Jogos de anime estão em uma fase curiosa, após uma saturação e puro cansaço em todos os sentidos e uma repetição de fórmulas. Agora, temos uma luz no fim do túnel, que chegou com o Dragon Ball: Sparking! ZERO. Nesse mesmo estilo se encontra o mais novo jogo de Bleach, ainda num contexto de renascimento de jogos de anime, e ainda por cima da própria franquia, considerando que Bleach não possuía um mais novo título para consoles desde 2011, e os depois dele apenas eram gacha para celular. Então, Bleach Rebirth Of Souls se encontra em um contexto de um possível renascimento do gênero; dos jogos de Bleach, e até dos próprios símbolos de Beach, já que ele lançou pouco tempo depois que o novo anime Thousand Year Blood War. Este título apresenta uma mensagem bem clara. É curioso o quanto as coisas estavam alinhadas para seu renascimento.
Porém, antes de falar do jogo em si, infelizmente precisarei tirar o elefante da sala. Se você acompanhou de longe o lançamento desse jogo, muito provavelmente deve ter observado o seu lançamento desastroso para PC, que no caso foi a versão que eu joguei. Mas por que foi desastroso? Simplesmente: quando você entrava no modo história ou começava uma luta no modo versus, o jogo crashava, te impossibilitando de jogar. A única coisa que funcionava no jogo era o modo treino, mas só por alguns segundos — logo depois tinha um bug gráfico em que toda a tela ficava branca.
Infelizmente é impossível ignorar um fator como esse, eu mesmo só consegui jogar o jogo depois de alguns dias após o lançamento. Pós correção, eu tive poucos problemas, mas deixar o jogo em tela cheia ainda era complicado: se dar um Alt + Tab poderia significar um outro crash no jogo, então joguei ele todo puramente em janela, não tive mais problema após isso. Nem preciso falar como é desastroso um jogo em 2025, de franquia famosa, publicado por uma empresa tão grande como a Bandai ter um lançamento como esse.

Agora posso de fato falar do jogo. Em questão de história, Bleach Rebirth of Souls adapta até um pouco mais da metade do mangá/anime, localizado depois do arco dos Arrancars. A história é contada 100% do tempo com cutscenes, diferente de jogos como Naruto Storm 1-3, onde cutscenes apareciam só em cenas mais importantes, e se observava uma atenção maior apenas em cenas de ação, que possuíam uma abordagem única buscando um exagero e cenas com uma escala de poder completamente diferente do anime/manga. Isso era esperado da empresa que tinha feito Asura’s Wrath na mesma época. Achei relevante destacar esse meio que Naruto Storm assumiu com uma pegada diferente nas mesmas cenas, que mesmo com uma falta de dinamicidade maior nas cenas de conversa, compensa em cenas de ação extravagantes.
Peguei parte do parágrafo anterior para falar da estilística das cutscenes da série Storm para destacar a forma que Rebirth of Souls aborda adaptar a história do seu anime como uma faca de dois gumes. O jogo tem direito a praticamente 20 horas apenas de cutscenes, retratando toda a parte já falada do anime. É bem detalhada e mostra cenas que em outras adaptações poderiam ser apenas cortadas. Mas isso tem suas desvantagens, o jogo tem animações claramente precárias, e muitas delas são quase que risíveis, mas é difícil condenar, principalmente por ter um conteúdo robusto de cutscenes, mas faltava uma abordagem mais interessante. Boa parte delas poderiam ser facilmente quadros do mangá do rosto do personagem apenas abrindo a boca, o que depois de tanto tempo pode se tornar um elemento exaustivo, observar as missões terem a mesma estrutura de uma longa cutscene e uma luta que varia o tempo se você tiver dificuldade ou facilidade nela.
Outros jogos de anime utilizavam outras formas de gameplay além da luta padrão para uma busca mais dinâmica nas representações da história. Uma das melhores coisas da série Storm eram como eles transmitiam situações que quebram o núcleo de luta 1v1. No Storm 2 tinha momentos de rail shooter, Musou, entre outros, por exemplo. Só pra deixar mais explícito, não estou colocando uma obrigatoriedade do jogo do Bleach em se utilizar de vários núcleos de gameplay, até acho interessante o jogo confiar tanto em seu próprio sistema de batalha à ponto dela constituir apenas em combates. E sim, me incomodo com o quão maçante essas escolhas podem se tornar com o tempo, já que todos os momentos serão uma cutscene de mais de cinco minutos, luta, próxima missão repete, acho que pegar Sparking Zero, que mesmo tendo vários problemas da forma de contar sua história (de forma até mais precária que o Rebirth Of Souls) ainda era mais dinâmico para o início dos embates. Então pra mim essa forma do jogo adaptar a história do anime é tão detalhada que acho impressionante, mas falta uma tentativa de tornar tudo aquilo mais interessante.

Rebirth Of Souls se destaca em uma coisa que reverbera até em seu sistema de combate: é uma busca constante em entender o estilo de Bleach, sua iconografia, o porque até hoje visualmente e em sentido de moda é relevante e conversou com tantos adolescentes em 2004. Porém, o jogo não busca uma pura reprodução de seus trejeitos, e sim um entendimento em prol de uma criação própria, em parte por que não tem como apenas transpor puramente símbolos que surgiram há 20 anos atrás de forma bruta; o mundo mudou, até Bleach mudou. Não o mangá em si, mas a forma que as pessoas revistam e olham pra Bleach é completamente diferente.
Bleach sofreu uma total revisão de seu conteúdo pós-lançamento do mais novo anime. Alguns podem lembrar como eram certas discussões do anime eram antes do último anime lançar, então é impossível só copiar todos os trejeitos e a estilística pura de Bleach. Ou seja, o jogo tenta compreender e se utilizar de quase todas as mesmas imagens que já existem, mas a forma que eles as utilizam é completamente diferente. O jogo tem direito a title cards, resumos, mistura de arte em estilo mangá para contar passagens mentais dos personagens, poemas (como o mangá já utilizava); mistura todos os meios estilísticos que o anime/mangá já consagraram e os ressignificam em um meio novo.
Sinto que assim, em Bleach Rebirth of Souls nasce uma estética da década de 2020 que busca um renascimento das convenções de 2000. Os jovens são parecidos com os daquela época, mas se nascem de reutilização de imagens pré-existentes com moldes e exageros mais explícitos. Não é à toa quando se percebe o envolvimento de nomes do NEO: The World Ends With You, como ambos os vocalistas que emprestaram suas músicas para ele. Como um jogo que diretamente conversa com Rebirth of Souls, NEO também tem que ter relação com uma obra e suas convenções de como era ser adolescente em 2007, mas agora num contexto de 2021. Porém, ambos tratam isso de formas distintas: enquanto NEO vai do parâmetro de sequência, que tem que pegar certas tendências anteriores mas pode criar novas do zero, Bleach lida com uma imagem que envelheceu, que tem que ser revisitada, renovada, e mostrar como coisas “atemporais” não existem. Bleach vem do seu meio, da sua época: o que tem pra ser feito é rever seus símbolos já em 2025.
Mas como é que se joga Bleach Rebirth of Souls? Então, na prática, é como um fighting game com mapa 3D, mas você só pode ou ir ao inimigo ou recuar. Mas acho que as semelhanças com outros param por aí; Rebirth Of Souls nem se utiliza do sistema de rounds convencionais. Ambos os personagens tem entre 5-10 barras de vida, mas cada barra não é drenada de uma vez, e sim 2-3 ou até mais, representadas na HUD em laranja. Porém todos os personagens do jogo tem uma “Evolution” que basicamente, para termos de Budokai Tenkaichi, são as transformações, mas todos os bonecos tem já que uma das dinâmicas de Bleach é o uso da bankai, onde é liberado o potencial máximo dos poderes do indivíduo (sem estender muito em explicação de poderes do anime) e o moveset ainda muda com essa evolução. Alguns personagens ainda possuem mais de uma evolução, e eles costumam ter apenas dois combos comuns: o spam de golpe fraco, e spam de golpe forte. O jogo não é muito de fazer exatamente combos complexos, e sim utilizar certos meios mecânicos para estender seus combos padrões e mesclar. Ele faz isso de diversas formas. Quando o combo finalizar, você pode teleportar para trás e continuá-lo, ou usar algo semelhante ao Burst do Guilty Gear, que cancela o combo do inimigo, ou para estender seu próprio combo cancelando o seu, fora habilidades especiais particulares dos personagens que usam uma barra própria. Os ataques podem ser utilizados para estender seus combos, mas dependem de um ponto específico do combo.

Existem outras duas mecânicas principais: a primeira é o Breaker, que é um golpe utilizado para finalizar os inimigos, mas que pode ser usado a qualquer momento. A segunda é sua contraparte, o Hohō, que se acertar te leva para as costas do oponente, e aumenta de forma mais rápida uma das barras. É um jogo com tantas mecânicas que não são exatamente complexas, mas são cruciais para ele fluir. Basicamente: é um jogo sobre se defender e se utilizar da situação mais avantajosa para atacar, é quase inteiramente sobre jogar no neutro em jogo de luta, com sistemas de combos baseados em apenas estender os normais. É uma combinação de ideias tão esquisitas, que é apenas em transpor a iconografia das lutas do anime, como as Bankai, que ele acaba funcionando. O jeito que o teleporte é utilizado tanto para fugir, quanto para chegar próximo do alvo, quanto para estender seus combos; a preocupação de Rebirth of Souls se procura bem mais em como pensar na linguagem das lutas do anime, e como tornar aquilo jogável. Todas as técnicas principais dos shinigamis se tornando mecânicas do jogo são a prova disso.
Eu diria que Bleach Rebirth Of Souls é meio megalomaníaco. O tanto de tempo de cutscene, o moveset inteiro dos personagens mudar com suas evoluções e todos as possuírem, até o fato que a possível maior preocupação de todo o jogo é tanto sua estilística, que todos os personagens, ao usarem suas evoluções, começam a tocar um tema próprio com estilos de música variados — indo de eletrônica, rock, e até pop. Tudo dependendo se aquilo conversa com o personagem. É um meio de representação que expande o visual e se preocupa até em músicas que podem ou não ter vocal.
Bleach Rebirth of Souls pra mim encaminha o melhor lado dos jogos de luta de anime, que são uma busca maior em como transpor aquele em seu todo. Busca como entender e utilizar todos os pretextos do anime em meios de gameplay que se conversam com o maior do gênero que faz o mesmo, a série Budokai Tenkaichi. Acho que apenas posso concluir que ele é um dos jogos de luta mais esquisitos que se preocupa apenas em ser digno de possuir o nome de Bleach.

Uma cópia de BLEACH Rebirth of Souls para PC foi concedida pela Bandai Namco para análise no Recanto do Dragão.