Faz sete anos que o mangá de Boruto iniciou publicação, mas não foi todo o público que migrou de Naruto Shippuden para Boruto. Boruto é um projeto colaborativo entre Ukyo Kodachi e Masashi Kishimoto (o autor original de Naruto) com arte de Mikio Ikemoto. Alguns fãs desistiram de Boruto por causa da mudança no estilo de arte, outros pela escrita diferente, outros por não gostarem do Boruto como protagonista, outros pela maneira que o mangá lida com os personagens legado de Naruto… a lista continua.
Como Boruto segue a história do filho de Naruto, o universo ainda depende muito dos grandes ninjas que já foram estabelecidos e ganharam uma guerra inteira. Considerando a força descomunal que Naruto possui como Hokage da Vila da Folha e o perigo que os vilões de Boruto mostram para a vila, muitos fãs antigos não queriam mais tocar na nova série.
No meu caso, acabei vendo uns cento e poucos episódios e lendo as dez primeiras edições do mangá. Pretendo retornar no futuro, mas acho que tenho uma base ok para falar sobre o mais novo jogo da franquia Storm. E, falando de Storm, tenho bem mais experiência com essa série, então já havia medido as expectativas pra Storm Connections.
NARUTO X BORUTO Ultimate Ninja STORM CONNECTIONS (ou simplesmente Storm Connections) foi lançado no dia 16 de novembro de 2023. É o sétimo jogo com o subtítulo Storm desenvolvido pela CyberConnect2 e publicado pela Bandai Namco, e o segundo jogo de Naruto no geral a criar uma ponte entre o mangá que acabou em 2014 e o novo mangá do Boruto que começou em 2016.
Ele é um daqueles jogos mais focados no multiplayer e em preencher um espaço antes de um jogo grande; algo que já foi feito no passado com Naruto Storm Generations e Revolution. Mesmo assim, Revolution apareceu com uma campanha original que envolvia um torneio com-certeza-não-canônico entre ninjas de múltiplas eras, vivos ou mortos. Ele até ganhou um estilo de combate 1v1v1v1 meio Smash Bros extremamente caótico consigo.
Junto disso, ele também possuía três breves histórias originais jogáveis (intituladas Ninja Escapades) com animação do estúdio Pierrot que foram supervisionadas por Kishimoto. Elas eram focadas em personagens já estabelecidos, mas ofereciam experiências novas.
Por mais que eu entenda a dedicação enorme ao fanservice nos jogos numerados da série Storm, acho mais agradável ainda quando eles criam histórias originais, mesmo que não sejam canônicas. A minha parte favorita do Storm 4 ainda é o Adventure Mode em conjunto com Road to Boruto. Storm 4 havia abandonado as áreas livremente exploráveis presentes nos jogos passados em sua história principal em troca de cutscenes e combates entregues de maneira direta. Não é de todo ruim, mas o foco se voltou ao espetáculo das lutas com quick time events acima do senso de lugar criado com jogos passados.
Mesmo assim, o modo aventura era bem menos bombástico e nos via novamente andando pelo mundo ninja e fazendo missões. A ideia não havia completamente morrido.
Naruto X Boruto Storm Connections talvez tenha recebido estes dois nomes por medo da Bandai de vender um jogo licenciado de tamanho orçamento apenas com o nome do Boruto associado. Colocar os dois nomes deu uma boa brecha para Connections incluir todo o elenco de Storm 4 e adicionar personagens novos do Boruto em cima, tornando este o jogo com o maior elenco de todos os Storm. É uma maneira da CyberConnect2 de assegurar que os fãs mais focados no multiplayer tenham um motivo para comprar o jogo e seguir em frente do Storm 4 e também da empresa não ter que se preocupar em vender o jogo apenas aos fãs de Boruto.
O que torna isso complicado ao meu ver é que ela só não foi uma boa ideia. Os momentos que mais fazem Storm Connections brilhar não estão no History Mode que retraça mais uma vez lutas antigas da franquia Naruto ou até na forte presença de ressignificações diretas do passado do Naruto vistas aqui, mas sim suas ideias originais vindas do Boruto. O Road to Boruto do Storm 4 já serve como um ponto de conexão entre Naruto e Boruto, então por que mais um jogo construindo uma ponte entre as duas eras seria necessário?
É por isso que vou focar este texto no modo Special Story do Storm Connections. Ele tem um conceito similar ao do Adventure Mode do Storm 4 mas com toques cinematográficos… e nesse caso sem o mundo explorável. É uma história original escrita pelo Masashi Kishimoto que vê Boruto entrando em uma aventura de viagem no tempo bem ambiciosa, digna dos roteiros de alguns dos melhores filmes do Naruto.
O modo Special Story começa com Boruto recebendo um novo MMO VR chamado Ninja Heroes de presente — um jogo que misteriosamente cobre o passado do mundo ninja, bem na era onde Naruto Shippuden se passa. Este não é um conceito novo para Boruto. Afinal, o mangá começou obcecado por demonstrar a reverência que o atual mundo ninja tem à era do mangá original, como no jogo de cartas que Boruto e seus amigos colecionam.
Mas aqui temos uma concessão ao universo moderno de Boruto, onde um conceito futurista como um MMO VR extremamente imersivo é possível. Em pouco tempo jogando, Boruto começa a se envolver muito no universo do jogo e o recomenda pra vários de seus amigos, incluindo Inojin, Shikadai, Sarada e Mitsuki.
No início da Special Story, Boruto de imediato conhece Nanashi, uma NPC guia dos eventos do jogo que claramente não é uma NPC e nem só uma guia dos eventos do jogo. O Boruto já chega meio malandrinho tentando fazer amizade e a Nanashi imediatamente se irrita e quebra o script. Eles se tornam rápidos amigos e a Nanashi o ajuda no início cheio de grind do MMO.
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Essa é uma temática super interessante! O Boruto jogando com o avatar de seu próprio pai enquanto faz missões sem contexto algum no MMO. Infelizmente, não podemos explorar o mundo de Ninja Heroes, só vemos ele pela perspectiva da narrativa principal. Todas as primeiras lutas (tirando as do capítulo introdutório) são relativamente descontextualizadas. Você pode escolher qualquer personagem do elenco inteiro de Storm Connections para as lutas e elas são apenas contra inimigos aleatórios sem nenhuma mecânica específica atrelada à eles.
É puro filler pela definição mais cínica da palavra, mas gosto de ver as piadas sobre o Ninja Heroes ser um MMO meio chatinho cheio de grind e inconsistências narrativas. A Nanashi até chega a zoar o Boruto por não aguentar a barreira de iniciantes do jogo, e o menino vai lá grindar um rank inteiro pra provar o contrário. Essa é uma das mecânicas opcionais do modo; batalhas ranqueadas que você pode completar se quiser algumas lutas contra CPU mais desenhadas em volta de certas estratégias. Elas tentam representar a parte mais grind do MMO de maneira abstrata, o que não é uma má ideia… mas mostra como esse modo não recebeu a devida atenção de orçamento para seu combate.
Mesmo mais pra frente, quando as lutas começam a ficar mais contextualizadas e você é obrigado a jogar com personagens específicos, elas carecem do espetáculo interativo que era visto em jogos passados. Não existem mais quick time events, mas ao menos as batalhas contra chefes tem algumas mecânicas únicas à elas (mesmo que sejam casos raros).
Isso faz este modo não atingir seu maior potencial, pois as lutas são inconsequentes e, no pior dos casos, só atrapalham o ritmo da história. Existe uma parte prolongada na segunda metade da Special Story onde você passa por mais de uma dúzia de lutas marcantes do Naruto em sua vida, mas pela perspectiva do Boruto. Ele nem comenta lá coisas muito interessantes enquanto revive a vida de seu pai. Boa parte do tempo ele só explicita os temas que aquela luta abordava na história original.
Porém, as lutas não são tudo aqui, pois a narrativa é o maior foco. Por boa parte da Special Story temos cutscenes com linhas de diálogo puláveis uma a uma e animações simples, mas muitas dessas cenas contam com ângulos de câmera interessantes para não torná-las estéreis — afinal, até essas cutscenes são completamente dubladas. Em diversos momentos também temos CGs completas com animações extremamente impressionantes da CyberConnect2 que pontuam os momentos mais ativos do modo.
Atenção! O resto deste texto contém spoilers pesados do modo Special Story de Naruto X Boruto Storm Connections!
Com esta estrutura em mente, vamos voltar a falar sobre a história! Quanto mais tempo Boruto passa envolvido com Ninja Heroes, mais peculiaridades ele nota. Parece que todos que jogam o MMO por qualquer quantia de tempo saem dele extremamente cansados. Ninguém sabe qual foi o estúdio responsável por criar o jogo. Além disso, ele apareceu nas prateleiras pouco depois do grupo Zero voltar a ativa.
Se você não reconhece esta organização, tudo bem. Ela é oriunda de Storm Connections e provavelmente nunca mais vai aparecer em outra mídia do Boruto. É uma organização liderada por Merz, um ninja da vila da chuva obcecado pela missão de vida do Pain… e é claro que eles são os responsáveis pelo Ninja Heroes.
A Special Story, então, vira seus olhos mais para o relacionamento entre Boruto e Nanashi do que qualquer outra coisa. Ele utiliza seu espaço como uma história que se descanoniza em seu fim como desculpa para ir tão longe quanto precisar.
A Nanashi é o produto de um experimento da organização Zero. Uma Uchiha perdida ao tempo, utilizada como arma desde criança pelo clã na cruel era que precedia até os primeiros Kages. Ela tinha a idade do Boruto quando foi selada pelos Uchiha, e só teve o selo removido agora — novamente para ser usada como uma arma. Nanashi possui o jutsu Yachihoko, uma técnica insanamente poderosa que agora foi utilizada por ela para apagar as memórias de todo o mundo ninja. Bem, todos os que foram atingidos pelo enorme sinal do Tsukuyomi na lua.
Esse não foi o caso do Boruto, especificamente por ele ser muito viciado no Ninja Heroes. O headset bloqueou a luz da lua! Ah, talvez seja útil eu também mencionar que o Ninja Heroes na verdade é um genjutsu; por isso drena o chakra de quem o joga.
Em meio a todos estes desenvolvimentos na história, o que mais afeta a cabeça do Boruto é a situação de Nanashi. Mesmo quando ela se revela hostil a ele, Boruto continua tentando ajudá-la. Nanashi não poderia ter vivido em uma era mais diferente que a do garoto. Tudo que ela conhece é guerra e morte. Ela nunca teve uma infância normal, e por isso quer destruir o mundo ninja junto com Merz e o grupo Zero. Nesse caso, a única coisa que o Boruto pode fazer é estender sua mão à ela. Diferente de seu pai e Nanashi, Boruto sempre soube como é ter uma vida boa, e ele sente que é seu dever demonstrar a mesma bondade que ele recebeu à outras pessoas.
De certa forma, vejo a conexão entre Boruto e Nanashi como um “romance impossível”. Eles são bem fofinhos juntos! Mas eles não podem dar certo tanto pela diferença das eras onde vivem quanto pela situação da Special Story como algo canônico-não-canon (falo disso em breve). Essa foi a minha interpretação, mas vou deixar claro que a história os trata como amigos por toda sua duração, então estou especulando aqui.
É por este relacionamento que a narrativa se segura. O Boruto deve ir o mais longe possível para convencer a Nanashi que ela ainda tem um lugar nesse mundo, e ainda por cima tem que resolver o problema do mundo ninja inteiro, incluindo seu pai que foi manipulado por Yachihoko e iniciou a quinta guerra ninja. Lembra da parte considerável da história que eu mencionei onde o Boruto passa por um resumo da vida de seu pai? É aqui que acontece; especificamente pela ajuda de Toneri Otsutsuki, que volta como um vigia do mundo ninja e oferece a oportunidade do Boruto usar o Ninja Heroes como um portal para o passado de seu pai que tem o chakra diretamente ligado ao menino.
Wow!!! Esta realmente é uma “Storm Connection”, né?? Ainda considero essa parte da história meio inútil, mas ela se conecta bem o suficiente com o resto. Boruto e Nanashi compartilham uma conexão similar à de Boruto e Kawaki, que é similar à de Naruto e Sasuke — Boruto traça inúmeras conexões entre si e outras pessoas em sua vida, e a que ele constrói com Nanashi finalmente demonstra uma paz inextinguível entre um Uzumaki e um Uchiha. De certa forma, é um “e se” focado em como seria um mundo onde o Sasuke ouve as preces de Naruto e volta para a vila da folha (sem beijos dessa vez).
Eventualmente, Nanashi demonstra sua real aparência fora do Ninja Heroes no esconderijo de Zero e ouve o lado de Boruto após uma batalha linda (eu chorei e a Nanashi também). Ambos finalmente conseguem se entender por completo e lutarem lado a lado contra Merz. Merz é morto por Boruto, Nanashi, Naruto, e Sasuke após um pedação bem grande de história e combate, mas Nanashi acaba morrendo também.
Nanashi foi morta logo após ter finalmente sentido o gosto da conexão humana. Ela compartilhou momentos felizes com Boruto nesse meio tempo, mas nunca pôde viver um dia normal sequer. Felizmente, esse não é o final da história.
Toneri oferece uma chance ao Boruto de voltar no tempo lá para a época onde Nanashi era viva. Ele consegue fazer isso devido à conexão de chakra deixada por Nanashi por meio de um pingente antes de sua morte. Assim, Boruto busca resgatar Nanashi do clã Uchiha dezenas de anos no passado e alterar o curso de sua vida. Com isso, Boruto nunca teria conhecido Nanashi e todos os acontecimentos vistos no jogo até então iriam se esvair. Ah, e assim chegamos em viagem no tempo, mas nesse caso executada com mecânicas bem simples!
Boruto vê mais valor na força de sua conexão inerente à Nanashi do que apenas nas memórias que compartilhou com ela. Ele decide voltar no tempo para salvá-la pois quer que ela tenha a chance de uma vida comum, mesmo que isso crie um paradoxo temporal e arranque as memórias compartilhadas entre os dois.
Mesmo sem ter conhecido a Nanashi do passado e tendo que reconvencê-la do valor de sua vida, Boruto segue em frente e até queima suas mãos para tirá-la da prisão. Imediatamente, a força da conexão entre Boruto e Nanashi é exposta mais uma vez. Eles só conseguem derrotar os Uchiha juntando suas forças (ao ficarem de mãos dadas!).
O adeus de Boruto à uma Nanashi que nunca irá o conhecer de verdade, apenas vê-lo como uma breve miragem, foi muito impactante para mim. Duas almas que só poderão continuar conectadas por motivos além da explicação lógica. Quando Boruto se despede de Nanashi, ele sabe que nunca mais vai se lembrar dela, ou de nada que aconteceu nos últimos dias. Nanashi também não vai lembrar do Boruto que conheceu no Ninja Heroes, mas ao menos vai lembrar do Boruto que salvou ela da prisão dos Uchiha.
A última coisa que Boruto conta para Nanashi é de seu nome real, o qual Boruto desvendou ao ver uma memória do nascimento de Nanashi pelo pingente. O nome “Nanashi” significa “Sem Nome”. Mas, quando nasceu, seus pais a chamaram de “Hikari” — “Luz”.
Hikari, então, viveu sua vida inteira com este nome, sem se atrelar a nenhum clã sequer. Seu conto sobreviveu à passagem do tempo no mundo ninja, mas todo o resto foi realmente apagado. Graças à Boruto, Hikari teve a chance de fazer de sua vida algo próprio.
Tudo que restou foi o sentimento. Acho isso um tema lindo para uma narrativa deste tipo. Ela toma proveito do fato de ter que ser descanonizada por estar em um jogo e não no mangá, e consegue assim tecer uma narrativa em parte dependente do fato dela não ter acontecido. Assim, podemos ver o impacto dos acontecimentos relacionados à Hikari de forma implícita no mangá. Boruto não sabe disso diretamente, mas a Hikari impactou sua vida.
A série Naruto é conhecida por deixar claro as conexões entre as pessoas que habitam seu mundo. Obviamente este é o tema explícito de Storm Connections, mas a Special Story faz isso muito bem, e de maneira diferente.
Talvez esta seção tenha parecido um grande sumário dos acontecimentos desse modo, mas considerando a má recepção de Storm Connections no geral, achei uma boa maneira de expressar exatamente o porquê de eu ter gostado tanto da minha experiência. Infelizmente o modo carece muito da atenção dos desenvolvedores no combate, atenção essa que foi colocada muito mais em implementar versões “Boruto” do elenco antigo de Naruto que ainda não havia sido representado em Storm e alguns dos vilões da organização Kara. Nem as crianças da nova geração de Boruto estão no jogo! Além disso, Hikari e Merz não são jogáveis, mesmo tendo movesets como bosses na Special Story.
Naruto X Boruto Storm Connections tenta realizar papéis até demais para um jogo que existe primariamente como mais uma ponte entre as duas franquias. Ele tenta apelar para a nostalgia dos fãs de Naruto com o History Mode, busca ganhar os fãs do mangá/anime do Boruto com a Kara e ainda quer se vender como tendo uma história original com a Special Story que foquei neste texto.
Neste caminho, Connections acaba por dividir demais sua atenção e se tornar uma bagunça. Olha, eu não vou diretamente recomendar uma bagunça dessas, mas meu coração não consegue ignorar o quanto amei a Special Story. Só queria que a série Storm não tivesse medo de ver o valor de Boruto.
Uma cópia gratuita de NARUTO X BORUTO Ultimate Ninja STORM CONNECTIONS foi concedida pela Bandai Namco/Theogames para análise no Recanto do Dragão.