Backbone — o jogo noir que parece uma Zootopia madura, é bom? (Análise)

Não é de hoje que produções com animais inteligentes me encantam logo de cara, e sabendo disso, resolvi me aventurar no jogo Backbone, um romance disponível para PC e consoles (pode ser encontrado no Xbox Game Pass).

Tendo muitas críticas sobre sua história, duração e mais alguns outros pontos negativos que você irá encontrar linhas abaixo, minha expectativa não estava nem um pouco alta quanto a essa obra.

Porém, o que poderia ser um fiasco total dentro da minha experiência em jogos eletrônicos se provou ser uma surpreendente, mesmo que frágil, produção de investigação criminal. Pode-se concluir que ele não é um jogo que agradará a todos.

Mas vale a pena conferir esse texto, caso você esteja se perguntando se vale a pena jogar Backbone.

Por outro lado, vale dizer que, caso você já tenha jogado, é válido dar uma lida sobre a percepção que tive do jogo, já que levantarei minha suposição sobre o caso abordado e como ele é bem transformado em uma metáfora sobre diveros aspectos da atualidade.

Backbone e o gênero de “animais inteligentes”

O jogo já me prendeu somente pela sua premissa, que apresenta um mundo sombrio onde os protagonistas consistem de animais humanóides que são inteligentes. Desta maneira, os seres presentes na narrativa possuem características próprias, além de terem outros bichos menores para servir de estimação, como iguanas.

Com isso, há duas obras que me fizeram fazer uma ligação com o game: Zootopia e o anime Beastars.

Falarei mais para frente o porquê dessa conexão entre esses dois universos animalescos, mas são ótimos pontos de referência no jogo Backbone.

Porém, não pense que, só porque citei um filme da Disney, este game é “bobinho” ou idealizado para um público infantil. Na verdade, seu roteiro é pesado e denso, concretizado para o público adulto que gosta do gênero de investigação criminal. Olha só:

Assim, ele acaba se aproximando muito do Beastars, o anime onde diversas espécies de animais tem que conviver em uma sociedade em que há uma divisão social clara entre carnívoros e herbívoros, fora citações sobre canibalismo e uma máfia especializada em contrabando de carne para animais que se alimentam de proteínas. 

Backbone: Um jogo noir mais lento que o normal

Um ponto-chave de uma obra do gênero noir e neo-noir (investigações criminais) é a comunicação de cada personagem.

Esse ponto se baseia em uma realidade onde detetives precisam solucionar crimes e farsas partindo de conversas com suspeitos e pessoas envolvidas no incidente em questão. Mas quando se trata de Backbone, o jogo acaba ultrapassando um pouco o limite de “importância” de uma conversa.

Não são poucas as vezes que lidamos com cerca de 20 minutos de diálogos baseados somente em leitura (lembrando que não há dublagem alguma no jogo).

É correto dizer que essa minha percepção pode estar um pouco mal feita, já que este game poderia entrar facilmente na categoria de visual novel, onde diálogos extensos (e, por vezes, sem voice-over) fazem parte da jogabilidade.

Porém, ao contrário dessa classe de jogos, Backbone não tem tanta profundidade com suas inúmeras linhas de diálogo.

Além disso, o jogo tem outro ponto negativo: o fato de ter apenas um final, o que acaba trazendo um ar de insignificância às escolhas realizadas durante as conversas.

Assim, o fator de rejogabilidade, normal em jogos que possuem escolhas, acaba caindo no esquecimento já que a narrativa sempre tomará o mesmo rumo.

Visuais lindos e cativantes

Um dos pontos mais positivos presentes dentro de toda a narrativa do Backbone são seus visuais extremamente caprichados em estilo pixelizado.

Na cidade onde o game se passa, há uma notável diferença entre a classe baixa (composta por guaxinins, raposas e cães) e a classe alta (composta por leões, macacos e gorilas), e isso é espetacularmente transmitido ao player por meio da qualidade gráfica.

Ao mesmo tempo em que você sente o ar frio e sem vida da cidade, consegue visualizar os seus pontos mais bonitos e suas belezas civilizatórias não-naturais.

Assim, consigo facilmente visualizar a cidade de São Paulo dentro da obra, com um contraponto “belo” entre a pobreza das zonas afastadas e a riqueza fria dos gigantescos edifícios das zonas paulistanas mais abastadas.

Nesse ponto, a apresentação de Backbone é simplesmente genial, transmitindo apenas pelas suas imagens todo o preconceito presente no mundo, além de expor pontos importantes, como o racismo (representado pelo tratamento da alta cúpula com os guaxinins).

Trilha sonora praticamente ausente

Ao contrário de muitos comentários que encontrei sobre essa obra, a trilha sonora presente no game não me agradou.

Em alguns momentos, músicas, sons e quaisquer outros elementos atmosféricos referente à sonorização são basicamente inexistentes. Assim, o fator relacionado à imersão dentro da obra acaba diminuindo, tornando as inúmeras falas ainda mais exaustivas e monótonas.

Entendo que há um valor no silêncio, e que ele se torna necessário em certos momentos dramáticos, mas bem que poderiam colocar alguns barulhos de fundo ou qualquer outra sonorização de trilhas brancas em momentos de conversas duradouras.

Ainda tocando nesse aspecto, há momentos positivos onde os produtores acertaram em cheio nas cenas de ação e suspense, já que nelas temos a presença de uma boa trilha que garante uma “tensão” ainda maior à cena.

Uma história corrida e mau finalizada

Continuando com os pontos ruins presentes na obra, finalizado eles com a narrativa que DO NADA se torna uma ficção.

Fique tranquilo, não darei spoilers sobre o desfecho do jogo, mas preciso dizer que fiquei decepcionado com algumas ligações presentes. Assim, até entendo que a premissa nunca foi transformar o game em uma mega metáfora real em um mundo de animais.

Porém, transformar uma história que tinha ligações com canibalismo, contrabando e drogas em um roteiro de ficção científica absurda com manipulação de células e organismos simbióticos me pareceu errôneo para o tom inicial desse jogo.

Além disso, o fato de que o jogo é dividido em 5 capítulos onde os 2 primeiros tem quase 2 horas de duração cada e os três últimos podem ser jogados em menos de 2 horas deixou tudo muito corrido.

O jogo quebra completamente o ritmo que estabeleceu previamente, tirando toda a dramaticidade construída pela narrativa até aquele ponto com um desfecho que parece querer maratonar as explicações finais de tudo.

Conexões com outras obras

Como já foi evidenciado no texto, há a presença de algumas claras inspirações dentro do universo de Backbone. Separei algumas que me vieram logo que finalizei a história desta obra:

Zootopia

Já disse antes, mas a história e o gênero do Backbone me relembraram instantaneamente do filme Zootopia.

Na obra cinematográfica, acompanhamos a vida de uma raposa (no jogo, a raposa é o segundo personagem mais importante), que precisa da ajuda de uma policial coelha (investigação e gênero policial, assim como no game) para se safar de um crime que não cometeu.

Isso sem citar, é claro, no universo de animais humanóides (que por si só é um gênero mais comum), que também faz uso de diversas piadinhas para quebrar a tensão com um toque mais humorístico.

L.A. Noire

Acho difícil uma pessoa discutir videogames de gêneros noir sem se lembrar do L.A. Noire. O clássico da Rockstar apresenta um mundo imersivo e, até aquele momento, particularmente único dentro do mundo dos jogos eletrônicos.

Não me lembro de outra obra que cuida com tanto carinho as expressões faciais de cada personagem que seu personagem principal investiga ao longo da solução dos crimes presentes na narrativa.

Os aspectos presentes em Backbone que me fizeram ter uma recordação do jogo, da criadora de Red Dead Redemption, acaba por aí. Porém, é impossível não fazer a ligação entre as obras.

Beastars

A mais clara das obras que senti conexão entre o jogo Backbone e outro produto do mundo exterior: Beastars. O anime, disponível na Netflix, serve como uma boa referência para quem gosta de se aprofundar em aspectos sombrios nesses mundos de animais inteligentes.

Na história do desenho, acompanhamos a vida escolar de um lobo que possui diversas acusações sobre o homicídio de um carneiro.

Isso se deve pois dentro deste mundo há uma separação racial entre carnívoros e herbívoros, mesmo que ambos convivam em uma mesma sociedade. Porém, há ainda o preconceito com os animais que comem carne.

As coisas pioram enquanto há uma máfia de leões que realizam o contrabando de carne para os carnívoros. É a partir daí que a história desse anime se desenrola.

Enfim, ambas as obras demonstram um jeito mais adulto (e certamente não indicado para crianças) de como seria um mundo verdadeiro em que os animais são inteligentes e vivem em sociedades avançadas separadas em castas… como a nossa.

Distrito 9

Por fim, eu não recomendo a leitura desses últimos parágrafos para aqueles que estão fugindo de spoilers, pois isso pode acabar estragando o plot twist final do Backbone. Se você quiser evitar minha explanação do final, pode pular para a Conclusão!

Continuando, em certo momento da gameplay nos deparamos com uma experiência secreta do governo que, com outras milícias, busca criar um organismo novo visando conquistar uma possível imortalidade a partir de um hospedeiro.

Com isso, você pode se questionar: onde isso tem a ver com o filme de invasão alienígena Distrito 9?

Pois bem, caso tenha assistido, poderá se lembrar do terço final da obra, quando o protagonista recebe um hospedeiro e começa a se transformar em uma mistura de alienígena com humano.

Sim, é exatamente isso que acontece com nosso protagonista aqui.

Ao longo das últimas horas de jogo, vemos nosso guaxinim desfalecendo na presença de um hospedeiro que, enquanto toma seu corpo com a formação de diversos tumores, acaba desintegrando sua mente e apagando todas suas memórias.

Isso te lembra alguma história recente do mundo dos games?

Cyberpunk 2077: sim ou não?

Não é incoerência da minha parte trazer algumas conexões do mundo de Cyberpunk 2077 para o de Backbone.

Óbvio, são dois jogos com estilos, narrativas e gameplays completamente diferentes, porém, com casualidades comparativas que valem a pena ser mencionadas.

Começando pela iluminação do BackBone, que, por ser um jogo neo noir, apresenta uma abundância de luzes em bares e neon espalhados.

Isso também acontece com frequência em Night City, já que luzes chamativas e uma cidade distópica com vida noturna ativa fazem parte do universo futurístico da CD Projekt Red.

O segundo ponto que mais me chamou atenção foi o que mencionei no último tópico: a espécie simbiótica que, ao mesmo tempo que colabora contigo, te mata. Assim como o Johnny Silverhand em CP2077.

O circuito integrado implantado na cabeça de V, contendo memórias póstumas de um cantor de metal, vai corroendo a memória do personagem principal. Isso tudo, é claro, ao mesmo tempo em que garantimos boas horas de conversas com o “espírito” do personagem do Keanu Reeves.

Já em Backbone, durante as progressivas últimas horas de sofrimento do guaxinim detetive, vemos o organismo consumindo seu corpo em simultâneo, criando uma espécie de quimera na correlação ativa entre parasita e hospedeiro.

Afinal, Backbone vale a pena?

Dizer que Backbone é um jogo ruim ou ultrapassado é ignorância; porém, dizer que ele é um ótimo jogo pode ser uma opinião bastante controversa.

Enquanto a narrativa apresenta seus erros e deixa seu final totalmente em aberto, de um jeito bem inesperado (no sentido negativo da coisa), seus pontos positivos fazem dele uma obra que pode ser recomendada para a maioria dos jogadores interessados.

Concordo que não é um game que vá agradar a todos os fãs do gênero noir ou que buscam um simples jogo com foco em narrativa, particularmente pela forma como a quebra de expectativa pode realmente deixar toda sua experiência amarga por conta do final do jogo.

Por outro lado, é facilmente indicado para quem está em busca de um roteiro mais curto e que definitivamente possa prender os mais curiosos, a ponto de quererem se esforçar para chegar ao final da história.