanha original dessa forma, e vários desses comentários são tanto extremamente interessantes para quem gosta do jogo quanto para quem tem interesse em saber mais sobre o processo criativo de artistas já bem estabelecidos.

The Talos Principle: Reawakened. Foto de layout de puzzle feito em lego contido em uma dos comentários de desenvolvedor.

A mais importante das adições: o botão de retroceder. Uma das maiores críticas ao primeiro jogo era como alguns quebra-cabeças com soluções mais elaboradas e com um número maior de passos tornavam-se um pesadelo para resolver. Qualquer erro ou soft-lock significava recomeçar tudo desde o início. Agora, ao apertar uma tecla, seu personagem pode retornar no tempo. Para ser sincero, nunca foi um grande problema para mim fora dos puzzles que envolviam as minas explosivas (que são poucos), mas acredito que muitos ficarão felizes com a adição.

Essa mudança se relaciona diretamente com as feitas na mecânica de clone. Na versão anterior, você interagia com o gravador, fazia uma ação, finalizava no gravador e seu clone faria exatamente o que você o programou para fazer. Agora, há possibilidade de fazer vários checkpoints onde o jogador consegue ter um controle maior de sua réplica, o que facilita a resolução de quebra-cabeças existentes, entretanto também possibilita a criação de novos puzzles.

Essas novas possibilidades com os clones, por exemplo, são exploradas na campanha presente somente no remake: In the Beginning. Nela, você poderá encontrar alguns dos puzzles mais difíceis da duologia — o que inclui até seus conteúdos adicionais como a campanha Into The Abbys do segundo jogo. Nesse sentido, pode até ser um ponto negativo caso alguém que jogou o primeiro Talos há muito tempo vá direto para nova história e sinta dificuldade de se acostumar de novo com o já grande número de possibilidades lógicas preexistentes.

Em narrativa, In the Beginning — como o nome sugere — é um prólogo dos acontecimentos do primeiro jogo que traz uma visão diferente de Alexandra Drennan. Ele mostra uma profundidade maior no personagem de Elohim, a “voz de Deus” que você ouve durante a campanha original e contextualiza diversos elementos da história, que antes eram só sugeridos. Ou seja, mesmo que seja um prólogo, ela é feita para ser jogada apenas depois de já terminar a história principal.

The Talos Principle: Reawakened. Holograma azul de uma cadeira.

Tematicamente, a nova narrativa segue muito próxima das ambições humanistas que permeiam a franquia. Sem entrar em muitos detalhes para pessoas que ainda não tiveram contato com o jogo, tudo ainda gira em volta de uma mensagem que busca reforçar uma qualidade em tudo aquilo que é humano e se contrapor às visões negativas de “pessoas são parasitas”. Isso, porém, ganha toda uma nova camada de sentido que não existia há uma década atrás, porque, dentro da história, a invenção da inteligência artificial é colocada como um dos maiores feitos da humanidade.

É difícil não construir uma relação complicada ao ouvir e ler sobre IA no jogo, porque, apesar de diferir muito das máquinas probabilísticas da vida real, o termo é o mesmo utilizado para os oráculos modernos — com uma taxa menor de acerto — que protagonizam as situações mais vexatórias da atualidade, desde do plágio disparado do trabalho de escritores e artistas até o colapso energético e ambiental do mundo. Irônico, ao pensar que em The Talos Principle foram as consequências da crise climática que causaram a criação da IA.

Por isso, é necessário ir com certa abertura para, em minha opinião, ideias que são um tanto inocentes, mas que possuem o coração no lugar. Pode até nos ajudar a pensar inteligência artificial para além dos algoritmos de mediocridade que invadem nosso dia a dia. Até porque essa é uma ambição presente no espírito humano desde a antiguidade (como o próprio título do jogo nos lembra ao referenciar o autômato da mitologia grega) e não vai simplesmente sumir.

Cenário monocromático em amarelo contendo, à direita, uma estátua romana e vasos iluminados por uma grande janela que se encontra no centro da imagem.

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De resto, tudo está como no jogo original. O sentimento de solidão em meio àquele mundo onde você é guiada apenas por vozes sem corpo é um terminal sinistro; a trilha sonora minimalista; as ótimas explorações mecânicas; toda carga filosófica que serve como um adorno necessário a ambientação do jogo.

Uma experiência com diversas camadas em que você vai encontrar algo interessante ao observar cada cantinho dela e tentar absorver o sentimento — não porque você vai “aprender algo”, mas porque todos os elementos do jogo estão em constante conversa e, ao se atentar a cada coisinha, irá aprender mais sobre outras.

Para quem ainda não teve nenhum contato com Talos Principle no geral, a versão original ainda é uma boa pedida, até porque vejo as adições mais interessantes do Reawakened voltadas para uma comunidade já estabelecida em volta da franquia — como, por exemplo, o criador de fases que está tendo uma atenção especial desde antes do lançamento. Ainda mais por uma questão de performance, já que a Unreal Engine 5 é conhecida por demandar muito do computador.

Lamento que, assim como em The Talos Principle 2, ambas a DLC incluída (Road to Gehenna) e a nova campanha já citada (In the Beginning) apesar de estarem traduzidas para o português, não estejam dubladas no idioma como o primeiro jogo. Não era um trabalho perfeito, mas esperava que pudessem voltar com algo aprimorado ao invés de só deixar de lado.

Revisitar The Talos Principle foi especial. Pois guardo muitas boas memórias por ele possuir um dos espaços virtuais mais aconchegantes na minha visão… mesmo quando tenho medo da imponência de seus mapas em relação ao meu perdido e confuso personagem que procura uma resposta em meio aos quebra-cabeças de um suposto criador.

Para finalizar, gostaria de deixar um conjunto de fotografias feitas por meio do próprio (e ótimo) modo foto do jogo, um assunto que gostaria de escrever mais sobre e que faz parte essencial da minha relação com vários jogos. Sendo o Talos um dos jogos que trouxe essa paixão em quase uma década atrás e que depois recompensou quando ganhei minha cópia do segundo jogo em um concurso de fotografia da Croteam.

Uma cópia de The Talos Principle: Reawakened para PC foi concedida pela Devolver Digital para análise no Recanto do Dragão.