Never 7 — preso num retiro temporal | Análise

No começo do mês de março, a Spike Chunsoft e a desenvolvedora Mage Inc trazem uma dupla de remasters dos dois primeiros jogos da série Infinity, os quais serão vendidos em conjunto, mas que também poderão ser adquiridos separadamente. Da mesma forma, criamos dois textos, um para cada jogo, analisando seu papel diante da história do gênero e de sua franquia. Comecemos por Never 7.

Nota: Análise escrita a partir da versão do jogo recebida, ou seja, a versão de Nintendo Switch. Jogado no modo portátil e a única observação sobre a versão é que poderia ter sido implementada a função de usar o touch screen para interagir com o jogo.

Considerações histórico-técnicas

Never 7 análise - arte de capa do jogo Memories Off

Desenvolvido originalmente pela KID e lançado em 2000, Never 7 é uma visual novel do estilo simulador de namoro com elementos de ficção científica. É, também, o jogo que dá início a série Infinity, franquia de jogos liderada por Takumi Nakazawa, Kotaro Uchikoshi e Takeshi Abo — diretor, roteirista e compositor respectivamente — trio que já havia trabalhado em Memories Off, da mesma empresa.

Apesar de não ser o primeiro jogo feito pelo grupo, foi o primeiro trabalho dele a incluir os elementos de ficção científica que definiram vários aspectos das carreiras de cada um dos três, mesmo após sua separação devido à falência da KID. Abo, por exemplo, compôs a trilha sonora da visual novel de Steins;Gate, uma das histórias de ficção científica mais populares dos dias de hoje.

Sendo assim, pode-se dizer que Never 7 — junto do resto da franquia — é uma obra de importância ímpar para a história do gênero. No entanto, o jogo nunca foi lançado fora do Japão e China, e seu acesso para além desses mercados só foi possível graças a patches de tradução feitos por fãs. Agora está ao nosso alcance, mas será que da forma ideal?

Capa da versão de PSP de Never 7.

Feito com base na versão de PSP lançada em 2009, que já possuía todos conteúdos extras, os visuais aprimorados e a possibilidade de pular textos já lidos são as razões para essa nova versão ser considerada a “definitiva” da obra. Porém, em relação aos “visuais”, ainda que passável, há uma sensação de uma textura um tanto plastificada, principalmente, nas artes de fundo por causa do que parece ser um upscale feito por IA. Além disso, a função de pular texto poderia ser melhor em identificar textos repetidos em rotas separadas.

A despeito dessas pequenas inconveniências, acredito que essa versão permite uma boa experiência tanto para fãs que queiram jogar, quanto para marinheiros de primeira viagem, como eu, caso tenha conhecimento de inglês.

Mas, afinal, do que se trata Never 7?

Nos parágrafos a seguir, farei muitas comparações que vão ser definidas e limitadas pelo meu próprio repertório: o que consegui pesquisar, ter jogado a sequência Ever 17, e meu contato com outros trabalhos do roteirista Uchikoshi. Espero que outras análises pela internet cubram essa limitação minha.

Indo agora para o jogo em si, a primeira coisa a se pontuar é que os elementos de ficção científica, quando comparados retroativamente com os jogos seguintes da própria franquia, ainda são comedidos. Isso é ilustrado bem pela sua abertura, que é parecida com a introdução de qualquer outra visual novel, mas que por alguns segundos tem a tela tomada por códigos genéticos e um modelo 3D enorme de um DNA.

DNA sobreposto por codificações genéticas.

No entanto, especialmente no caso de seu roteirista, Kotaro Uchikoshi, já se percebem temas e elementos que se tornariam recorrentes em suas obras — sim, você vai ler mais um diálogo sobre o gato de Schrödinger caso já tenha tido contato com outros jogos do escritor.

Se em 999, por exemplo, Uchikoshi pediu ao jogador para escapar em nove horas, aqui ele é mais gentil: você tem seis dias para evitar uma tragédia. E, desse argumento, desenrolam todas as outras dinâmicas sobre a (in)evitabilidade do destino que marcam presença não apenas em Never 7, mas na série Infinity como um todo, e no resto da carreira do roteirista.

Never 7 análise - Arte de fundo de um caminho de terra que passa no meio de uma floresta ao entardecer.

A trama, porém, se desenvolve em um cenário bem mais confortável. É como se caíssemos de paraquedas em um episódio de viagem de algum anime escolar, embora, nesse caso, seja uma viagem de faculdade para uma cabana no interior. As artes de fundo, junto da trilha de Abo, vendem bem a cidadezinha no interior do Japão com todo seu conforto e tranquilidade.

Sino de gato.

Apesar disso, os elementos de sci-fi temporal já estão lá desde o início: o protagonista Makoto Ishihara, estudante de psicologia, tem um sonho-quase-visão que alguém segurando um sino de gato morrerá no dia 6 de abril.

Depois dessa cena inicial, os dias que seguem são cheios de momentos despreocupados — partida de tênis, churrasco na praia, piscina, etc. — e, entre eles, ocorrem os fenômenos sobrenaturais envolvendo premonições e algumas cenas mais tensas.

Essa natureza relaxada é vista normalmente por quem jogou como um problema por render “momentos chatos onde nada acontece”. Porém é a existência deles que faz o jogo brilhar a longo prazo. Apesar das interações, quando pensadas nas suas especificidades, serem por muitas vezes escritas de forma medíocre ou até mesmo ruim, é o acúmulo delas que faz o melodrama funcionar.

Nesse caminho, por ser também um dating sim, você fará escolhas que te aproximam de alguma das diferentes personagens — apesar de igualmente letradas em teorias da conspiração e física-quântica. São elas:

Yuuka Kawashima, a bêbada líder do grupo de viagem; Haruka Higuchi, a garota estranha que guarda um segredo; Saki Asakura, uma clássica tsundere só que mais irritante do que deveria; Izumi Morino, dona de um café na região; Kurumi Morino, a opção romântica menor de idade que tem dezessete anos, mas age como se tivesse doze — sempre tem como piorar, né?

Never 7 análise - Arte do jogo contendo todas suas personagens femininas.
Da esquerda pra direita: Yuuka, Haruka, Saki, Kurumi e Izumi.

Tem um outro personagem que é o Okuhiko Iida, mas ele existe apenas para rivalizar o protagonista em alguns momentos e ser o pivô de uma das rotas mais absurdas do jogo, o que talvez traga um pouco de redenção à sua existência.

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De acordo com qual garota você engaja, não só o momento a momento da rota é mudado — já que cada uma das garotas guarda algum segredo a ser revelado -, mas também como a tal tragédia que ocorre no sexto dia acontece. A forma como isso é executado faz brincadeiras bacanas com o gênero do jogo de maneiras que apenas poderiam ser feitas em uma visual novel.

E são todos elementos que são expandidos em futuros jogos da franquia: o uso do foreshadowing entre rotas, forma como as rotas se complementam para contar uma única narrativa e a discussão do papel do protagonista como definidor do destino a partir de suas escolhas — tanto que em em Ever 17 há dois protagonistas. É preciso ser dito que todas essas coisas também estão muito presentes na série Zero Escape, o que pode causar uma sensação de mesmice para quem já jogou esses jogos.

Por falar em repetição, essa talvez seja a grande dificuldade na execução de Never 7. Usar um guia ajuda, mas como é um jogo que depende muito da finalização de todas suas rotas para completo entendimento, você está refém do fato de que algumas rotas simplesmente são menos interessantes do que outras e todas as rotas compartilham vários momentos em comum. Dessa forma, você estará repetindo coisas que já viu e a recompensa por isso nem sempre será empolgante.

Arte do jogo contendo a personagem Saki de biquíni e óculos de sol na beira da piscina.

Em contrapartida, repetir também permite assimilar melhor a personalidade e os dramas das personagens. Por isso, quando o melodrama funciona, ele funciona. Quando digo isso, me refiro principalmente à rota da Haruko, provavelmente a personagem mais interessante, e da Izumi, a qual tem as revelações mais importantes do jogo.

Novamente, para finalizar, talvez muitas dessas coisas se tornem menos impactantes caso quem esteja jogando esteja com outras obras escritas por Uchikoshi frescas na memória. Um “deja vu” de dramas e conceitos que, apesar disso, podem ser interessantes como um método de conhecer as primeiras iterações do autor com esses elementos.

Não acredito, também, que seja uma visita apenas pela sua importância histórica e considero um jogo subestimado. Ser uma narrativa que ocorre num cenário descontraído permite que seus elementos de simulador de namoro funcionem melhor e as revelações salpicadas aqui e ali — pelo menos seus melhores momentos — constroem um ótimo ritmo para a narrativa.

Diferente do Ever 17 que, ao avançar com os elementos de ficção científica, gera um desequilíbrio que prejudica o jogo em algumas áreas. Esse assunto, porém, fica para o próximo texto.

Uma cópia de Never 7 para Nintendo Switch foi concedida pela Spike Chunsoft para análise no Recanto do Dragão.