Resident Evil: Bem-Vindo a Raccoon City — o Bom, o Mau, o Feio

Filme Resident Evil: Bem-Vindo a Raccoon City
Robbie Amell (Chris Redfield), Chad Rook (Richard Aiken), Hannah John Kamen (Jill Valentine) e Tom Hopper (Albert Wesker), o esquadrão S.T.A.R.S. Foto: Divulgação/Sony Pictures

Pela primeira vez desde nunca, ganhamos um novo filme live-action de Resident Evil: Bem-Vindo a Raccon City! Mas será que a ausência da direção de Paul W. S. Anderson, o “Walt Disney das adaptações questionáveis de games pro cinema”, realmente fez bem? É sobre isso que a gente vai discutir: até onde esse emaranhado de inovações nostálgicas deu certo, e onde outras coisas caíram por terra.

Donal Logue (Brians Irons) e o diretor Johannes Roberts. Foto: Divulgação/Sony Pictures

Pra começar, vamos falar do elefantinho na sala: o filme foi dirigido por Johannes Roberts, que não tem a carreira mais extensa ou atraente do mundo. O filme de Resident Evil foi, tecnicamente, sua 15ª atuação como diretor, e em todas as suas outras obras podemos notar que o padrão de notas em sites agregadores é de 5 estrelas de 10.

Isso significa alguma coisa? Óbvio que não, mas serve de alerta para estabelecer um precedente aos leitores: não dá para subir as expectativas a níveis estratosféricos depois de ver um abarrotado de filmes como esses que, a julgar pelas suas sinopses e títulos, aparentam ser produções de terror que sofrem de problemas comuns ao gênero: inimigos invencíveis e tediosos (em toda sua glória slasher dos anos 80) e jumpscares terríveis e forçadíssimos.

Falando em jumpscares forçados, até me lembrou da atrocidade que foi Amnesia Rebirth

Robbie Amell (Chris Redfield) investigando a Mansão Spencer. Foto: Divulgação/Sony Pictures

Comecei falando desse ponto porque mesmo que eu ainda não seja o “crítico de cinema” que um dia almejo ser, qualquer leigo assistindo ao filme de Resident Evil consegue observar vários erros super grosseiros na edição e no enquadramento de certas sequências, sem contar nas apresentações de alguns personagens que chegam a ser brutalmente toscas.

No entanto, uma coisa não dá pra negar: o filme é sim cheio de “boas intenções”, mesmo que isso nem sempre agrade críticos ou atraia bons resultados de bilheterias.

Esse texto não contém grandes spoilers do filme, apenas nas comparações a Resident Evil Remake (GameCube) e Resident Evil 2 (PlayStation) para contextualização.

Os casamentos que deram certo

Pra não pegar mal, já vou deixar claro que eu gostei, sim, do filme.

Surpreendentemente, muitos dos pontos que mais me agradaram na produção foram as soluções criativas (mesmo que não tão mirabolantes assim) criadas pela equipe de Roberts.

Aos que não sabem, o filme funde a narrativa de Resident Evil Remake com o clássico Resident Evil 2 (não confundir com o Remake/2019), que se passam com três meses de diferença, canonicamente falando.

O primeiro fala do incidente das Montanhas Arklay, ao norte de Raccoon City, em que há um vazamento de armas biológicas (lê-se: zumbis), resultando na explosão da Mansão Spencer, de um dos fundadores da megacorporação farmacêutica Umbrella; o segundo se passa três meses depois, quando agentes da S.T.A.R.S. sobrevivem mas ninguém acredita nos seus relatos absurdos de experimentos em laboratórios subterrâneos da cidade.

No filme, temos a presença de elementos-chave como a Lisa Trevor (RE:R) e William Birkin (RE2), em detrimento de outros como a ausência do Mr. X e do querido Barry Burton (que não aparece nesse filme pra fazer a piadinha da “Jill Sandwich”), além da falta de uma construção mais elaborada de figuras importantíssimas como o próprio capitão do esquadrão de elite, Albert Wesker.

Filme Resident Evil: Bem-Vindo a Raccoon City
Tom Hopper (Albert Wesker) e o diretor Johannes Roberts. Foto: Divulgação/Sony Pictures

Na tentativa de costurar essas histórias e esmaecer os furos de roteiro, inerentes da narrativa convoluta (e sinceramente incompleta) dos jogos da Capcom, o filme chega a reconstruir quase que por completo alguns elementos cruciais como a backstory de certos personagens, além de alterar (ou exaltar bastante) os traços de personalidade que são “marca registrada” de outros, como os amados e icônicos Leon Scott Kennedy e Jill Valentine.

A ressignificação de plot points clássicos e previsíveis aos jogadores veteranos, elaborada para justificar os novos elementos introduzidos no filme (que tem sim um certo grau de originalidade em sua narrativa) são muito legais e agregam uma certa textura à narrativa. Dá pra sentir que o filme tem aquele fator “eu joguei os originais mas não tenho ideia do que tá pra rolar nos próximos 10 minutos desse filme”, sabe?

Avan Jogia (Leon S. Kennedy) e Kaya Scodelario (Claire Redfield). Foto: Divulgação/Sony Pictures

Para encerrar as mensagens positivas do dia (não estamos no Orkut, galera), toda a experiência foi graciosamente complementada por algumas atuações que se destacaram bastante.

Dentre elas, aplaudo a paixão emocionante da Kaya Scodelario (Claire Redfield), a sutileza fofa & sexy que complementa o charmoso personagem de Avan Jogia (Leon Scott Kennedy) e a incontrolável animosidade que transborda carisma de Hannah John-Kamen (Jill Valentine), sendo que essa pegou muitos traços da ousada Jill de Resident Evil 3 Remake, em comparação à personalidade “mãe durona” dos títulos clássicos.

Uma aberração biológica (mentira, não é pra tanto)

Conseguem perceber um padrão aqui? O filme Resident Evil: Bem-Vindo a Raccoon City recebeu carta branca para a liberdade criativa, mas se controlou bastante (em comparação com as produções Matrix-ianas irreconhecíveis de Paul W. S. Anderson), resgatando até muitos dos fundamentos do que faz um produto ser Resident Evil.

Aqui temos: a exploração, mesmo que mínima, do “terror do desconhecido”; da inclusão de laboratórios entupidos de teorias conspiratórias contra megacorporações farmacêuticas (alô, Prevent Senior); sem contar na inclusão dos esbeltos zumbis de jaleco e das mega-mansões góticas de configuração labirintítica extremamente complexas, e por aí vai.

Mas aí tem todos os vários elementos em que o filme peca, em especial problemas que são claramente resquícios de vícios do próprio diretor, como péssimos planos fotográficos – o que eu considero CRIME para uma franquia que usa tão bem de seus ângulos de “câmera fixa” na construção do suspense e do terror – e a falta de equilibrar o orçamento para elaborar um laboratório mais convincente da Umbrella.

Filme Resident Evil: Bem-Vindo a Raccoon City
Hannah John Kamen e o diretor Johannes Roberts. Foto: Divulgação/Sony Pictures

O filme sofre com um pacing de ação e terror inconsistente que parece tentar emular a estética e narrativa de Resident Evil 2 Remake, mas com um CGI infinitamente menos convincente e técnicas de iluminação muito mais fracas (afinal de contas, um deles é um jogo, o outro não).

As piadas e outras cenas muito marcantes (como a luta do Chris no escuro, para quem já viu o filme) não deixam um gostinho tão doce porque são amarguradas com timings ruins e muitos desses problemas graves de execução, saltando de um filme de terror de orçamento médio para um filme B de ação e comédia dos anos 90 (com granulado de filme analógico e tudo).

O que selou esse saldo negativo para mim foi o final, onde tudo naturalmente acaba explodindo (como ao final dos três primeiros jogos, e de muitos outros Resident Evils), mas todo mundo sai do túnel tinindo de limpos e com um belo sorrisão nos rostos. Para piorar, ainda fazem questão de dar um freeze-frame ali.

Essa única cena explicita bem a dualidade desse filme: todos se divertiram muito gravando (e eu me diverti assistindo, também!), mas nenhum deles deveria estar feliz com uma bomba nuclear destruindo sua cidade natal, sabe? Quer dizer, sei lá, ainda não explodiram São Paulo pra eu saber dessas coisas.

"Valeu a pena... mas a que custo?"
2.5